sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Conversa em voz alta na farmácia ou problemas que também lá moram

- Tem algum jeito ter de pagar taxa? Gostava era que eles ganhassem o que eu ganho!
- Isso é verdade e não vão ao mesmo hospital.
- Se eu ganhasse mil euros, não me importava de pagar a taxa.
- Mas eles ganham muitos mil euros.
- Então se ganham tanto que paguem a taxa moradora que eu só ganho quatrocentos.

Conversa ao pé do supermercado ou palavras comuns e outras menos

- Viva! Dá cá um beijinho.
- Há tanto tempo que não te via! Estás sempre na mesma.
- Ai, estou! Tenho muitos problemas de saúde.
- Mas não parece, estás sempre bonita.
- Tu é que estás! Sempre a mesminha!


Há poucos dias assim!


Poder andar devagar. Tomar o pequeno almoço sem olhar para o relógio. Arrumar calmamente a mesa de trabalho. Acabar de ler o capítulo do livro que ainda/já vai a meio (neste caso, O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago). Fazer, sem pressa, a lista de pequenas coisas que faltam para o jantar em família. Saber que à mesa podemos falar de mil e uma coisas com o amor habitual, mesmo que haja desacordo.
Fazer festas à Castanha com tempo e paciência, sem pensar sobretudo no cocó que é preciso apanhar. Olhar a planta que está a secar no canteiro, sem nostalgia porque a pujança e beleza foram duradouras.
Sair na possível certeza de ver o largo rio ao longe. Sentar-me num banco de pedra olhando os ouriços a parir castanhas luzidias. Colher dióspiros e tangerinas ouvindo vários silêncios das folhas das árvores.
Ah! Não fossem algumas más notícias! Não fossem algumas más certezas irreversíveis!
Mas talvez esteja a pedir de mais!



quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Há boas trocas de mensagens!

 Hoje de manhã recebi esta mensagem de uma amiga.
Julgo que seria resposta para outra pessoa.
Porém, como penso de igual forma, partilho a ideia
 - que não será, de certeza, só da minha amiga nem só minha!

Desejo a todos um dia com boas mensagens, sejam elas trocadas ou não!


'Todos nós queremos deixar a nossa marca. Há muito ruído à nossa volta. A escrita traz o silêncio de que preciso. Silêncio só não chega.  Só nos basearmos nisso não chega.  Há que ter coisas cá dentro a que nos agarrarmos. 
Não nos comportamos da mesma maneira, mas se formos autênticos, há algo que nos liga a tudo'.


terça-feira, 15 de outubro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Continuo a despojar-me de muitas coisas.
- Faço o mesmo há muito tempo.
- Não há necessidade de encher gavetas que nunca são abertas.
- Um dia mais tarde só dão trabalho a quem as tem de arrumar!



terça-feira, 1 de outubro de 2019

Há sempre uma estação perto de nós!


A Confraria do Corpo Santo de Massarelos realiza regularmente visitas a lugares de referência no Porto.
 O objetivo principal é a angariação de fundos para o restauro da Igreja.
A visita que foi realizada na última sexta-feira permitiu conhecer a estação de metro do Campo 24 de Agosto - Mijavelhas - e espaços da Senhora da Hora, incluindo as sete bicas que deram o nome a uma estação.
A atividade teve, como sempre, muita adesão e foi orientada pelo professor Joel Cleto.
Parte do percurso foi feito de metro - do Campo 24 de Agosto à Senhora da Hora.
Uma boa maneira de conhecer melhor espaços públicos e muita(s) da(s) sua(s) história(s).

Em Mijavelhas - Porto
Portão da antiga fábrica dos carrinhos - Senhora da Hora
Ruínas de parte da antiga fábrica
As sete bicas que deram o nome à estação de metro
Imagens da capela junto à fonte

domingo, 22 de setembro de 2019

Gosto do outono!

Canção de Outono
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles

OUTONO
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga  

Conversa ao pé da porta

- Vejo que anda muito ocupada.
- Sim, aproveito os tempos livres para fazer arrumações.
- Curioso, também ando numa fase semelhante.
- Não entendi.
- Quero despojar-me das coisas que me afastam a mim.


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Cultura Curto Espaço - na praia da Aguda

As tábuas parecem ter sido recolhidas na praia
A janela na parede dá as informações como o Clube de leitura de verão
Espreitando o interior do CCE em dia de encerramento
A arte de reutilizar destroços de plástico
Já tinha ouvido falar deste espaço - Cultura Curto Espaço.
Fica em frente ao mar da Aguda, é café, restaurante, lugar de convívio...
Periodicamente realizam-se lá Clubes de Leitura à volta de um livro.
 Em breve, quero também participar.
E sobretudo entrar no CCE e ficar lá um bocadinho.
Dizem que há almofadas e mantas quentes para quando está frio.


terça-feira, 17 de setembro de 2019

'Quero ser o teu amigo'


Andei na net à procura de textos para 
uma atividade de 'Leituras no hospital'.
Gostei deste poema de Fernando Pessoa por ser simples
e abordar um tema que pode ser significativo para todos.
Oxalá assim aconteça e a net esteja a ser fidedigna. 
Vai longe o tempo em que se tinha tempo de procurar nos livros!!!

Quero ser o teu amigo.
Nem de mais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida.
Da maneira mais discreta que eu souber. 
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças.
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias… 

Fernando Pessoa

domingo, 1 de setembro de 2019

Meu querido mês de setembro,


Este ano pude confirmar que não gosto do mês de agosto. Não, não gosto.
E não quero ser negativa, mas o mês de agosto traz(-me) sempre coisas horríveis.
Como não gosto de generalizar pelo lado mau, vou tentar explicar um pouco melhor.
Desculpa, setembro, por não ir ao fundo da questão, mas às vezes prefiro sentar-me à beira de um regato sem o atravessar para não escorregar nas pedras.
Sou medrosa? Serei, com certeza, mas cada um procura as suas defesas.
De facto, agosto ficou ontem parado no calendário, mas alguns dias ficarão marcados na minha memória.
Foi um mês de contrastes:
Ouvi o silêncio e tapei os ouvidos pelo excesso de ruído.
Senti o mar, aproximei-me da montanha e o pensamento fragmentava-se.
Fiz desenhos coloridos e pouco depois os dias ficaram negros. 
Contei histórias e senti a ausência de palavras de quem precisava de as dizer mas já não podia.
Tive a alegria de ver a casa cheia de brincados sorrisos infantis e quase logo a despedida de quem tinha gerado a família.
Caminhei ao sol luminoso na praia e senti o frio branco de uma cadeira de hospital.
Dancei, vi dançar e partilhei de lágrimas em saudosa e não anunciada despedida.
Viajei vendo paisagens verdes ou ressequidas e deparei com coroas de flores também cortadas à continuação da vida.
...
Desculpa, mês de agosto, pelo meu desamor. E, se calhar, ingratidão ou egoísmo, porque estou a esquecer que para muitas muitas pessoas o verão só teve o segundo lado da moeda.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

'Bons dias, Pai'.

 

Se Eu Agora Inventasse o Mundo

Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
- conspiração da noite
com as pedras.

Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silêncio
com esqueletos de asas
- conluio com o sol
para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhã,
mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes...

Abro a janela
O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!

Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.

José Gomes Ferreira (1900/1985)

terça-feira, 30 de julho de 2019

É verão e dia dos amigos. Um dia feliz!


domingo, 28 de julho de 2019

Fi-lo e não gosto que mo façam!

Há bastante tempo, fui à ESG falar sobre o meu diário A Velha Casa e outros dias.
Havia alunos adultos que cada vez valorizo mais porque, muitas vezes, não tiveram oportunidade de estudar na devida altura e têm força e ânimo para o fazerem mais tarde.
No diálogo a propósito de assuntos abordados no livro, alguns alunos intervieram e falaram das suas próprias experiências. Um deles, no final, imprimiu uns poemas que me ofereceu para eu ler e lhe dar a minha opinião. As três folhas ficaram ao lado do computador ao longo do tempo.
Hoje, finalmente, vou mandar-lhe um mail, pedir-lhe desculpa pelo atraso e dizer-lhe que gostei dos poemas, tentando explicar as razões.
Sim, vou fazê-lo - por gosto pessoal, em primeiro lugar, e depois porque não gosto nada de fazer aos outros o que não gosto que me façam a mim.
Oxalá não se tenha esquecido. Com certeza que não.

Uma experiência de que estou a gostar

Faço parte de um grupo que, rotativamente, vai a um hospital ler pequenos textos e conversar um pouco com os doentes que se disponibilizam a estar presentes.
Na primeira sessão, levámos este poema de Miguel Torga:


Sei de um ninho
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
      Miguel Torga

No diálogo que se seguiu, houve recordações da infância, marotices de garotos, 
mudanças na educação das crianças, cuidados para proteção do ambiente...
E uma senhora cantou cantigas da sua memória.
Quando nos despedimos, estávamos todos um pouco mais próximos dos ninhos que são as vidas comuns.
               

       

Leituras no Hospital


Felicidade
Pássaros nos beirais
aquarelam o azul  
em melodias cor-de-sol
redondas e cristalinas...
E na transparência
da sinfonia
vejo a infância perdida:

manhãs de agosto
sentada à porta da cozinha
aberta ao horizonte
a minha avó aconchega-me
no colo
perfumado de pão fresco
fecho os olhos
e deixo-me embalar
no canto morno
que nasce nos ninhos
que escorre dos beirais
aconchegados de pássaros...

Maria Clara Miguel
(Pseudónimo de Isaura Afonseca) 


Este foi um dos textos que lemos na segunda sessão das nossas Leituras no Hospital para pessoas, quase todas idosas, em cuidados continuados.
E houve quem quisesse ler o poema em voz alta e expressiva. E quem falasse de uma avó a quem chamou sempre avozinha. E quem perguntasse se podia dar o poema à neta porque de certeza que ia gostar. E quem se recordasse do pão fresco da sua infância. E quem comunicasse que sempre gostou de ver pássaros nos beirais, apesar de sujarem o chão. E quem contasse que a praia no verão é como um colo quente de avó e que tinha visto o mar no domingo passado e tinha adorado...
E também quem dissesse que sentia cansaço, que aquele dia não era dos melhores dias, que ouvia muito mal, que só queria reler o poema mais tarde porque tinha ouvido algumas palavras e tinha-as achado bonitas...
Quando nos despedimos até setembro, dissemos todos palavras meigas, com vontade de um feliz reencontro.