A Suzaninha vinha com a mãe,
todos os verões, há muitos muitos anos, para a mesma praia do Norte e ocupavam sempre a
mesma barraca. Logo de manhã, o banheiro trazia um grande saco, onde havia uma
manta, para a Suzaninha e a mãe se estenderem ao sol ou se aconchegarem dentro da barraca, um pequeno cobertor para
a Suzaninha se cobrir nas manhãs de nevoeiro, duas cadeiras de dobrar, um saco
com os brinquedos de Suzaninha: baldinhos, forminhas, pazinhas, duas bonecas
para se entreter quando a areia estivesse muito fria ou muito quente. A
Suzaninha também queria trazer um livro de histórias, mas a mãe de Suzaninha
dizia que era melhor não, porque ela, a mãe de Suzaninha, tinha de descansar a
cabeça e acabar a colcha de crochet. É que a Suzaninha gostava que a mãe lhe
lesse histórias.
Na praia, havia muitos
meninos e, como eram meninos, brincavam
despreocupadamente. Suzaninha, sempre que podia, aproximava-se, mas nenhum dos
meninos a chamava porque sabiam que ouviriam logo a mãe de Suzaninha:
- Suzaninha, anda buscar o
chapéu. Suzaninha, anda pôr creme. Suzaninha, sai do sol. Suzaninha, não corras
tanto. Suzaninha, anda mudar o maillô que esse está molhado e constipas. Suzaninha,
olha que ele é mau…
Mas a Suzaninha queria brincar
porque a Suzaninha era, como os outros meninos, uma criança. A mãe de Suzaninha
preferia vê-la por perto, porque assim estava mais descansada e podia acabar
mais uma roseta para a colcha de crochet.
Ora, a Suzaninha punha-se a
olhar os meninos a brincar e era como se estivesse no meio deles. Fazia “ai!”
quando algum caía, ria-se quando achava graça à brincadeira, batia palmas ao
vencedor do jogo das pedrinhas ou do prego…
E isto acontecia quase todos os
dias ao longo de um longo mês.
Uma manhã, a Suzaninha chegou à
praia com a mãe e estendeu-se o ritual: desdobrar a manta, abrir as cadeiras, desatar o saco dos brinquedos; pegar na agulha
e no novelo; destapar a lancheira:
Suzaninha, come uma banana; Suzaninha, queres a bola de Berlim? Suzaninha, bebe
o sumo…
A mãe já sentada com o seu
crochet no regaço, Suzaninha bem perto e segura, os meninos retomavam a sua
brincadeira, fazendo um círculo na areia. Montavam um castelo com areia
molhada. Suzaninha ia seguindo a construção. Pegou numa pá de plástico azul,
como se lá estivesse, para poder participar.
Suzaninha, para ver melhor, pôs-se
de pé, atrás da mãe, apoiando as mãozitas nos seus ombros. De repente, o castelo desmoronou-se e
Suzaninha, com a emoção e talvez como reação ou repentino reflexo, deu com a pá
no ombro da mãe.
A mãe de Suzaninha disse: ó
Suzaninha, sabes o que fizeste? Venho para a praia por tua causa, para teres
saúde durante o ano, e dás-me com a pá?
Suzaninha nem sabia o que dizer
e só queria olhar a construção.
Suzaninha passou o resto da
manhã, de castigo, dentro da barraca. Adormeceu no cobertor e sonhou que subiu,
livremente, a um castelo, com os outros meninos.