segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Também as flores procuram o sol



O rapazito da praia

Julião Sarmento

Conheço-o há muitos anos. Aliás quase toda a gente  que frequenta a praia de Mindelo, em Vila do Conde, também o conhece.

No verão, com as suas calças bambas, senta-se no muro que separa o passeio da praia e fica ali horas a olhar para quem passa, para quem chega ou parte, para quem se senta por perto a conversar...

Nunca o vi falar com ninguém porque também ninguém se lhe dirige. Muito magro, com um rosto pequenino, moreno e fechado, parece encerrado  no seu mundo. No entanto, todos os dias sai de casa para vir até à praia.

Pela fragilidade física, constante ensimesmamento e por estar sempre igual de verão para verão é sempre o rapazito da praia. Contudo,  já deve ter quase cinquenta anos, vestidos num corpo franzino de rapaz.

Assistiu a muitas modificações da praia sem nada dizer. E não passou um dia de verão sem vir até lá. 

Ele, como os demais seres humanos, sempre à procura da sua praia.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Riquezas doces de Ovar


Catálogo com a casa onde Júlio Dinis viveu pouco antes 
da sua morte, em 1871, aos 32 anos, de tuberculose

Jardim em frente à Casa de Júlio Dinis

Marcadores e boneca de artesã local, representando uma das personagens 
(Margarida) do romance As pupilas do Senhor Reitor
Folheto de uma exposição "Os Mares de Sophia", na Biblioteca de Ovar, do artista plástico Fernando Andrade, baseada na obra de Sophia de Mello Breyner, sobretudo na Menina do Mar
Uma das antigas confeitarias especializadas no pão de ló de Ovar (delicioso - só é pena engordar!)

E em Ovar, muito mais há para ver: o museu, as casas antigas revestidas de azulejos (tive pena de não poder fotografar algumas, mas a bateria terminou), a estação do comboio, o Largo da Câmara, as ruas com casas baixas e com memória...

E também um grupo de homens velhos a jogar dominó num café sossegado, uma menina a pedir à avó para regressar de camioneta ao Furadouro, uma mulher de avental muito limpo a correr para apanhar o circuito (camioneta), uma senhora de preto e já velha a descansar de uma vida a fazer doces regionais saboreados em diferentes partes do mundo, um homem nostálgico de bicicleta com o camuflado de guerra bem conservado, a funcionária da Biblioteca a mostrar, sem sucesso, o preçário das belas peças expostas (seres marítimos que vivem para sempre nos livros de Sophia)...



Cores/sabores de dia de verão no Furadouro





quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dá-me asas!



Júlio Rezende

Ontem fui para o jardim e desenhei um anjo.
— Obrigado — disse-me ele quando me preparava para lhe desenhar as asas. — Está muito bonito. Mas não me desenhes essas asas. Sabes, aquelas em que estás a pensar agora, com as grandes penas brancas.
— Porque não?
— Essas incomodam um pouco. Estão sempre a atrapalhar, a prenderem-se nos ramos, nos fios da electricidade, e, como sou um tanto distraído, bato com elas em todo o lado. Ah! E sujam-se imenso! Gostava de ter uma coisa nova. Pensa em algo de diferente. Dá-me asas...
Desenhei-lhe então asas de ondas de mar, depois, asas de erva e asas de vidro reluzente. Tentei também com uma fita de luz, com um raio de sol, com ramos em flor, com um turbilhão de neve e até com uma centelha de alegria. Experimentei asas de algodão, asas de vento e até mesmo asas de imaginação!
Desenhei-lhe asas de letras e asas de papel branco.
Observei-o atentamente e dei-lhe umas asas com sardas.
— Obrigado — disse o anjo quando acabou de experimentar todas as minhas asas. — Gostei muito de tudo o que me deste. Mas agora é a tua vez! 
Fechei os olhos. De repente, senti que tudo estava a ficar leve. Tive a impressão de perder o meu corpo e de ficar só com os meus contornos. 
— Desta vez vamos dar só um passeio pequenino — disse o anjo. — Para que em tua casa ninguém fique preocupado com a demora.
E voámos por três vezes em volta da velha nogueira do meu jardim.
Heinz Janisch
Schenk mir Flügel
St. Pölten, NP Buchverlag, 2003
(Tradução e adaptação)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ao sabor das "Oportunidades"

O programa das Novas Oportunidades, que muitas pessoas utilizaram para aumentar a sua escolaridade, foi aplaudido pelo anterior governo e muito criticado pelo atual.

Assim, antes de terminar o ano letivo anterior, foi anunciado o fim das Novas Oportunidades  numa grande parte das escolas.

A meu ver, as Novas Oportunidades tinham a vantagem de permitir aceder a um diploma, uma vez que muitas pessoas não tinham podido obtê-lo em idade "normal", partindo das diferentes experiências profissionais. 

Na escola onde trabalho, participei, com duas colegas de uma Oficina de Língua no apoio a muitos destes formandos. Em bastantes casos, era notório o esforço, assim como era o gosto por aprender ao longo da vida, nomeadamente língua portuguesa.  Reparei, contudo, em casos em que a preocupação maior era obter o diploma.

Uma das desvantagens era não haver tempo para a assimilação de conteúdos novos, não sendo muito visível, em bastantes casos, a diferença entre o antes e o depois da obtenção do diploma.

Pois bem, o governo atual parece ter recuado na decisão e o programa das Novas Oportunidades vai continuar por mais uns tempos.

Possa, pelo menos, ajudar aqueles que gostariam de ter estudado quando eram mais novos e não puderam fazê-lo porque tiveram de começar a trabalhar ou por dificuldades económicas.

E que sejam para eles, de facto, novas oportunidades, porque andarmos ao sabor das oportunidades de alguns políticos já estamos demasiado habituados.


"O desporto não é só futebol!"

Hoje de manhã, ouvi um dos medalhados portugueses (medalha de prata em canoagem) a expressar a sua alegria por ver o seu trabalho recompensado e reconhecido.

Foi a única medalha que Portugal conquistou, para além de alguns diplomas. Há quem considere que a prestação de Portugal nos Jogos Olímpicos foi sofrível, por comparação com outras países de igual dimensão  que obtiveram algumas medalhas.

No entanto, será bom realçar que há modalidades desportivas, nas quais se incluem o remo e a canoagem, que exigem um enorme esforço diário  e, pelo que que julgo saber, os atletas não recebem nada ou recebem muito pouco.

São incomparáveis os salários de uma grande parte dos futebolistas e as condições em que trabalham. Alguns ganham salários obscenos nos dias que correm.

Contudo, as atenções voltam-se sobretudo para o futebol. As transmissões televisivas duram horas e horas, enquanto outras modalidades são quase esquecidas ao longo do ano.

Era altura de os meios de comunicação privilegiarem outras áreas. Podia ser que estimulassem outras práticas desportivas e ajudassem a reduzir tanta corrupção do futebol.

As audiências baixariam por uns tempos, mas o país jogava para ganhar.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

70%? Irra!

A confiar nas notícias de hoje, 70% dos estudantes universitários portugueses pensam emigrar, após conclusão dos seus cursos. A causa principal é a falta de trabalho.

Há uns anos, eu assistia ao cortejo universitário anual e ia pensando como era possível haver trabalho para tantas pessoas.  Eu encontrava-me nos Clérigos, no Porto, e o desfile dos estudantes demorou horas. Eram milhares os jovens das diferentes faculdades, tanto públicas como privadas, que engrossavam as ruas do Porto até chegarem à Praça do Município.

Perante aquela multidão de estudantes ou recém-licenciados, muita gente se deve ter interrogado, tal como eu,  se aqueles jovens teriam saídas profissionais num futuro próximo.

O desemprego e as dificuldades em arranjar o primeiro emprego não são problemas apenas de Portugal, mas o facto de os índices de escolaridade terem sido muito baixos até ao 25 de abril de 74 trouxe consequências que vão demorar a desaparecer.

A escolaridade obrigatória e acessível a todos foi um dos grandes bens da democracia.

Ouso até dizer que a falta do primeiro emprego para os jovens é ainda uma consequência de tantas décadas em que a educação foi menosprezada.

Mindelo - em hora em que a praia é mais visível


Mindelo em manhã de nevoeiro


"Daqui o céu é muito alto"


A menina estava feliz. Tinha os pais por perto, amigos, dois cães que gostavam de correr e de brincar na praia ao fim da tarde...

Depois de um passeio divertido, com o mar mesmo ali mesmo ao pé, a menina, de quatro anos, já cansada, olhou para o céu e disse: daqui o céu é muito alto.

Os adultos riram e o céu parecia mais perto.

Além das dunas, o mar também estava azul



"Também quero ver o mar!"


A menina saiu do carro a correr. No parque de estacionamento, havia ainda pouca gente. 

Às nove horas da manhã, numa praia do Norte, ainda é cedo, ouvem-se melhor as gaivotas e as vozes de quem vai chegando.

À frente, seguiam, também a correr, umas crianças maiores em direção às escadas que levavam à praia. 

Ouviam-se os passos e o mar ficava mais limpo e azul com a voz da menina a voar: também quero ver o mar...

À espera de peixe em Vila Chã (Vila do Conde)