sábado, 10 de março de 2018

Coisas da memória

Ana Vidigal, 2000

Muitos nomes e rostos de alunos continuam na minha memória. Como uma adolescente muito loira, muito bonita, muito estudiosa e que tinha um desgosto inimaginável: chamava-se Porcina.
Um outro aluno, cujo apelido era Ludmila, fazia questão, com alguma arrogância e orgulho familiar, de ser chamado assim e não pelo nome próprio, bem mais comum.
Tantos casos curiosos fui gravando na memória.
De excelentes desempenhos por parte de alguns alunos. Por vezes, dava comigo a pensar que gostava de atingir aquela perfeição porque  nada ficava por fazer, nada ficava por perguntar, nada ficava por completar.
O contrário também acontecia: jovens que bocejavam, que olhavam mais para fora da sala de aula do que para dentro, que perdiam o manual e o caderno, que esqueciam a pen  no dia da apresentação de um trabalho, que não tinham esferográfica, que inventavam dezenas de truques para usar o telemóvel na sala de aula, que nunca agradeciam nem pediam desculpa...
Recordo também algumas sessões de língua portuguesa para adultos (trabalho de que também gostei), muitas dúvidas surgiam: onde colocar a vírgula? Por que é à e não ? Qual é a diferença entre vêm e veem?
Para além de alguns dados sobre o Novo Acordo Ortográfico, explicávamos e voltávamos a explicar, porque alguns mecanismos vão perdendo o vigor em trabalho duro de anos a fio, indiferente a estas coisas que, só regressando à escola, parecem ser importantes. 
Ah! E houve uma formanda já de certa idade que, no final de uma destas sessões, pediu para ler um poema que tínhamos incluído no guião. Leu-o com tal sentimento que o grupo lhe bateu palmas. 
E disse com um sorriso de sentida vitória:
- Sempre gostei de poesia. Obrigada. 
Eu acrescentaria: as boas memórias também agradecem. 

Sem comentários:

Enviar um comentário