domingo, 10 de setembro de 2017

Também as palavras da professora

Vou começar por Era uma vez... mas foi (quase) tudo real.
Era uma vez duas meninas que andavam numa escola do primeiro ciclo, a que então se chamava escola primária.
As meninas da fila da frente eram as que iam continuar a estudar, atrás ficavam todas as outras. Outras e não outros porque as salas de aula não eram mistas.
Ora, as meninas da fila da frente requeriam mais atenção da professora e muitas delas já estavam habituadas a ter em casa e em qualquer sítio outras atenções, quase desconhecidas das meninas das filas de trás e quanto mais atrás fossem colocadas, mais habituação havia às desatenções.
As professoras seguiam as cartilhas pelas quais também se tinham formado, porque o tempo era de condenação de qualquer atitude crítica ou mudança.
Porém, uma professora que pegou na turma do 4º ano, ou 4ª classe como se dizia, começou a reparar numa menina das filas de trás, que gostava de estudar, que era boa aluna e que deveria continuar os estudos. E começou a dizer-lho e a repetir que tinha de o fazer.
A menina ficava entusiasmada e corria no regresso a casa para dizer à mãe o que a professora achava, mas a mãe tinha muito que fazer, muitas preocupações e quase nem a ouvia. E isto repetiu-se várias vezes até que a menina, com dez anos, concluída a escolaridade obrigatória que eram os quatro anos da escola primária, ficou em casa como a grande parte das meninas das redondezas.
Mas o gosto por saber mais e as palavras da professora não se esbatiam e, mais tarde, a menina foi estudar e concluiu um curso universitário com boas notas. Pelo caminho, teve de enfrentar obstáculos que as meninas da fila da frente não tinham tido porque a corrida começara a ser preparada muito mais cedo.
Um dia, passados muitos muitos anos, uma menina das filas de trás encontrou uma das meninas da fila da frente. E conversaram longamente, como nunca o tinham feito na escola primária.
E a menina, que estava sempre na fila da frente, contou que tinha deixado de estudar, por vontade própria, logo nos primeiros anos do liceu.

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