domingo, 6 de julho de 2014

Domingo de chuva


Van Gogh

O assado no forno. Na televisão, sem som, belas fotografias a preto e branco com infantis sorrisos luminosos. Na antena 2, música que dizem ser eterna. A mesa posta. Com fruta fresca. Da que não passaria nas grandes superfícies de tão pequena e irregular. Na panela, também pequena, fervem legumes. A água, borbulhando, derrama-se no fogão. Lá fora, também a chuva se vai espalhando. Nem parece julho, disse a vendedora do jornal. Assim, não se gasta tanta água para regar, acrescentou. As notícias estão ainda no saco de plástico que cumprirá a função de suporte para o lixo. Bem mais do que publicidade para que foi pago. Um frasco de compota de ameixa vermelha espera, na mesa, por um rótulo azul. De tão fugaz nem precisaria, mas as palavras e as cores ajudam no sabor desejado. E vem a lembrança dos afazeres de amanhã. Das contas a pagar no multibanco. Da carta que está à espera nos CTT e que foi aberta vá-se lá saber porquê e por quem. E o cheiro do assado a embalsamar a cozinha com odores também do passado. Vêm lembranças, saudades e perplexidades perante a vida e também a morte. Um livro de contos e outro de poemas sobre a mesa. E também um filme de Pasolini – de rostos e gestos genuínos, instintivos e sempre surpreendentes.
Confesso: gosto de chuva. E por que não ao domingo?



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