- Temos uma vida bonita, disse ela, explicando:
Temos trabalho, não devemos nada a ninguém, passeamos aos fins de semana e todos os anos fazemos uma viagem de avião.
- Este ano é que as viagens estão mais complicadas.
- Pois estão, já tinha dado um bom sinal e estou a ver que fico sem o dinheiro e a ver navios, em vez da viagem que até nos fazia muito bem a ver se estávamos uns dias de acordo e sem andarmos zangados.
E continuou:
- Este ano, mudei as cortinas da sala e os azulejos da casa de banho. O que vale é que o meu marido sabe fazer essas coisas, sai mais barato e fica como deve ser.
- E a casa onde vivemos é importante.
- Se é, continuou. E está cada vez mais a meu gosto. Mas, mesmo assim, nem sempre somos felizes lá dentro. Estamos sempre a pegar-nos um com o outro. Eu gosto do amarelo, ele prefere o castanho; eu gosto das vidraças fechadas, ele quer tudo aberto; eu gosto de ver séries, ele é vidrado no futebol...
- É difícil encontrar gostos tirados a fotocópia. Tem de se negociar.
- Isso pra mim não dá. Mas, seja como for, temos uma vida bonita, porque temos trabalho, não devemos nada a ninguém, passeamos aos fins de semana e todos os anos fazemos uma viagem lá fora. Ou, melhor, fazíamos. Já nos chateámos por causa disso. Está-me sempre a dizer que eu não devia ter dado um sinal tão grande. Já lhe disse que na próxima vez é ele que trata disso. Respondeu-me logo que nem se sabe quando haverá a próxima. Só pra me irritar.
Mas, bem vistas as coisas, temos uma vida bonita.