sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Rever "Julieta"


   Revi o filme "Julieta" de Almodóvar. 
No ecrã, reencontrei rostos recorrentes em filmes deste realizador, como é o caso de Rossy de Palma, que, neste caso, faz o papel de uma empregada doméstica numa casa junto ao mar, onde vive uma mulher, ainda jovem, doente, em coma, cujo marido trabalha na pesca.
Este homem, Xoan, vai conhecer Julieta no comboio, numa viagem noturna, e apaixonam-se, vindo a viver juntos e a ter uma filha, após a morte da primeira mulher.
Nessa viagem em que se conheceram, segue também um homem mais velho, desesperando de solidão. Dirige a palavra a Julieta, mas esta inquieta-se e muda de lugar. Numa das paragens seguintes, o homem sai do comboio e suicida-se.
Anos mais tarde, Xoan, quando a filha é adolescente, depois de uma discussão com Julieta por ciúmes que esta demonstra, vai para o mar e morre, porque o barco naufraga devido a uma grande tempestade.
Entretanto, a filha, muito ligada ao pai, depois de um retiro, afasta-se da mãe e, propositadamente, não permite que ela saiba onde se encontra.
Já no outono da vida, Julieta começa a procurar a filha, numa busca ansiosa e contínua.
Ora, neste filme, existem temas recorrentes de Almodóvar: a doença (como o coma), os conflitos entre pais e filhos, a homossexualidade, a busca do passado, a solidão, a culpabilidade...
Julieta sente culpa pelo suicídio do velho homem que queria comunicar com alguém e de quem ela, assustada, se afastou; pela morte do companheiro após uma discussão; pelo desaparecimento da filha com quem poderia ter dialogado mais...
Comove-me a canção final, em tom plangente, na voz de Chavela Vargas: "Si no te vas".
É necessário viver intensamente, sentir muito, conhecer muito para realizar filmes que são espelhos em que, por uma questão ou por outra,  muitos de nós se reveem.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

"A luta entre o Carnaval e a Quaresma"

Pieter Bruegel (1525/1569)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

"Quando penso que uma palavra"


Enviado por:
http://contadoresdestorias.wordpress.com

Leonard Cohen - Dance Me to the End of Love

Ne me quitte pas, Jacques Brel

'Cet amour'

Clã | Problema de Expressão

O fogo e a água na expressão do amor!

O tempo ainda era de cartas de amor. Em papel. Às vezes com tinta de tinteiro. Azul, de preferência. Ele escrevia-lhe cartas de amor e ela queria responder, mas não sabia a fórmula certa desejada. As coisas faladas eram mais fáceis. Bastava sorrir, abraçar, beijar. Às escondidas porque essas coisas tinham de ser sem ninguém ver.
E as cartas que recebia eram bonitas e intensas. Gostava de as ouvir ler em voz alta. Ouvir porque a primeira leitura era difícil e quase nunca era dela.
Ele escrevia com letra muito miudinha e havia palavras que não se percebiam bem. Ela, apesar do seu amor,  tinha preguiça de decifrar tudo, mas queria saber tudo o que as cartas diziam.
Ora, tinha uma amiga que era dada a leituras e a escritas. Era ela que lhas lia. Depois de as ouvir, então relia-as vezes sem conta sozinha, porque sabia as linhas onde estavam as frases que a tinham emocionado mais e confirmado a sua paixão por ele.
E era também a amiga que escrevia as respostas.
- É isso mesmo que eu quero dizer, mas não digas nada a ninguém.
- Nem tu vais dizer que não és tu que escreves.
E sorriam. E voltavam a ler. E emendavam algumas coisas.
- Não ponhas essa palavra. Ele ainda me pergunta o que significa e eu não sei.
E voltavam a rir.
Depois de tudo concluído, metiam a carta num envelope que era fechado com um bocadinho de saliva.
- E se pusesse bâton e desse um beijinho na carta? Ele devia gostar. Pensava que era nele.
- É melhor uma gotinha de água e ele julga que estás a chorar de saudades.
- É isso mesmo.
- Vou buscar.
- Oh, deitei de mais e ficou tudo borratado.
- O poeta é que não viu esta, senão é que diria que as "cartas de amor são ridículas".


terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Ensinamento

Kay Sage

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor. Essa palavra de luxo.

Adélia Prado 

A enfermeira que vinha de Londres

É sempre assim. Quando viajo de avião e sinto turbulência, começo a falar com a pessoa do lado. O tempo passa mais depressa e oiço com menos ansiedade: "Como estamos a atravessar uma zona de turbulência, pedimos aos senhores passageiros que apertem os cintos...". 
Foi o que aconteceu recentemente num regresso de Londres.
Eu vinha a ler uma revista e, ao meu lado, uma jovem dormia a bom dormir.
Que pena não me acontecer o mesmo, pensei eu.
Como o voo era da TAP, serviram "uma pequena refeição", como costumam anunciar. A minha vizinha de lugar acordou quando passou o carrinho com os alimentos. Devia ser a fome a dar horas. E, logo a seguir, outro período de turbulência. Antes que ela voltasse a dormir, eu ataquei:
- Isto está a tremer bastante, não acha?
- Nem tinha reparado, disse ela.
E, ingerindo a sandezinha de alface e fiambre, o sumo Compal, o chocolate Regina e o cafezinho, fomos falando. 
Era enfermeira, trabalhava em Londres, gostava muito do que fazia, vinha a Portugal sempre que podia, não aguentava estar muito tempo sem ver a família e os amigos e o sol... Não, não pensava voltar. De maneira nenhuma. Não teria as mesmas oportunidades de trabalho.
- Pois, também por isso a minha filha emigrou. Sempre que posso e é necessário, passo uns dias em Londres para a ajudar.
A mãe também a visitava às vezes. Enquanto trabalhava, sem nada lhe pedir, a mãe arrumava a casa e fazia compras e cozinhava e lavava roupa, disse a sorrir.
Eu também sorri.
- Quase todas as mães são assim.
Um dia, quis que a mãe fosse apenas para passear e conhecer Londres. Tirou férias e foi a cicerone. A mãe adorou e ela também.
E continuámos a falar destas coisas simples mas luminosas da vida.
Veio a descida, a aterragem e a despedida.
- Muito prazer. Muitas felicidades.
- Gostei muito de a conhecer. Também para a sua filha.
Pode ser que nos encontremos de novo num avião.
Ah! Não lhe perguntei o nome. Era a enfermeira que vinha de Londres.

Sinais londrinos de primavera


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A enfermeira de olhos azuis

Eu estava como visitante de um hospital e encontrava-me junto do doente. Era necessária a presença da enfermeira. Toquei e apareceu uma senhora de bata, mas não era a enfermeira que prestava seviço ao doente daquela cama.
Não, tinha ido a outra enfermaria. Não demorava.
Esperei algum tempo e como receasse esquecimento, dirigi-me à sala da enfermagem. Procurei-a com os olhos, mas não a vi. Como não sabia o nome dela, indiquei a cama e acrescentei que era uma enfermeira de olhos azuis.
Duas enfermeiras que se encontravam na sala entreolharam-se e, com cara de poucos amigos, disseram que lhe diriam logo que chegasse.
Senti-me um pouco invasora de um espaço que não me era destinada e pouco hábil  por ter usado palavras informais.
Passados uns minutos, chegou a enfermeira por quem esperávamos. Pedi-lhe desculpa por ter indicado a cor dos olhos para a identificar, mas não sabia o nome.
- Enfermeira Vitória, disse com alguma secura.
Apresentei a razão de a ter chamado, dizendo:
- Senhora Enfermeira Vitória...
Em segundos, aprendi então que, sem se conhecer a pessoa, é melhor não falar da cor dos olhos, nem que seja delicadamente.
Por isso, sobre a cor dos olhos da enfermeira Vitória, aqui se acaba a pequena história.

Nota- É claro que a enfermeira não se chamava Vitória, mas os olhos eram azuis.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

As flores do supermercado

Como habitualmente, a avó foi buscar a neta à escolinha. Como habitualmente, a Clarinha não queria vir no carrinho.
- Não, não e não, quero ir a pé, ia dizendo  na pequenez grande dos dois aninhos.
A avó já não sabia o que fazer. Tirou da carteira uma garrafinha de sumo. Orgânico como habitualmente. Nem assim.
- Quero ir a pé, não quero ir no carrinho. Não é divertido, acrescentou.
A avó sorriu pela palavra dita, mas logo se seguiram mil expressões para convencer a neta.
- Passamos pelo supermercado. Queres?
- Não, não é divertido.
E a avó foi dizendo que não estava a achar piada nenhuma e que não a podia levar pela mão e, ao mesmo tempo, empurrar o carrinho.
E disse com desejo de convencimento:
- Vamos comprar flores para a mamã no supermercado.
Aceitou. Finalmente. Também já era tempo. E o carrinho começou a rolar.
- Vamos olhar, Clarinha se vem algum carro. E o sinal está vermelho, vês? Temos de esperar.
Chegaram ao supermercado.
- Olha que flores bonitas, Clarinha, para dares à mamã.
- E também ao papá, corrigiu a Clarinha, apontando para um raminho de tulipas,  cujas cores começou a indicar.
A avó sorriu um pouco comovida.
E era capaz de jurar que a Clarinha se ia habituando a achar divertidos momentos simples como aqueles.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Numa escolinha em Londres

Há um menino que é filho de uma vietnamita e de um alemão, outro menino que nasceu em Espanha e que vive agora em Londres, uma menina de pai português e mãe inglesa...
E os meninos são acompanhados por educadoras europeias, africanas, asiáticas...
A uni-los está a língua inglesa. Que conta as histórias, que canta as canções, que ensina as letras e os números, que transmite regras...
Uma grande parte dos infantários de Londres terão igualmente meninos das mais variadas proveniências e os profissionais que lá trabalham também nasceram longe. Um dia resolveram emigrar para terem uma vida melhor.
Tal como muitos pais das crianças. E as diferenças, se elas existem, passam a não ser diferenças aos olhos dos meninos, ou de quem lá trabalha, ou de quem lá entra.
Talvez o mundo futuro seja assim e oxalá que assim seja para boa memória futura.
Alguns pais e muitos avós destes meninos não tiveram acesso à escolaridade tão longa como seria necessário. Talvez estas crianças tenham, por direito, esse direito, nem sempre facilmente conquistado pelos progenitores.
Ah, e a unir todos eles está também a maravilha da comunicação.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

As raposas

Nos arredores de Londres, há noites de frio cortante e de gritos de raposas que ainda mais cortam a noite. Parecem gatos angustiados em luta pelo cio ou pela fome. 
Vêm à procura de comida e às vezes é fácil encontrá-la se os sacos do lixo não estão dentro do contentor. É só rasgá-los que as unhas estão sempre nesse modo. 
Se há janelas iluminadas, a luz pode ajudar. Ou então a lua ou as estrelas se as nuvens consentirem.
Apesar de já as ter ouvido com frequência, nunca vi nenhuma. Dizem que fogem se veem pessoas. Preferem a fuga e os esconderijos, muitas vezes nos parques que raramente perdem a cor verde. Os arbustos servem de apoio e disfarçam a presença.
De madrugada, voltarão aos esconderijos.
Ao contrário de outras raposas que circulam à luz do dia, como se a luz do sol brilhasse sobre si.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A segunda- feira

Tocou à campainha e logo a porta alta se abriu. Sorriram e disseram bom-dia. Ambas eram estrangeiras, mas a que chegava falava menos a língua do país para onde tinha imigrado havia cinco anos.
Com a família, falava a sua própria língua; em casa das senhoras, estava habitualmente sozinha a fazer os trabalhos domésticos, quase nem precisando de falar. Nos trabalhos da casa, não havia grandes diferenças. Também já sabia que se a porta do fogão estava aberta, era preciso lavar o forno; se a torradeira estava na banca, precisava de ser limpa por dentro. O resto fazia como habitualmente se faz.
 Ía para uma casa onde lhe ofereciam café. Habituara-se a não aceitar. Para mais, o café mexia-lhe com os nervos e queria andar calma para poder trabalhar e mandar dinheiro para a família.
E como trabalhava quase sempre só, levava um pequeno rádio para ouvir a música do seu país. Só podia fazê-lo à segunda-feira porque, nos outros dias, ia para casas em que os donos entravam e saíam quase sem nada dizerem e tinha receio de incomodar.
A segunda-feira era, assim, o dia que demorava menos a passar. Ouvir rádio tornava tudo mais leve e alegre.
De regresso a casa, caminhava junto ao Tamisa e sentia a falta de o seu país, a Moldávia, não ter sido bafejado pelo mar.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Responsabilidade? Eis uma questão.

Um dia destes, ou melhor, uma noite destas, ouvi a atriz Ana Bola dizer, num programa de televisão,  que na idade em que está, 65 anos, apetecia-lhe não ter responsabilidades. E acrescentou que tem mãe e um filho que adora, que sabe precisarem dela e a quem quer ajudar, mas que também ela existe, tal como existiu muito trabalho já realizado.
Ora, dizendo isto, era como se reproduzisse o sentir de muitas pessoas dessa idade, sobretudo mulheres.
Tenho uma amiga que refere muitas vezes que faz parte da geração sanduíche, porque está aberta aos pais, aos filhos e aos netos.
E nem sempre é fácil ter a sábia paciência nem aplicar o necessário ajuste a tão diferentes situações. Quando surge a questão: e eu?, logo aparecem garras de culpabilidade. Estarei a ser egoísta? Dizer 'eu' não poderá ser entendido como desejo de afastamento daqueles que têm toda a importância para mim?
São dilemas que se juntam a outros de uma pessoa que se sente viva.
Sim, também acho que às vezes apetecia não ter responsabilidades, mas talvez fosse como representar uma peça num palco cheio de buracos.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Os talentos dos outros

Hoje de manhã, enquanto tomava o pequeno almoço, vi uma pequena entrevista com os D.A.M.A., na SIC radical. Num registo muito jovem e descontraído, falaram da "Bolsa de Talentos", aberta a todos, independentemente da idade e do género, para apoiarem pessoas que se querem afirmar na arte. 
Reconhecendo que o grupo singrou graças a apoios que não faltaram, os três sabem que grande parte das pessoas não é bafejada pela mesma sorte, apesar de haver muitos e grandes talentos desconhecidos do grande público. E, com grande entusiasmo, os três rapazes diziam poder fazer aquilo de que gostavam, e querer ajudar a que outros também o façam.
O café com leite e a torrada, habitualmente, sabem-me bem logo pela manhã, mas, perante o programa a que assistia, ainda me souberam melhor.
Os D.A.M.A. de alegre e humana alma. Ah, utilizavam, no meio de bué, fixe... a palavra Verdade. E também ela me pareceu verdadeira.


D.A.M.A - Oquelávai (Lyric Video)

domingo, 28 de janeiro de 2018

Uma a uma, chegaram sete

Vieram de sete sítios diferentes. Cada uma com uma história para contar. Cada uma delas contá-la-ia à sua maneira. Nuns casos, demoraria mais tempo; noutros, seria mais rápida.
A umas apeteceria contar tudo o que as tinha trazido ali; a outras, as poucas forças tinham tirado a vontade de falar do que vinham sentindo.
Ah, as idades também eram diferentes. A cor e o comprimento dos cabelos logo o dizia. E a lisura ou as rugas dos rostos também o mostravam. E a rapidez do olhar também contava.
Quando uma chegava, as outras recebiam-na com um sorriso no rosto que estava a descoberto.  Para dizerem que ajudariam no que pudessem. E umas estavam mais disponíveis do que outras. E umas estavam mais aptas a ajudar. Uma delas até fazia movimentos com as pernas que não queria sentir enferrujadas. Outras não poderiam prestar qualquer auxílio e seria até arriscado fazê-lo.
Havia horas certas para tudo e também muito calor, apesar de estarmos em finais de janeiro.
Em vários momentos da tarde, chegavam umas poucas pessoas e abeiravam-se de umas, ficando outras sem companhia. Olhavam e sorriam para quem elas sorria.
Ah, e havia uma janela larga que deixava entrar o sol naquela enfermaria do hospital.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Cores e dimensões naturais

Em todos os sentidos
Da cor das pedras
Círculo (s)
Magnólia à espera de sol
Leques de cores

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A noite dos três relógios!

Amadeo Souza-Cardoso

A velha casa tem três relógios. Todos adiantados mas a dar horas em minutos diferentes. Um soa as badaladas quando faltam uns quinze minutos para a hora certa; outro, uns vinte e tal minutos e outro ainda, exatamente, meia hora mais cinco minutos.
Este último é o que conta para as horas das refeições que são sempre a horas certas, ou melhor, certas pelo relógio adiantado meia hora mais cinco minutos. Os cinco minutos são para qualquer distração, para alguém que bate à porta, para atender o telefone, para responder à chamada da vizinha, para fechar uma janela se o vento sopra ou a chuva não para de cair... Os trinta minutos são um dos hábitos intocáveis da casa.
Se é estranho durante o dia ouvir badaladas de três relógios, muito mais estranhas são as noites  dormidas na casa. Isto é, mal dormidas.
E, como se os sons da noite estivessem incompletos, há o estalar de uma velha parede, o ruído da água a querer passar num cano ferrugento, o ronronar do gato, os ais doridos e não contidos...
Estranha é a noite. Para mais, quando não se sabe as horas ao certo.
Talvez fixar os toques dos diferentes relógios ajude a adormecer. 
Ou tenha ficado alguma janela aberta para poder olhar a paisagem noturna. E como se ouvem muitas badaladas dispersas na noite, ninguém acorda.
Ou continue sem adormecer. Como as badaladas dos três relógios.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Eugénio de Andrade faria hoje 95 anos

Cedro solitário (1907), de Tivadar Kosztka

 

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

"O tempo, esse grande escultor"!


Flores em dia de sol


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Fernando Pessoa sobre a mesa

Ela entrou no consultório. Há muito que lá não ia. Os seus dados pessoais nem sequer estavam introduzidos no computador.
Enquanto o médico fazia o registo, ela olhou a sala e fixou-se num livro de poemas de Fernando Pessoa sobre a mesa.  E, passados minutos, anda a ler Fernando Pessoa? Gosta? Eu gosto muito.
Não, no seu tempo não se dava Fernando Pessoa. Eram Os Maias, e do resto do programa já mal se lembrava.
Fernando Pessoa, oh, tinha-o descoberto há semanas. Tudo começou ao abrir  aquele livro que tinha em casa há muitos anos. Foi um acaso. 
- O que faz?
- Fui professora de Francês e Português.
- Então, compreende. Veja este poema. Eu sinto isto. Eu já escrevi isto, sem nunca ter lido isto. Como é possível? Leio estes poemas e parece que estão a falar de mim. É a minha vida que está aqui. Sou eu que aqui estou.
- É bom quando assim é.
- Não, causa dor e sofrimento.
- Pessoa também fala da dor de pensar.
- Isto tira-me o sono, porque queria escrever. Tenho tantas ideias na cabeça. Mas não tenho tempo nem técnica, apesar de o gosto pela escrita não ser apenas de agora.
- Há muitos médicos escritores.
- Eu não sou escritor, mas precisava de escrever mais. Foi ao ler isto que descobri que preciso de  escrever a sério. Mas não tenho tempo.
- Alguns escritores isolam-se para escreverem.
- Não sabia, mas eu não posso. Há tantas coisas que senti e agora me vêm ao pensamento.
- Talvez o sentir e o pensar também de Pessoa. Ou o seu fingimento poético.
- Não sei nada disso. No meu tempo de escola, não se falava disso. E sei pouco de Literatura. Veja só este poema. Desculpe o tempo que lhe estou a tomar. Já lhe dei a receita? Sim, em duas semanas, volta ao normal.
- Veja só mais este.  Ah, se eu pudesse escrever tudo o que eu queria. E sabe que tenho medo de ler estes poemas? Parece que roubei as ideias e nem sequer tinha ouvido falar disto.
- Desculpe, sr doutor, ter aberto a porta. Como era a última consulta, pensei que já tivesse ido embora.
- Precisava mesmo de escrever à minha vontade. E sabe que já idealizei o lugar?

domingo, 14 de janeiro de 2018

O sábio

Era uma vez um sábio, mas só ele era sábio, porque os que estavam à sua volta nada sabiam, como pensava o sábio, e de quem se ria e voltava a rir.
Quando os outros - que para o sábio não eram sábios - falavam, o sábio afinava a garganta, interrompia e muitas vezes punha a mão no braço dos não sábios para que esperassem, ou melhor, para que o ouvissem porque só o sábio sabia o que dizer sobre os mais variados assuntos.
E assim viveu o sábio durante alguns anos e os não sábios também. Quando estes viam o sábio, sabiamente faziam de conta que o não viam, porque o sábio demoraria muito tempo a dizer o que os não sábios já sabiam e também tinham mais que fazer.
O sábio partiu então para terras mais sábias onde haveria outras sabedorias que não encontrava nem perto nem longe; nem na cidade nem na aldeia, e muito menos numa vila que era um misto neutro de um espaço e de outro.
Os anos passaram, passaram e o sábio teve oportunidade de conhecer um sábio, apenas um, e esse era mesmo sábio e não pensava que só ele era sábio e não punha a mão no braço do interlocutor para lhe mostrar que era sábio e que, por isso, o melhor era não falar porque não era sábio e não era bem assim como dizia. E nunca se ria com ironia para mostrar tudo o que sabia e que os outros ignoravam.
E o primeiro sábio passou a admirar muito o sábio que conhecera. E, desta vez, ouvia e ouvia e, quando podia e o sábio não estava presente, tentava imitá-lo, mas não conseguia.
Porém, não foi o sábio que chegou a esta conclusão. Foram os que para ele não eram sábios.
Os anos passavam e passavam. O sábio continuou a achar-se sábio, sobretudo com aqueles que ele considerava não sábios e a quem queria sempre mostrar, prolongadamente, a sua sabedoria.
E os não sábios cansaram-se de tanta lição sobre assuntos e em momentos que não vinham nada a calhar.
Como a idade não perdoa, o sábio começou a cansar-se mais e a precisar dos não sábios que, perante tão demorada e previsível preleção, sem tempo de antena para contraditório, continuavam a viver a sua vida.
Era a solução mais sábia que encontravam. 
E o sábio foi procurando palcos avulsos para exibir a sua sabedoria. Um dia, ouviu alguém dizer a  palavra solidão. Sentou-se num banco frio de jardim e começou a chorar.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Nem todas as estrelas são iguais!


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Aproximação


Era uma vez um cogumelo...


... que apareceu debaixo de um pinheiro e outras árvores.
Todos os anos, no tempo das chuvas, aparecia, com outros companheiros de diferentes dimensões, e, sem se aperceberem, davam mais cor à terra, onde iam morrendo restinhos secos do outono.
Um dia, ouviu-se o clic de um telemóvel e ouviu-se também uma recomendação:
- Atenção, são belos mas podem ser perigosos.
Veio uma chuvada e o silêncio colorido também.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

The Moody Blues - Nights In White Satin

Ao ouvir falar da morte de Ray Thomas, um dos músicos de Moody Blues,
lembrei-me desta música - não apenas de época, mas de muitas épocas.
E é belo o cenário - Paris - para qualquer partida ou chegada.

Ano Novo Flor Nova!

Há anos que, dentro de casa, não via um vaso de orquídeas 
a produzir novas flores. Vi-o agora e gostei do que vi.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

A janela e a máquina da roupa

Aurélia de Sousa - 1916
Aceitou que lhe penteassem o cabelo. Dirigiu-se à casa de banho. Arrastando os pés, puxou a cadeira de maneira a ver a paisagem pela janela pequena. Procurou o pente dentro da máquina da roupa.
Não, o pente não estava ali - ouviu, mas continuou a procurar. 
Logo de seguida, inclinou-se para a janela, embaciada pelo pó e pela humidade. Olhou e voltou a olhar. Tentou alisá-la com a mão. 
A acompanhante observou também a paisagem. O tempo e as enxurradas tinham tapado as pedras que as crianças antigamente subiam e desciam a correr sem tempo nem idade para pensar na corrosão do tempo. E ambas olharam os campos. Tudo estava agora  mais vazio e mais gasto.
Ambas olhavam, mas a uma bastava descortinar pelos bocadinhos do vidro ainda transparente; à outra, tudo o que era visto através dos pequenos vidros parecia confuso.
Sentou-se. A acompanhante já tinha pegado no pente de cima de uma mesa pequenina, onde estavam outros pentes com alguns cabelos crespos e grisalhos presos aos dentes, ainda não partidos.
Poucas vezes tinha cortado o cabelo na vida. E diziam que tinha um cabelo bonito. Foi rareando e enfraquecendo.
A acompanhante fez-lhe uma trança, agora fininha, enrolou-a e prendeu-a com pequenos ganchos. E disse: agora está mais bonita.
Ela sorriu e foi até à cozinha. Apoiou-se na banca da cozinha e voltou a olhar para fora que, neste caso, era para o quinteiro interior da velha casa, e disse: é preciso regar os vasos. Não quero que sequem. As minhas irmãs também não gostavam.
E pareceu-lhe ouvir que não era preciso regar nada porque tinha chovido bastante. Fingiu acreditar mas, logo que pudesse, iria regar as begónias.
Talvez o melhor sítio para se manterem verdinhas, como as irmãs gostavam, fosse a máquina de lavar a roupa. 
E não deixaria que fechassem a janela para entrar sempre o sol.

sábado, 6 de janeiro de 2018

Esta ideia não é nova

Andei a arrumar a minha roupa do guarda-fatos, a separar a de verão e a de inverno, se bem que agora não há muitas diferenças no que se veste, bastando um casaco que se põe ou que se tira, conforme o frio ou o calor.
Pois bem, cheguei à conclusão que tenho roupa suficiente para bastante tempo e que, por isso, não vou perder tempo nem dinheiro em coisas de que não preciso.
Não sei se conseguirei, apesar de não ter paciência para os saldos que atulham muitas lojas. A horas mortas ainda aguento, com muita gente e a roupa em desalinho, fico cheia de calor e o que me apetece é sair daquele espaço o mais depressa possível e apanhar ar fresco.
As compras pela net são uma boa solução para evitar sufocos e o calor apertado dos provadores. mas se a peça não serve, é preciso ir trocar e lá se vai o tempo que parecia ganho.
Não, não preciso de comprar nada. Posso até dar algumas coisas que poderão ser mais úteis a outras pessoas do que a mim. Gosto e preciso cada vez mais deste despojamento e arrumação.
Mas não sou generosa ao ponto de dar peças de roupa de que gosto e que conservo há muitos anos.
Ai, é verdade, preciso de um casaco. E o pior é que na mesma secção não há apenas casacos!
Vou-me "focar", como agora se diz, e escolher apenas o casaco.
Mas este propósito também não é novo!


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Que o Ano seja NOVO

 O comentário do último post
convocava as Manhãs
de Sophia, belas palavras
para um Ano NOVO.


Menina sentada - Maria Keil

Manhã futura 
 
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Fogo de artifício

Sentou-se no sofá. Sempre veria bocadinhos de espetáculos em muitas cidades e o fogo de artifício nos países que iam entrando no Ano Novo. 
E a vontade alegre de celebrar 2018.
E a alegria louca de alguns. E a alegria contida de outros tantos. 
E os palcos cheios de frenéticas luzes dançantes e coloridas.
E crianças a dizerem que estava a ser fixe, deixando adivinhar que estavam a pensar em jogos mais fixes.
E a segurança mais apertada porque o momento era de diversão, mas de um momento para o outro poderia rebentar a confusão.
E fãs dos Xutos que diziam, olhando o firmamento calmo da noite, que o Zé Pedro devia estar aos saltinhos e tinham vindo porque os Xutos são sempre os Xutos.
E as imagens todas juntas e os sons quase em simultâneo a mostrar o mundo. Não fossem as legendas e os países e as ilhas e as cidades pareciam uma praça grande a celebrar o Ano Novo. E com os mesmos sorrisos. E com os mesmos desejos. E com os mesmos votos. E com os mesmos gestos. E com os mesmos sonhos. E com a vontade crente de que o ano que aí vem vai ser melhor do que o que já ficou para trás no calendário.
Continuou no sofá.
Estava a apreciar o vigor esbelto de muitos apresentadores e apresentadoras. E das roupas que não se engelhavam nem saiam do sítio certo. E dos penteados que se mantinham intactos. E dos sorrisos que nunca esmoreciam. E dos movimentos sempre vibrantes.
E de tanta exterioridade.
Acabou por adormecer.
Acordou ao som do estrondoso fogo de artifício que parecia surgir de toda a parte.
Olhou o telemóvel. Marcava OO.OO.
2018 tinha chegado. Uau! É verdade, as passas. Estavam em cima da mesa numa caixinha. Oh!  Custava a abrir. Quase as engoliu e quase se esqueceu dos desejos. Queria atender também o telefone que tocava. E ligar também para desejar Bom Ano. Não podia falhar. Não queria falhar.
Conseguiu. 
O fogo de artifício de proximidade ia abrandando.
Voltou a adormecer, sem desligar a televisão com imagens que via de forma intermitente.
De manhã, quando acordou, leu uma mensagem não lida: 
"Tenho um feeling que este ano vai ser bom. Feliz Ano Novo."
Ao lado, uma bela imagem abria um incessante fogo de artifício.



domingo, 31 de dezembro de 2017

Bom Ano Novo "sem angústia e sem pressa"!

Recomeça…

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga

sábado, 30 de dezembro de 2017

"Cortar o tempo"

 
Lucio Fontana, 1965

 

«Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente»

 

Carlos Drummond de Andrade 

 

Andrea Bocelli Gloria in Excelsis Deo

Gostava de ter assistido!

Brexit, MEO culpa!

Quando me desloco a Londres, utilizo por vezes o telefone para contactar com a família, sobretudo com quem não usa outros meios de comunicação.
Ora, quando falo do Reino Unido para Portugal ou de Portugal para o Reino Unido, logo a MEO me envia mensagem dizendo que o roaming será cobrado, o que, segundo a atual legislação, é ilegal.
Pus o problema, via telefone, à MEO e a pessoa que me atendeu disse com toda a convicção que o Reino Unido já não obedece às mesmas regras europeias devido ao Brexit. Disse-lhe que tal só acontecerá em 2019. Respondeu-me, com a mesma convicção, que achava que não mas que ia pedir informação a quem de direito. Durante alguns minutos, vieram vários "obrigado por estar a aguardar" e "obrigado por ter aguardado" e a resposta foi: o Reino Unido já não faz parte da Europa. 
Vi que estava a perder tempo e o melhor era deslocar-me a um posto da MEO e pôr pessoalmente o problema.
Mas como se passaram alguns dias e não tive oportunidade de me deslocar ao Porto, voltei a ligar. A mesma resposta. Porém, este funcionário deu seguimento à questão e, passadas umas horas, chegou-me a mensagem que tinha sido reembolsada de umas dezenas de euros.
É caso para dizer que um erro qualquer um comete, mas meter tanto dinheiro ao bolso com um erro é que já é de desconfiar.

Está quase!

Já passou a semana de Natal, para muitos de grande frenesim. A que se vive agora também não é muito tranquila, mas sempre dá para respirar um pouco melhor.
Já se esperou em muitas filas. Já se deram e receberam prendas. Já se arrumaram muitos saquinhos, que foram guardados noutros sacos, uns para reciclar, outros para reutilizar quando for necessário. 
Tenho uma caixa onde ponho os laços e fitas e é como se contassem também pequenas histórias de amor e amizade partilhadas no Natal.
Hoje guardei uns laços que têm de ser reutilizados em presentes especiais, porque são especialmente delicados e acetinados. Por enquanto, ficam guardados na caixa onde se juntam a outros laços e fitas.
Gosto desta fase de quase tudo a voltar ao normal. Dou as boas-vindas à rotina e aos dias mais organizados e não amontoados a pedido da quadra.
E todos nos lembramos de  coisas que aconteceram à volta das prendas. Como o caso das que são trocadas, indo parar a outro destinatário. Ou quando falta uma que, por esquecimento, não foi comprada ou ficou em casa. Ou quando se chega à conclusão embaraçosa que a criança cresceu e que aquele presente já pouco lhe diz.
Ou, como uma vez aconteceu ao meu avô, receber o mesmo tipo de prenda, neste caso, meias. Parecia combinado sem ninguém ter combinado nada. Antes de desembrulhar o novo presente, logo ele dizia com um brilhozinho matreiro nos olhos pequeninos:
- Oxalá sejam de cor diferente!
Mas, sim, declaradamente sim, gosto deste voltar à realidade, sem tanta correria para que os doces fiquem mais doces, os afetos mais assinalados e os presentes se imponham como obrigação.
Está quase! Já se pode descansar um bocadinho mais! Uf!


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Com tradições de Natal!

Há dias, enquanto conduzia, ouvi uma rubrica na rádio sobre o frenesim das compras do Natal, o que rouba muito tempo ao descanso e ao direito a momentos necessários de preguiça.
Foi apresentado também o argumento de que muita coisa se faz nesta quadra para compensar muito do que não é feito durante o ano.
Gostei de ter ouvido aquilo e ajudou-me a viver com mais tranquilidade possíveis esquecimentos, possíveis falhas pela parte que me toca. Ah, e também a reduzir o stresse e a pensar que, muitas vezes, se faz o que se pode e não tudo como se desejaria, e o melhor será estar com as pessoas e dar-lhes atenção.
Porém, como muita gente comum como eu, faço uma lista e vou dando baixa dos nomes das pessoas para as quais já tenho o presente. Em família, optamos pelo "Amigo secreto" entre os adultos, o que facilita bastante.
Ainda assim, há bastantes presentes. Gosto de usar presentinhos feitos por mim: compotas, saquinhos de bombons, bonequinhas de fuxicos, mas nem sempre isto vem a calhar!
E dou comigo a pensar se não seria melhor distribuir estes presentes durante o ano para comemorar momentos e não apenas datas de calendário. Mas a tradição, neste aspeto, continua a ser o que era, malgré tout!
E ainda me faltam umas coisitas! E para mais o telemóvel caiu e o vidro ficou todo estalado! E os piscas do carro podem de repente voltar a falhar! E ainda não visitei familiares que sei que estão à espera! E, se calhar, vai chover e estar frio no Natal! E tenho de comprar o pão para as rabanadas e hoje já deve haver fila! E as pessoas que não têm prendas de Natal. E as pessoas que não têm ninguém no Natal. E ainda não levei umas coisas à família que vive perto e que sei que bem precisa.
De facto, sou um ser comum como muitos seres comuns, mas, acreditem, tentarei que o meu Natal seja tranquilo e não anule momentos de descanso e de preguiça, o que me ajudará a compreender melhor também a necessidade de tranquilidade dos outros. E sobretudo pensar que há muitos dias para além do Natal.
Tenham um Feliz e Tranquilo Natal!

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O Pai Natal que não queria arruinar o Pai Natal

Chegou o dia da festinha no Infantário. O pai de uma menina tinha sido convidado para fazer de Pai Natal. O Infantário arranjou a roupa de Pai Natal, o saco de Pai Natal e prendinhas para o Pai Natal dar aos meninos, sem as quais o Pai Natal não seria Pai Natal.
Mas o pai da menina, neste caso o Pai Natal, tinha uma grande preocupação: se a filha o reconhecesse, lá se ia a magia do Pai Natal. Ho Ho Ho, ia dizendo para vencer a preocupação.
 Para muitos meninos, seria um bom momento, para a menina a quem mais queria poderia ser uma ruína de muitos sonhos que queria ajudar a construir.
Ai se ela descobre, pensava. Se calhar, começa a chorar. Ou pede para tirar as barbas. Ou fica tão espantada que nem ela percebe a reação. Ho Ho Ho! Valha-me Santa Claus!
À hora prevista, lá entrou o Pai Natal na sala onde os meninos e pais o esperavam.
E todos o saudaram. E aplaudiram. E aproximaram-se dele. E sorriam. E perguntavam o que trazia no saco.
E a filha olhava, olhava. Parecia o papá. Não, ele não usava os óculos na pontinha do nariz. Não, ele costuma falar e contar histórias. E cantar. E o Pai Natal quase só dizia Ho Ho Ho!
E nunca se afastou muito do Pai Natal, porque a voz era parecida com a do papá. Mas o papá era o papá, não era o Pai Natal.

Quando chegaram a casa, a menina, entusiasmada, contou ao pai que o Pai Natal tinha ido à escolinha. E a mãe confirmou. E ambas mostraram a prendinha do Pai Natal, enquanto a menina repetia Ho Ho Ho!

E a palavra ruína ficou escondidinha no saco que foi posto dentro de uma mala e em cima do guarda-fatos para uma menina de dois anos não poder chegar. Ho Ho Ho!

domingo, 17 de dezembro de 2017

Talvez a Clarinha goste!

Tenho vários presépios. Uns comprados, outros oferecidos.
Dias antes do Natal, ponho alguns lado a lado, por cima da lareira. É assim há bastantes anos.
Impossível não avivar memórias. O presépio que veio de África e que foi feito, pela primeira vez, por um artesão.
O presépio mexicano, cheio de cores, que foi oferecido por uma amiga de há muitos anos.
Os presépios pequeninos com tantas habilidades e materiais concentrados.
E fixo-me no presépio, pequeno e simples, que comprei na Provença, os santons de Provence, numa viagem a essa região, num verão especial, há dezena e meia de verões.
Todos os anos, no inverno, tiro-os das caixas e volto a arrumá-las com os papéis protetores das figurinhas que quero conservar.
Alguns dos presépios mantêm-se nalguns lugares, fora das caixas, durante o ano. De vez em quando, mudo-os. Algumas memórias é que não se alteram. Vão-se juntando outras, felizmente. Tal como alguns objetos que se vão encontrando. Como as pequenas árvores de cartão que encontrei num montinho de coisas à espera de arrumação, numa tarde em que o tempo e o sossego me ajudaram a chegar aos pormenores.
Coloquei-as atrás dos santons e  logo pensei: talvez a Clarinha goste! Se as memórias que ela construir, também dos presépios, forem boas, tanto melhor.  E as caixinhas lá ficarão, ganhando ainda mais sentido.