Apesar
de viverem perto, ela raramente vê a Delfininha.
Quando ela passa a pé rente à casa de Delfininha, olha
sempre para o jardim, bem protegido por um alto e claro portão. As flores,
sempre viçosas; a relva, sempre cortada e as trepadeiras na constante subida
aos muros, como há dezenas de anos. Ainda dizem que o tempo deixa marcas que
são mazelas nos muros que vão amparando a vida; mas nem sempre assim é, como
prova o espaço habitado por Delfininha que se mantém com a verdura do
passado. Esquecendo o exagero, dir-se-ia: há séculos...
Desde o tempo de menina, a Delfininha nunca deixou de ser
menina e nunca perdeu o nome de Delfininha. Podia ser Delfina, Lucinda, Alda,
Maria, Conceição, mas só o nome de Delfininha lhe assentava bem.
Quando Delfininha era jovem, e a graça e a beleza, assim
como a riqueza pareciam eternas, Delfininha era um modelo de educação e
delicadeza. Claro que lhe era conhecida a tendência para aquecer corações
que a outrem tinham prometido amor eterno, mas, se tal acontecia, a culpa não
era de Delfininha, mas da inata capacidade de sedução, assim como do tamanho
alargado do seu coração - dádivas que só em Deus tinham origem.
Hoje, quando, num recolhido silêncio, Delfinnha estava a
um cantinho da padaria à espera da sua vez para comprar o pão, ainda se via um
restinho de sedução no olhar e no sorriso. Mas, naquele momento, o que Delfininha queria
mesmo era comprar a broa para o almoço, porque sardinhas assadas sem broa era
como rever o passado e não encontrar qualquer quente brasa do amor.
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