domingo, 24 de setembro de 2017

Os dois irmãos

Pont de Moret, 1893, Alfred Sysley
Não havia muita diferença de idades entre os dois irmãos. Ambos tinham emigrado, há muitos muitos anos, mas para países diferentes. O trabalho, nesse tempo e em Portugal, não ia de feição e a liberdade vivia estrangulada.
Casaram. Tiveram filhos. Tiveram netos. Mantiveram, porém, o aperto, embora diferente. Era a língua. Era a lonjura. Era a solidão. Era a precariedade do trabalho. Era a saúde que já tinha falhado várias vezes. 
Foi sobretudo a pós-reforma. Para onde iriam se regressassem a Portugal? Tinham-se mantido ambos nos países de acolhimento, como se o tempo fosse eterno e a vida se mantivesse intacta.
Os dias continuavam e os obstáculos não lhes  matavam os sonhos.
Um deles, o mais novo, fazia exercício físico que o tirava de casa todos os dias.
E dizia com um sorriso sonoro e prolongado, a pedir elogio e reconhecimento: Estou a trabalhar para a maratona.
O mais velho persistia ligado ao seu amor pela vida, mas entristecia pelos ciúmes da mulher. Que lhe roubavam carinhos e sorrisos.
E desabafava como quando namoravam: eu amo-a tanto!
E isto passava-se em dois países europeus diferentes. Separados por montanhas, cidades e muitas realidades, umas diversas, outras semelhantes.
Separados sempre tinham estado os dois irmãos.
Aproximava-os a idade: um ia fazer oitenta e oito anos, o outro tinha festejado mais um.

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