segunda-feira, 28 de julho de 2014
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Estrada
Van Gogh |
Vejo
ainda o caminho com muita nitidez. Era muito longo e decidi percorrê-lo a pé.
Sabia que ia demorar a chegar ao fim, mas a decisão estava tomada e nem pensei
sequer voltar atrás ou utilizar qualquer meio de transporte.
A
estrada abria-se pelo meio de terreno arborizado. Muitas das árvores e arbustos
tinham nascido espontaneamente. Umas vezes, porque as sementes vinham ali
parar, trazidas pelo vento, outras, porque se agarravam à terra e cresciam na
força da verde e abundante vizinhança. Nem todas as plantas eram macias e
lisas; havia tojo que escondia a flor da urze. As mimosas também se fechavam na
cor e no perfume, porque o tempo era de frio inverno.
A
estrada era de alcatrão negro, com alguns sulcos pela sua abertura recente. Não
se viam, porém, máquinas nem trabalhadores a alisar o piso.
Tendo
optado por ir a pé, percorreria a estrada, tal como se encontrava.
Caminhava
e não via ninguém nem nenhuma habitação, onde me pudesse refugiar ou pedir ajuda.
Ainda que fossem ruínas; nelas sempre me poderia abrigar ou esconder-me, se
algum animal irrompesse do mato, ou se alguém me atacasse. Mas não, nenhuma espécie
de construção se erguia nas imediações daquela estrada que eu percorria
sozinha. Não me lembro, contudo, de ter olhado alguma vez para trás, mas devo
tê-lo feito.
Comecei
a observar com frequência o céu. Não que buscasse apenas proteção divina, mas
porque se carregava de nuvens grossas e escuras. A chuva não tardaria em cair e
adivinhava-se trovoada. Sentia medo, porque as tempestades sempre me
assustaram. E naquele descampado, o desamparo tornava-me um ponto minúsculo,
indefeso, um pequeno desenho em movimento, tentando chegar o mais depressa
possível ao seu destino, com a angústia de todas as forças que pesavam sobre
mim.
De
repente, emergiu do caminho uma jovem com uma pequena banca de artesanato.
Aproximei-me. A artesã mostrou-me o seu trabalho com carinho e paciência. Vendia
bonecas que fazia com pedacinhos de tecido de que tanto gostava e que ia guardando
desde a infância. Juntava-lhes pequenas histórias que ela própria inventava.
Sentia que era uma forma de conservar a inocência e as palavras.
Retomei
o trajeto. Como não havia trânsito, eu caminhava quase sempre no meio da
estrada, olhando, frequentemente, para o chão, porque o piso tinha
irregularidades. Podia, de repente, tropeçar e cair, sem ter ninguém para me ajudar
a levantar. A jovem artesã já nem sequer se avistava.
Mais
longe, e do outro lado da rua, deparei com outra pequena banca. Desta vez, era
um rapaz que fazia e vendia bonés de todas as cores. Na passagem, olhei para
ele e sorri-lhe. Continuou a coser um boné azul, como se as mãos lhe
obedecessem, mesmo sem as olhar. Desejei-lhe boa sorte e prossegui a caminhada,
sob um céu cada vez mais escuro e pesado.
A
estrada, sem curvas, desenhava-se rugosa. Só o reflexo de uma nesga de sol a
clareava de quando em vez.
Caminhando
sempre, dei comigo a pensar na trovoada que se avizinhava e no que faria quando
me confrontasse com o estrondo tremendo dos trovões. Pouco mais do que nada,
porque o cenário mantinha-se: uma estrada longa e ladeada de densa vegetação.
Não me adiantaria interromper o percurso, porque nem uma telha ou uma parede se
anteviam.
Se
a ameaça da tempestade se concretizasse, os artesãos, com quem me cruzara pelo
caminho, perderiam, por certo, muito do seu trabalho. Com persistência e
criatividade, teriam de o reconstruir ou adaptar. De nada valeria alegar perdas
por fenómenos naturais, porque as Companhias de Seguros diriam que tal não está
contemplado na letra, cada vez mais miudinha para que os olhos apressados do
dia a dia evitem a sua leitura. Seria inútil também comunicar ao Governo,
porque carta de artesão que pouco vende só aumentaria o deserto da espera. Os
mais pragmáticos diriam que o melhor seria tomar iniciativas mais rentáveis e
guardar a viola no saco porque a formiga sempre foi mais ganhadora do que a
cigarra.
A
estrada continuava difícil e interminável, ainda que algumas reflexões
ajudassem a vencer os obstáculos, uns reais, outros imaginários.
Se ao menos surgisse uma clareira que me
transmitisse a esperança de que os perigos tinham passado! O negrume continuava
no solo e no céu. A ausência de vida humana doía ainda mais do que o céu
ameaçador.
A
companhia de um cão seria bem-vinda. Poderia falar com ele, procurando
respostas no seu olhar e na sua presença fiel. Porém, apenas as árvores se
inclinavam pelo vento que soprava com mais força.
Desejava
encontrar outras bancas, outras pessoas com quem pudesse comunicar, que expusessem
o seu trabalho, mesmo sabendo que não seria visto nem apreciado por multidões.
Imaginava
alguém a escrever, à mão ou num computador, abrigado por quatro paredes, onde,
pelo menos numa, se abriria uma grande janela. Um ourives construindo, meticulosamente,
uma peça de que a filigrana do tempo ajudaria a conservar a perfeição. Uma
modista a pespontar a bainha de um vestido, ao som de um piano, no quarto de
costura onde os carrinhos de linhas, os fechos, os tecidos, os moldes
orquestravam múltiplas cores e espessuras. Uma bordadeira percorrendo os riscos
de um desenho, através da agulha que sabia, delicadamente, colocar no sítio
certo. Um pintor de cujas mãos saíam formas, reinventando novos objetos de
arte. Um professor ensinando a ler e a escrever, aperfeiçoando gestos, sem os
quais a criança não aprenderia a crescer para o mundo. Um agricultor que,
amaciando a terra, facilitava o crescimento de salutares plantas. Um
investigador que, partindo de dados simples e concretos, chegava, pelo estudo persistente,
a uma solução vital. Um médico que, perante os sintomas de um doente, o ajudava
a saltar para a alegria de viver. Uma cozinheira combinando, gostosamente,
alimentos e condimentos, deles fazendo renascer felizes e apreciados sabores. Um
músico cujos sons reconstruíam novas melodias que fortaleciam a beleza e ensinavam
a amar os silêncios…
De
repente, senti um toque de mão pousando, sossegada, no meu braço. Seria alguém
a oferecer-me ajuda? Alguém com vontade de partilhar a voz humana? Alguém que,
docemente, me dissesse para não ter medo e que continuasse o rumo porque a intempérie
se tinha desviado? …
Eras
tu. Tu que conduzias o carro em silêncio, ouvindo, baixinho, uma canção tradicional
francesa, cantada por Anne Sofie von Otter, enquanto eu descansava um pouco.
Despertando, olhámo-nos e sorrimos. Parámos na Estação de Serviço mais próxima.
Caminhámos de mãos dadas. Enquanto sentia o sabor quente do café e o teu
abraçado calor, contei-te o meu sonho.
Tudo tão límpido e, aparentemente, tão real. Que
bom não me ter esquecido de tanta metáfora sonhada. Igualmente doce era o
aconchego de me escutares, olhando-me sem pressas.
A
Vida é também feita de sonhos.
E
de caminhos difíceis. E de solidões. E de medos. E de perigos. E de procuras.
Mas
também de marcos (in)esperados, onde apetece parar e ficar um pouco, dando e
recebendo novo alento para a Vida. Como pequenas bancas com água e alimentos
que os corredores de longa distância vão encontrando nas suas maratonas, sem as
quais dificilmente sustentariam o sonho de chegar e de vencer.
Voltando
ao carro, reparámos numa pequena magnólia que, branca, se abria no parque de
estacionamento.
Talvez
a urze e as mimosas também.
Uma história no Porto
Imagem da net |
DOMINGOS
MIRA FLOR
Eu já tinha chegado a
esta conclusão: as varandas do Porto são mais visíveis ao domingo de manhã. Parece
absurdo, mas, se não acredita, experimente passar nas ruas Mouzinho da Silveira,
das Flores e outras do Porto antigo, fora da azáfama da semana. As varandas, de
recorte simples, puxam e demoram os olhares.
Ora, numa manhã de
tempo e espaço desanuviados, vi, numa velha varanda, um homem sentado. Nada de
estranho, dirá o leitor, não fosse aquele estar de camisa de noite até aos pés.
Junto dele, erguia-se um vaso de begónias vermelhas e, quase debaixo delas,
dormia um gato farfalhudo, de sono interrompido por suspirados sobressaltos.
Não pude deixar de
olhar, porque muitas varandas estavam nuas de plantas.
Há setenta anos e cinco
meses que o Sr. Domingos era habitante desta casa da rua que se abria ao Largo
de S. Domingos. Da sua varanda, ele conseguia ver o rio, os quintais interiores
de casas vizinhas, a ponte D. Luís, os anúncios ao vinho do Porto - brindando a
todos os momentos e prazeres - do outro lado, como ele dizia quando se referia
ao Cais de Gaia.
O Sr. Domingos vivia
só, tendo a companhia do gato e da paisagem. Tudo era encantamento, apesar de
ser costumeira e diária a visão.
Conhecia as outras
varandas vizinhas. Lamentava as que iam ficando vazias: murchas ou mirradinhas,
as plantas sinalizavam o abandono e solidão.
Quando via alguém na
varanda, o Sr. Domingos fazia uma saudação, mas, muitas vezes, disfarçava e
desviava o olhar, porque se lembrava do que a mãe lhe dizia, na sua voz austera
e bem pronunciada: “Devemos ser discretos, carago!”. Achava que a palavra carago
não combinava muito bem com a maternal discrição, em cujo berço fora educado,
mas não contrariava a mãezinha.
Ora, quase em frente,
vivia uma professora há muito ano. Assim dito, o tempo recuava pausado e singular.
Nunca tinha falado com ela.
Um dia, decidiu interpelá-la,
pedindo-lhe desculpa pelo arrojo do seu gato. “Desculpe, não sei se a senhora já
reparou, o meu gato foi dormir no seu canteiro das aromáticas. Eu bem o chamei…”.
Que sim, que já tinha
reparado, mas que os gatos têm pouco pensar ou até nenhum, e que não se inquietasse.
Claro que era de se preocupar
e o melhor seria pôr um resguardo no canteiro: “Se a senhora quiser, eu posso
ir aí à tardinha tratar disso, pois o raio do gato é que fez os estragos. Já o
castiguei, mas foge-me e não posso ir atrás dele, como poderá compreender,
embora gostasse…”.
A vizinha,
recém-reformada, aceitou e, nessa mesma tarde, à hora marcada, o Sr. Domingos
fez-lhe sinal da sua varanda. Como era dia de semana e passava muita gente na
rua, se falasse alto, todos ficariam a saber do seu intento e do recheio da sua
vida, assim como de uma das sete do seu gato. De facto, para o governo da sua
existência só ele era o eleito.
Vestiu umas calças com
vinco, um polo azul, um blusão pardacento, dado pela mãe num Natal; viu-se ao
espelho, endireitou a risca do cabelo, ainda com alguma pujança, com um pentezinho
antigo; reparou que os sapatos estavam demasiado gastos e mudou as meias brancas
porque tinham um fio puxado. Pegou na caixa da ferramenta e nuns pedaços de
rede que ia guardando e atravessou a rua.
Logo que o viu, a professora
reformada disse-lhe, roliça e canora: “Pode entrar, não faça cerimónia”. Ele
respondeu “Com certeza, minha senhora” e lá foi subindo, dirigindo-se à
varanda, não fossem outros passos serem mal entendidos. Já lhe bastava a
ousadia do gato.
Nunca tinha olhado a sua varanda de outra
semelhante. E disse: “Não tinha reparado que as sardinheiras estão cheias de flor”.
Daí a nada, o Sr.
Domingos terminava a função de pôr uma rede segura por cima do canteiro.
Deixava-o de modo a ela apanhar os raminhos de salsa, a hortelã, o manjericão,
sem que o raio do gato ali voltasse. “Há liberdade a mais, até dos gatos”,
disse, seráfico, o Sr. Domingos. “Não é bem assim”, disse ela com ar professoral,
acrescentando: “A liberdade nunca é em demasia, o uso que dela fazemos é que
pode não ser o melhor”.
O Sr. Domingos sentia
agrado e atração por aquele tom didático. E foi oiro sobre azul quando ouviu: “Sente-se
um bocadinho. Aceita um chá ou um café?”
“Muito obrigado. Fico
de bom grado. Se me dá licença, sento-me aqui em frente à minha varanda. Posso
ver o gato. Nem deu pela minha falta… Às vezes não entendo este bicho, apesar
de me ter entrado em casa há mais de dez anos”.
“Ainda não respondeu”,
inquiriu, firme e de sorriso aberto, a vizinha: “Toma um chá ou um café?”
“Se posso escolher,
prefiro o café… É um dos meus vícios”.
Ela sorriu e retorquiu
”Não parece ter muitos”.
“A senhora bem sabe que
as aparências iludem. Tenho alguns, mas, felizmente, são baratos, de outro modo,
não os podia manter”.
“ Estou curiosa.
Então?”
“Um deles é sentar-me
na varanda e ficar a olhar tudo com vagar. Nem imagina o que descubro. Às vezes,
até me esqueço do tempo e de tirar a roupa de noite. Sei que é antiquada, mas
não me importo porque ninguém repara em mim”.
“Não será bem assim”, disse
a professora com uma leve e prolongada malícia. E acrescentou: “Agora já me
posso também dar ao luxo de olhar à minha volta sem a pressa do relógio. Não
tenho testes nem trabalhos para corrigir, nem reuniões demoradas.”
“Que bom ter a sua
presença por perto e por mais tempo. Já me pode dizer se é preciso arranjar a
cobertura dos seus vasos, porque o meu gato é matreiro”.
“Ora deixe lá o
bichano. E que outros vícios tem?”
“A senhora não sabe,
mas vou todas as tardes ao alfarrabista da Misericórdia e releio o mesmo livro
vezes sem conta. Só passo para outro, quando me parece que já descobri quase
tudo. Talvez lhe pareça ridículo, mas, em todas as leituras, deparo com um
elemento novo e isso dá-me um prazer enorme”.
“E qual é o livro que
anda a ler?”
“Alguns contos e novelas de José Régio”.
“Também gosto muito desse autor. Quando passo
no jardim da Cordoaria, lembro-me de ‘O vestido cor de fogo’ e parece que vejo
personagens a passear”.
“A Cordoaria é um belo
sítio bafejado pela velha araucária.”
“E não se cansa de
retomar vezes sem conta as mesmas histórias?”
“Não, minha senhora, é
um prazer até. Penso assim: muito mais tempo deve ter gasto o escritor a pensar
e a escrevê-las. Bem merece então as tardes que lhe dedico.”
“Vejo que é paciente, o
que é raro”.
“Tenho alguma paciência,
mas veja a senhora se não é de a ter: o meu nome é Domingos, sempre vivi nesta
rua ao Largo de S. Domingos e vem ter comigo um conto com o título “Davam
grandes passeios aos domingos”.
“Tem uma certa graça,
de facto. Até as palavras podem ter encontros e desencontros”.
“Amanhã, como é
domingo, dá-me o prazer que lhe retribua este café no Café do Olival?
“Sim, podemos passear depois
na Cordoaria, ir à praça Carlos Alberto e a Cedofeita”.
“Fico feliz por aceitar
o meu convite. Obrigado pelo café”.
E já do lado de cá da sua varanda, Domingos recordava
a doçura do diálogo a que quase se desabituara. Revia os braços redondos da
vizinha, as ancas largas, o cabelo farto com vestígios de caracóis de menina,
embora já grisalhos. E os olhos dela que sorriam quando a boca se comprazia com
o que ouvia ou com uma curta peripécia contada. Ela lembrava-lhe quadros de
Botero, de quem tinha visto uma exposição em Bilbao, num domingo chuvoso e
meditativo.
A curta visita
havia-lhe trazido uma serena e clara alegria. Como seria se tratasse a vizinha
por tu? Que encantos profundos poderia com ela partilhar? A sua vida
parecia-lhe até então um canteiro de salsa pisada pelos gatos; viçoso ficava agora
pela proximidade de uma mulher cujo nome apenas soubera nesse dia: Mira Flor.
Estranho nome para flor que nem ousara mirar. Cobiçou secretamente a astúcia do
seu gato. E lembrou-se do semicerrar de olhos quando as costas da sua mão
esquerda tocaram na macia mão direita, enquanto ela tirava a chávena do
tabuleiro. A curta travessia da rua parecia-lhe a concretização de uma linha do
horizonte que não pensara transpor.
Os passeios de Domingos
e Flor passaram a ser frequentes. Voltavam, por vezes, aos mesmos lugares. Como
Domingos fazia com os livros que amava de paixão.
E, algum tempo depois,
quem passasse pela varanda de Domingos veria dois pijamas novos a secar e uns pares
de meias escuras. Junto das viçosas begónias, o gato dormia. Era vê-lo bem
descansado!
Às vezes, a porta de
uma das varandas fechava-se – estendendo-se a paisagem interior à viva e
penetrada intimidade. Nem o gato tinha permissão de entrar.
E mais não ouso dizer. Também
a minha mãe me ensinou a ser discreta, carago!
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Buganvílias e não só
Ontem, uma amiga
perguntou-me se eu já tinha lido "Montevideu", de João Ricardo Pedro,
conto incluído na coletânea Contos Capitais (parsifal). Li-o depois. A narrativa termina com esta frase:
"A palavra buganvília enche-me a boca".
Lembrei-me, então, de uma
pequena e despretensiosa história que escrevi há tempos e que agora partilho de
novo.
É que "a palavra
buganvília enche-me” ... os olhos!
A ameixoeira que não gostava de estar só
Era uma vez uma ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A
vizinhança era muito variada: duas macieiras, abóboras, um limoeiro,
margaridas, camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, limonete,
hipericão, salsa…
A ameixoeira dava ameixas muito vermelhinhas e aveludadas. Sumarentas e
perfumadas. Os donos da casa, tanto as crianças como os adultos, gostavam de as
colher e saborear mesmo junto à árvore que era a casa onde as ameixas moravam.
Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era assim que
gostavam de viver. Não gostavam era de cair ao chão porque podiam ser pisadas.
Um dia, as folhas da ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui,
outra ali, mas, em pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço.
Bastava uma pequena brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as
desprendia da árvore e atirava-as por terra.
Ora, junto da ameixoeira, vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No
centro de cada flor, raiavam estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas
luzes acesas.
Assim, enquanto a ameixoeira secava, a buganvília crescia exuberante.
Os ramos da buganvília pareciam braços a estender-se generosamente em
diferentes direcções e foram agarrar-se à velha ameixoeira que parecia
desfalecer de tão sequinha e fraquinha, apoiando-a.
Às vezes, estas plantas até são um bocadinho intrometidas porque espreitam
às janelas, saltam os muros, entram pelas portas…
São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos lugares, mas
que precisam que alguém lhes oriente o rumo.
Uma manhã, a dona da casa foi ao quintal, como acontecia várias vezes ao
dia. A senhora olhava sempre com muita atenção, porque, para ela, cada flor,
arbusto ou árvore tinham uma história como qualquer pessoa. Foi então que notou
algo de estranho, porque já se tinha convencido que a ameixoeira nunca mais
teria folhas verdinhas ou frutos madurinhos.
Mas… o que via ela? Uns rebentos
bem mimosos e verdinhos.
Afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar se não eram as
folhas da trepadeira que tinham invadido a ameixoeira, mesmo sem querer. Porém,
as folhinhas renascidas eram mesmo dela. Pelo aspecto, por certo a árvore até
daria fruto no próximo ano e o tronco estava macio e forte.
A dona da casa logo chamou a família para ver a ameixoeira renascida, com a
ajuda da buganvília.
E o neto, um menino de cabelo forte aos caracóis, veio a correr, olhou para
a avó e disse muito contente:
- Ó vovó, se calhar a ameixoeira não gostava de estar sozinha! A buganvília
foi amiga mesmo.
A avó sorriu-lhe, concordando com ele. Já imaginava a compota vermelhinha
de ameixas que faria no ano seguinte para a família e amigos.
De uma coisa não se podia esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao
lado da compota reluzente e saborosa.
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