segunda-feira, 12 de março de 2018

Refugiados e escritores

Lendo diferentes obras de J. M. Gustave Le Clézio para uma tese de mestrado, antes de este autor de língua francesa ter recebido o prémio Nobel em 2008, tomei contacto com dramas de refugiados, sobretudo chegados a França, vindos do norte de África, embora o mundo ainda não estivesse abalado pelo terrorismo, como nos dias de hoje.
Com a sua vasta obra, Le Clézio mostra que - recorrendo eu a palavras de Marguerite Yourcenar, em Les Yeux ouverts - é um escritor "qui ressent, qui regarde, qui agit".
Na coletânea de cinco contos Printemps et autres saisons (julgo que não está traduzido em português), esse autor conta histórias de cinco mulheres árabes, de diferentes idades, que erram pela França, nomeadamente no Sul, em busca de acolhimento e também de si próprias. 
Muitas delas foram vítimas de passadores que as abandonaram, sem qualquer escrúpulo, depois de lhes terem extorquido grandes quantias de dinheiro, fazendo lembrar os atuais naufrágios no mar mediterrâneo, afundando toda a poesia desse elemento mítico que tanto fascina os seres humanos.
"No mar não há Primavera nem Outono
No mar o tempo não morre"
Sophia de Mello Breyner
Várias vezes falei aos meus alunos. de Jean-Marie Gustave Le Clézio, escritor franco-mauriciano, em cujas obras aborda problemas cruciais do nosso tempo.
Quando vinha a propósito o tema dos refugiados, alguns alunos insurgiam-se contra a sua presença em países da Europa, repetindo, talvez, o que ouviam em casa: que vinham roubar os empregos e criar instabilidade social.
E lá pelo meio vinha o argumento, que me surpreendia e desagradava profundamente: "Se Salazar fosse vivo, ninguém entrava cá". E era preciso repetir-lhes que se Salazar fosse vivo, não poderiam sequer exprimir-se livremente, nem estariam na escola, à qual, felizmente, todos têm agora acesso. 
Repetiam que era o que os avós diziam. Parecia que muitos dos mais velhos  não tinham sofrido por terem começado a trabalhar demasiado cedo, de terem tido acesso apenas a uma escolaridade mínima, de não terem conhecido a liberdade de expressão, de terem estado fechados ao mundo...
De facto, a nossa capacidade de esquecimento supera atrocidades históricas.
Os escritores ajudam a que a memória não se perca e tentemos viver melhor e com mais consciência do papel de cada um no mundo. Quero acreditar que sim.

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