sexta-feira, 19 de julho de 2013

La boîte en carton



 
Quand je suis née, maman m’a déposé dans une boîte en carton, une de ces boîtes où les gens gardent leurs chaussures. Cette boîte était mon berceau, ma chambre, ma maison, les murs qui amortissaient les sanglots de ma mère…
Quelques semaines après, maman a dépensé toutes ses économies : elle a acheté un billet pour un voyage en bateau. Un bateau qui nous emmènerait dans un pays où les petites filles ne dorment pas dans des boîtes et où les mamans ne pleurent pas.
Nous sommes parties à l’aube… Deux jours après, le bateau a été pris dans une tempête. Et puis il a coulé. Désespérée, maman a nagé jusqu’à la côte, tirant derrière elle mon petit radeau en carton dont les murs laissaient passer les cris de ceux qui ne savaient pas nager.
Nous sommes finalement arrivées sur une plage déserte. Ma mère et moi. Seules. La marée a emporté ma boîte en carton vers le large et rien n’arrêtait les pleurs de ma mère. On avait l’espoir de retrouver quelqu’un, un survivant de notre malheureuse traversée…
Nous avons dormi à la belle étoile jusqu’au jour où nous avons trouvé une énorme caisse en carton. Cette caisse est devenue notre lit, notre chambre, notre maison et les murs qui abritaient nos pleurs.
Maman et moi, nous avons appris à manger des racines : n’importe où, le goût de la terre est toujours le même… Je ne sais pas pourquoi mais cela nous réconfortait.
Toutes les nuits, nous voilà sur des lieux de décharge à la recherche d’une pomme de terre ou d’une tomate.
Un jour, ma mère a reconnu une femme qui avait voyagé dans le même bateau que nous. Elles se sont embrassées, elles ont pleuré, elles se sont interrogées sur nos camarades de voyage… Et elles ont tristement secoué leurs têtes…
Cette nuit-là, notre nouvelle amie, Aihala, a installé sa caisse en carton près de la nôtre. Alors, en plus d’abriter nos pleurs, ces caisses faisaient écho à nos rires. Bien que cela puisse paraître impossible, nous savions encore sourire…
Plusieurs lunes se sont levées et couchées. D’autres amies sont venues nous rejoindre, avec leurs caisses en carton. Et, ensemble, nous nous sentions plus en sécurité, et même, heureuses. Parce que, comme disait ma mère, « Les larmes coulent moins lorsqu’on partage les peines. »
Un village en carton est donc né autour de notre caisse en carton. Une caisse pauvre mais gaie. Nous riions entre nous et nous souriions aux inconnus qui, à leur tour, parfois, nous souriaient. Mais tous n’étaient pas aussi aimables avec nous : des fois, on s’amusait à nous lancer du feu…
Puis, une nuit, que rien n’effacera de ma mémoire, le feu s’est propagé dans notre village en carton et toutes les caisses ont brûlé. Et rien n’a réussi à faire taire nos cris de douleur.
Je n’ai plus jamais revu ma mère. Ni Aihala. On m’a emmenée dans un orphelinat et, après, on voulait que je retourne dans mon pays. Mais, là-bas, personne ne me connaissait et, ici, personne ne semblait connaître mon pays… Finalement, j’ai été adoptée et, après quelque temps, j’ai recommencé à sourire. Malgré tous ces malheurs…
À présent, je suis heureuse avec ma nouvelle maman. Je l’aime et elle m’aime. Elle m’aime comme je suis.
Je vis dans une maison. J’ai ma chambre, une armoire. Dans cette armoire, il y a une boîte en carton, une de ces boîtes où l’on garde les chaussures. Mais, dans ma boîte en carton, il n’y a pas de chaussures ; seulement des souvenirs. Parce que je ne veux pas oublier. Je ne veux pas oublier les pleurs de ma mère et,  encore moins, son sourire…
     

Txabi Arnal
Caja de cartón
Pontevedra, OQO, 2010
(Traduction et adaptation)




   

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Os pássaros voam, apesar do calor!


Os Pássaros de Londres
 
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz rasante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, in "Poemas de Londres"



                          Nota: Obrigada, IA, por teres lembrado este poema no teu postal de fim de semana.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Revisitando a casa antiga


Kandinsky


Fim de tarde. Uma casa antiga. Com estalidos nos longos tempos de silêncio. Um grupo de mulheres sentadas: uma borda, outra lê, outra cose uma saia, outra apenas diz que está cansada e que a comida está quase pronta.
Uma jovem chega com o namorado. Cumprimentam-se. Sorriem. Os dois começam a falar numa língua que não é o português. Aproximam-se da janela de guilhotina. Olham os campos. Falam de Itália, onde viram um grupo de mulheres a rezar numa capela pequena com cheiro a flores murchas.
Os jovens dão as mãos e começam a falar da viagem que retomarão dentro de horas.
As quatro mulheres não levantam os olhos e começam a rezar baixinho.

domingo, 14 de julho de 2013

Marcas de verão



terça-feira, 9 de julho de 2013

Um café perto da Foz


segunda-feira, 8 de julho de 2013

As amoras

Aurélia de Sousa

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Sophia de Mello Breyner

domingo, 7 de julho de 2013

O sol depois de um dia quente quente

Mindelo, ontem, sábado, 20.40

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Não sabias...


Júlio Resende

Não sabias
que eu estava a olhar …
Não sabias que eu estava a olhar, mas vi que puseste o meu primeiro desenho na porta do frigorífico, e tive vontade de fazer outro...
Não sabias que eu estava a olhar, mas vi-te dar de comer a um gatinho perdido, e então soube que se deve ser bom para os animais ….
Não sabias que eu estava a olhar, mas vi-te fazer o meu bolo preferido, e soube que as pequenas coisas fazem toda a diferença…
Não sabias que eu estava a olhar, mas ouvi-te rezar e soube que há um Deus com quem posso sempre falar….
Não sabias que eu estava a olhar, mas beijaste-me para me desejar boa noite e bons sonhos, e senti-me muito amado…
Não sabias que eu estava a olhar, mas vi lágrimas nos teus olhos e soube que, às vezes, também se sofre e que não há mal algum em chorar…
Não sabias que eu estava a olhar, mas vi que davas sempre o teu melhor e quis seguir os teus passos…
Não sabias que eu estava a olhar, mas sempre te segui com os olhos …e hoje quero agradecer-te …por tudo o que vi sem tu saberes…

Mary Rita Schilke Korzan
Jack Canfield et alii
Un 4e Bol de Bouillon de Poulet pour l´Âme
Montréal, Éditions Sciences et Culture, 2000
(Tradução e adaptação)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O saquinho-presente



Ela chega muitas vezes com um saquinho de papel e, dentro dele, um outro saquinho, desta vez de crochet, feito por si. 

Escolhe as suas cores preferidas, tem em conta o gosto da pessoa a quem o vai oferecer e os seus dedos vão tecendo o saquinho-presente. No final, escolhe uma fitinha a condizer, ata-lhe um laço e gosta do que vê. E da expressão que imagina ver no rosto dos amigos.

Recheia o saquinho com o perfume de um sabonete, de  um poema...

Oferece-o, com umas coloridas palavrinhas sorridentes, a quem fez uma intervenção cirúrgica, a quem faz anos, a quem muda de casa, em dia de refeição partilhada e festiva, como miminho de uma pequena atenção…

E assim as boas  memória se vão tecendo – como estes saquinhos onde cabem muitos sabores do presente.



Chamo-me Lina e trabalho na praça da alimentação



Picasso

Uma entrevista em off e em on

Chamo-me Lina, trabalho na praça da alimentação e na próxima semana faço 51 ano. Não se diz 51 ano? Você percebeu, não percebeu? Então, deixe-me falar à vontade, porque não posso perder tempo. Eu não sei falar muito bem.  Se eu tivesse estudado, falava melhor, mas depois da 4ª classe, a minha mãe pôs-me a trabalhar. Chorei que me fartei e por isso nunca quis que os meus filhos trabalhassem. Mas parece castigo porque eles nem trabalham nem estudam. E o meu não liga nenhuma. O meu quê? O meu homem, carago, quem havia de ser, então? Você julga que eu tenho amantes? Se eu tivesse não tinha de trabalhar tanto. E também lhe digo, já não estava aqui.

Tenho só o meu homem e chega e sobra. Ficou desempregado, anda pelos cantos a chorar e diz que se mata. Só me faltava esta. Os filhos passam-se com ele, começam todos a mandar vir e eu ainda tenho de os acalmar. Outro dia, eu já não podia mais, disse que não era nenhuma madre Teresa de Calcutá e comecei a gritar de raiva. Vieram as vizinhas do bairro e acabei por pôr uma na rua aos empurrões, porque ela queria era saber da minha vida para ir contar às outras. Grande estupor. Só vejo gente fingida. Estão a aprender com o governo.

Está bem, já percebi, você quer que eu fale do meu trabalho. Eu começo a falar e misturo muitas coisas ao mesmo tempo. Eu acho que é dos nervos, sei lá. Também quase que não posso conversar com ninguém.

Estou na praça da alimentação do Centro Comercial há oito meses e uma semana. Quando vim para cá, pesava mais sete quilos. Agora é o que se vê. Outro dia, um miúdo, quer dizer, um marmanjão, disse com a boca cheia de batatas fritas: "ó mãe, parece a tísica do meu livro de português". A mãe continuou a comer e eu até deixei cair o tabuleiro com três pratos sujos. Acha que alguém se levantou? Ninguém olhou para mim sequer. Todos olharam foi para a roupa deles a ver se eu os tinha sujado.

O meu serviço é recolher os tabuleiros sujos. Fico podre quando vejo o que as pessoas deixam ficar nos pacotes. Às vezes, apetecia-me levar algumas coisas para casa, mas o meu começava logo a chorar e os meus filhos deitavam tudo fora porque tinham nojo.

Também me chateia a gente estar a limpar a mesa e os clientes sem olhar e sem nunca dizer obrigada.  Eu agora faço a mesma coisa, ai não. Nem que veja o meu chefe a vigiar, nem um sorriso. Estou lá para manter as mesas limpas não é para um sorrisinho pepsodente. E olhe que ainda ninguém me mandou embora. Também quem quer fazer este trabalho? Vêm um dia e no outro já não aparecem.

Quer saber uma coisa? Ando cansada. E estou cada vez mais magra. Pareço tísica como disse o outro. Apetecia-me fazer como o meu e começar a chorar. Mas agora diga-me: acha que posso?