segunda-feira, 7 de julho de 2014

Buganvílias e não só



 Ontem, uma amiga perguntou-me se eu já tinha lido "Montevideu", de João Ricardo Pedro, conto incluído na coletânea Contos Capitais (parsifal). Li-o depois. A narrativa termina com esta frase: "A palavra buganvília enche-me a boca".
Lembrei-me, então, de uma pequena e despretensiosa história que escrevi há tempos e que agora partilho de novo.
É que "a palavra buganvília enche-me” ... os olhos!


A ameixoeira que não gostava de estar só

Era uma vez uma ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A vizinhança era muito variada: duas macieiras, abóboras, um limoeiro, margaridas, camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, limonete, hipericão, salsa…
A ameixoeira dava ameixas muito vermelhinhas e aveludadas. Sumarentas e perfumadas. Os donos da casa, tanto as crianças como os adultos, gostavam de as colher e saborear mesmo junto à árvore que era a casa onde as ameixas moravam. Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era assim que gostavam de viver. Não gostavam era de cair ao chão porque podiam ser pisadas.
Um dia, as folhas da ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui, outra ali, mas, em pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço. Bastava uma pequena brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as desprendia da árvore e atirava-as por terra.
Ora, junto da ameixoeira, vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No centro de cada flor, raiavam estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas luzes acesas.
Assim, enquanto a ameixoeira secava, a buganvília crescia exuberante.
Os ramos da buganvília pareciam braços a estender-se generosamente em diferentes direcções e foram agarrar-se à velha ameixoeira que parecia desfalecer de tão sequinha e fraquinha, apoiando-a.
Às vezes, estas plantas até são um bocadinho intrometidas porque espreitam às janelas, saltam os muros, entram pelas portas…
São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos lugares, mas que precisam que alguém lhes oriente o rumo.
Uma manhã, a dona da casa foi ao quintal, como acontecia várias vezes ao dia. A senhora olhava sempre com muita atenção, porque, para ela, cada flor, arbusto ou árvore tinham uma história como qualquer pessoa. Foi então que notou algo de estranho, porque já se tinha convencido que a ameixoeira nunca mais teria folhas verdinhas ou frutos madurinhos.
     Mas… o que via ela? Uns rebentos bem mimosos e verdinhos.
Afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar se não eram as folhas da trepadeira que tinham invadido a ameixoeira, mesmo sem querer. Porém, as folhinhas renascidas eram mesmo dela. Pelo aspecto, por certo a árvore até daria fruto no próximo ano e o tronco estava macio e forte.
A dona da casa logo chamou a família para ver a ameixoeira renascida, com a ajuda da buganvília.
E o neto, um menino de cabelo forte aos caracóis, veio a correr, olhou para a avó e disse muito contente:
- Ó vovó, se calhar a ameixoeira não gostava de estar sozinha! A buganvília foi amiga mesmo.
A avó sorriu-lhe, concordando com ele. Já imaginava a compota vermelhinha de ameixas que faria no ano seguinte para a família e amigos.
De uma coisa não se podia esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao lado da compota reluzente e saborosa.

domingo, 6 de julho de 2014

E a tarde foi de sol!



Bastou a manhã de domingo com chuva. O tempo, tal como as pessoas, varia de humor. Umas vezes leva à introspeção; outras, à dispersão. Também necessária para que todos os dias tragam sabores diferentes.
Não sei se choverá no próximo domingo. O mais importante é que haja próximo domingo!

Domingo de chuva


Van Gogh

O assado no forno. Na televisão, sem som, belas fotografias a preto e branco com infantis sorrisos luminosos. Na antena 2, música que dizem ser eterna. A mesa posta. Com fruta fresca. Da que não passaria nas grandes superfícies de tão pequena e irregular. Na panela, também pequena, fervem legumes. A água, borbulhando, derrama-se no fogão. Lá fora, também a chuva se vai espalhando. Nem parece julho, disse a vendedora do jornal. Assim, não se gasta tanta água para regar, acrescentou. As notícias estão ainda no saco de plástico que cumprirá a função de suporte para o lixo. Bem mais do que publicidade para que foi pago. Um frasco de compota de ameixa vermelha espera, na mesa, por um rótulo azul. De tão fugaz nem precisaria, mas as palavras e as cores ajudam no sabor desejado. E vem a lembrança dos afazeres de amanhã. Das contas a pagar no multibanco. Da carta que está à espera nos CTT e que foi aberta vá-se lá saber porquê e por quem. E o cheiro do assado a embalsamar a cozinha com odores também do passado. Vêm lembranças, saudades e perplexidades perante a vida e também a morte. Um livro de contos e outro de poemas sobre a mesa. E também um filme de Pasolini – de rostos e gestos genuínos, instintivos e sempre surpreendentes.
Confesso: gosto de chuva. E por que não ao domingo?



sábado, 5 de julho de 2014

Cores naturais