domingo, 1 de outubro de 2017

Festa, eleições e como agarrar melhor os boletins

Ainda não eram nove horas da manhã quando saí de casa para ir votar.
Como são também as festas do concelho, haveria muito mais gente e o estacionamento muito mais reduzido. Era um bom motivo para ir a pé. Menos de trinta minutos para ir e outros tantos para regressar. 
Pelo caminho, olhei para os campos com os diferentes tons de verde das hortaliças e da erva, reparei nas banquinhas já prontas com as tigelas e garrafas de vinho doce. Faltava o essencial: os clientes e a sopa de nabos.
Mais à frente, as barracas cheias de doces (de amor, da Teixeira, etc), de nozes, de castanhas, de nabos, de vinho doce, de farturas... E também de brinquedos a darem corda até à infância em que tudo era diferente, mas nem sempre melhor.
E os carrosséis e diversões para todas as idades e ousadias também já se faziam ouvir.
Cheguei à assembleia de voto, depois de consultar o quadro com os números e respetivas mesas. Fui para a mesa 2 e a fila estava bastante comprida. 
Enquanto esperava, ia olhando à minha volta. Na mesa ao lado, o presidente pedia um pouco mais de silêncio e dizia que não era o sítio para se conversar tão alto. Um munícipe pedia um novo boletim porque, sem querer, o tinha rasgado. Dizia-o perante o ar incrédulo do responsável pela urna. Outro munícipe à minha frente comentava que tal não aconteceria se fosse uma nota de cinco euros.
Chegou a minha vez. O presidente da mesa recomendou-me para, depois de votar, dobrar os três boletins separadamente, enquanto lambia a ponta do dedo para os agarrar melhor antes de mos entregar.
Dirigi-me ao espaço para o efeito e pus a cruzinha, com a caneta presa por um fio do norte, na quadrícula desejada no desejo de ver a autarquia a evoluir cada vez mais.
Ao dirigir-me à porta de saída, vi que as filas tinham aumentado, o que é um bom sinal de democracia, vontade de participar e crença na importância do gesto de cada um.
Talvez por ser cedo, a grande maioria dos votantes eram pessoas de uma certa idade. Os mais novos ainda estariam a dormir.
Ou a correr, ou a praticar desporto, ou com amigos, etc.
Oxalá não deixem de ir.
E oxalá alguém tenha, por exemplo, um dedal de plástico para os presidentes das mesas não terem de lamber o dedo para agarrar melhor os boletins e entregá-los aos munícipes.
Estes pequenos gestos também podem melhorar a festa dos concelhos.

A cada um o seu quintal ou "quero lá saber disso"

Numa das últimas manhãs, em momentos e espaços diferentes, reencontrei uns amigos de longa data. Como é natural nessas ocasiões, a família veio à baila e algumas ocupações do tempo livre também. Um deles ia para o ginásio vários dias por semana. Tinha necessidade de exercício físico. A filha insistia diariamente para que a ajudasse a tratar do quintal. Para além do exercício físico, teriam mais produtos frescos.
Olhou para mim como se o pedido da filha fosse uma coisa do outro mundo e rematou:
- É que eu nunca gostei de hortas nem de flores. Quero lá saber disso.
Para mim, o que era uma coisa do outro mundo era o que acabava de ouvir.
Um pouco mais tarde, cruzei-me com outra pessoa amiga. De novo, a família e alguns afazeres de tempos livres.
E exprimia-se com todo o fascínio amoroso pelo tratamento do quintal, sempre que podia. Também se dedicava ao cultivo de roseiras. Estudava-as com a minúcia de cientista para que as flores fossem perfeitas.
Sorria com o prazer simples do encantamento.
E acrescentou:
- Passo lá muito do meu tempo, mesmo fins de semana. A vizinhança deve pensar que endoideci. Mas quero lá saber disso.
Chego a casa. Vejo que tenho de regar o meu quintal porque não posso perder as hortaliças que utilizo diariamente. Nem os frutos, ainda que poucos. Nem as flores, ainda que menos que no verão. Vou ficar com os pés sujos. 
Mas digo para mim:
- Quero lá saber disso.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

"Com licença poética"

Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado, poeta, contista e professora brasileira, nascida em 1935

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Conduzir, ou não, no século XXI

Dizem os jornais que, na Arábia Saudita, a lei permitirá que as mulheres conduzam. Mas só no próximo ano, porque é necessário tempo de preparação para que tal aconteça, porque, até agora, só aos homens a lei concedia esse direito.
E estamos em pleno século XXI.
E eles vão ter de olhar para elas e elas para eles. E ainda bem, porque os olhos, tal como o algodão, não costumam enganar. A menos que se faça como cá que, quando não dá jeito, nem se olha só para não dar passagem ou para passar à frente! 
E o número de pessoas que vão dizer "Vê-se logo que é uma mulher a conduzir" vai ser incomparavelmente maior. As primeiras vão ter a vida mais dificultada, mas não se devem importar muito, porque serão das mais corajosas.
Não sei é se lá também chamarão nomes, escolhendo o tratamento por tu: "Anda mais devagar, ó palerma". "Vai mas é pra casa". "Tiraste a carta por correspondência" e outros mimos, enquanto se abre a janela para chatear já que se está chateado.
Mas, felizmente, as mulheres, por cá, conduzem carros, motas, autocarros, elétricos... Não sei se o metro, mas em Paris ou Londres já vai sendo comum.
Porém, cá em Portugal e já no século XXI, um casal estava com amigos e ela disse que gostava de conduzir, que trazia a carta de condução sempre consigo, mas que não o fazia porque o marido não deixava. Ele, pondo-lhe o braço sobre os ombros, disse que a condução não era para mulheres. Ela encerrou o assunto com um sorriso seráfico e um encostar de cabeça no ombro dele.
E eram pessoas que viajavam, embora, creio, nunca tivessem ido à Arábia Saudita.
Mas lá como cá, muitas coisas mudam e, muitas vezes, para melhor.
Não sei se, no caso do tal casal, ele já precisou que fosse ela a conduzir. Nesse dia, ele não hesitaria em dizer-lhe: Despacha-te, parece que não tens carta de condução!

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Antes e depois


Como a formiga!


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Também o tempo estava outonal

 
São sempre bonitas e variadas estas festas ao ar livre em Serralves.
Por isso, as pessoas de diferentes gerações aderem em massa.
Ontem, pelo meio da tarde, veio uma chuva constante e miúda. Em pouco mais de uma hora, Serralves ficou quase deserto. 
No prado, mantiveram-se umas tendas com crianças que, abrigadas e acompanhadas de monitores, continuavam a aprender a reciclar, a pintar...
Não muito longe, uns fornos continuavam acesos e fumegantes, preparados para o pão para as bifanas, que era suposto servir até às 19 h.
Tal como na história de olhar o copo meio cheio ou meio vazio, felizmente cheguei pelas quatro horas e ainda deu tempo para ouvir um pouco de história infantil, musicada e muito bem contada (1ª e 2ª fotos); olhar o prado bem animado, com muitas barraquinhas, onde havia castanhas assadas e café, ver as hortinhas e as abóboras colhidas e alinhadas; ouvir os animais que vivem na quinta; ver muitas crianças deliciadas a brincar com a palha cortada (ai como a Clarinha também gostaria!); olhar as árvores tingidas de tons avermelhados e amarelos, passar pelos grandes cogumelos, espalhados pela quinta, feitos com materiais reciclados, assistir a uma instalação com uma jovem que se movimentava e exprimia utilizando uma pequenina casa de madeira colocada sob as árvores...
E chegou a chuva - que é mesmo muito necessária, mas que, no momento, não vinha a calhar. Não era muita mas molhava mesmo!
Pois, não se pode ter tudo!

domingo, 24 de setembro de 2017

Os dois irmãos

Pont de Moret, 1893, Alfred Sysley
Não havia muita diferença de idades entre os dois irmãos. Ambos tinham emigrado, há muitos muitos anos, mas para países diferentes. O trabalho, nesse tempo e em Portugal, não ia de feição e a liberdade vivia estrangulada.
Casaram. Tiveram filhos. Tiveram netos. Mantiveram, porém, o aperto, embora diferente. Era a língua. Era a lonjura. Era a solidão. Era a precariedade do trabalho. Era a saúde que já tinha falhado várias vezes. 
Foi sobretudo a pós-reforma. Para onde iriam se regressassem a Portugal? Tinham-se mantido ambos nos países de acolhimento, como se o tempo fosse eterno e a vida se mantivesse intacta.
Os dias continuavam e os obstáculos não lhes  matavam os sonhos.
Um deles, o mais novo, fazia exercício físico que o tirava de casa todos os dias.
E dizia com um sorriso sonoro e prolongado, a pedir elogio e reconhecimento: Estou a trabalhar para a maratona.
O mais velho persistia ligado ao seu amor pela vida, mas entristecia pelos ciúmes da mulher. Que lhe roubavam carinhos e sorrisos.
E desabafava como quando namoravam: eu amo-a tanto!
E isto passava-se em dois países europeus diferentes. Separados por montanhas, cidades e muitas realidades, umas diversas, outras semelhantes.
Separados sempre tinham estado os dois irmãos.
Aproximava-os a idade: um ia fazer oitenta e oito anos, o outro tinha festejado mais um.

sábado, 23 de setembro de 2017

Castanhas. É outono!


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Vou seguir o conselho

"Já ouviu falar em virtuosismo na música? Se não sabe o que é, ouça este disco sem palavras, só sons. Fica-se reconciliado com a vida. Algumas faixas vai reconhecê-las sem dificuldade, embora vestidas com outras roupagens – El Dia Que Me Quieras, Adiós Noñino – outras vão surpreendê-lo tanto que não vai cansar-se de as ouvir."

Nicolau Santos, Expresso Curto de hoje, 22 set.

"Spain" - Também na ordem do dia!

Michel Camilo & Tomatito Spain Again

Dióspiros ao sol


Ligação à terra


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

"Identidade" - Muitas fases da lua

Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.


Miguel Torga, in Penas do Purgatório

Sol ou lua?

Van Gogh, 1888

"Au clair de la lune" - Para a criança que há em casa ou em nós!

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Outono e Lua Nova

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Manhã



Monet - 1872



segunda-feira, 18 de setembro de 2017