quarta-feira, 6 de maio de 2020

Sem ele não posso viver

Às vezes, apercebo-me de pessoas que vivem em permanente ruído. O toque do telemóvel é constante e estridente. Ou por chamadas, ou por mensagens, ou por avisos...
Em casa, a televisão fala alto enquanto todos falam ao mesmo tempo sem se ouvirem, embora falem alto, e sem ouvirem a televisão que ainda fala mais alto e quase grita com a publicidade.
O cão de estimação reage ao ruído ladrando e aumentando o ruído.
Às vezes, penso como é difícil os alunos estudarem em ambiente barulhento e que os que o conseguem são verdadeiros heróis. 
E como é normal que só se ame o que se conhece, muitas vezes, a vida vai decorrendo neste frenesim sem pausas mais calmas.
E como seria bom se se parasse um bocadinho durante o dia sem gritar nem ouvir gritaria.
Nem que fosse por uns minutos apenas. A seguir, poderia haver vontade de baixar um pouco o som do telemóvel e talvez da televisão e muitos decibéis podiam ir sendo reduzidos.
E o significado da palavra silêncio podia ser explicado e entendido, não como tristeza ou proibição, mas  como necessidade para descansar, para pensar, para comunicar melhor,  para produzir mais sustentadamente...
E podíamos ser até mais felizes, dizendo convictamente: sem ele, não posso viver.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Em dia de celebração da Língua Portuguesa


'Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor,
como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do
deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.'
Vergílio Ferreira

Como noutra rua qualquer

Não sei quantas são, mas são bastantes as avós daquela rua. Durante o dia, varrem, arranjam as plantas da varanda, fazem a comida...
Mas não conversam com as vizinhas como conversavam. Não recebem os netos em casa como acontecia antes da pandemia. Não vão tomar o cafezinho à hora certa como dantes faziam. Não vão às compras como iam, sabendo sempre novidades sobre aquilo que viam e sobre as pessoas que encontravam. Não vão ao Centro de Saúde onde podiam contar coisas à médica, enquanto ela fazia o relatório...
Mas o que lhes custa mais é não estarem com os netos. Só os veem a acenar do carro e só de vez em quando.
Há pouco, uma dessas avós disse, da sua varanda para a vizinha que estava na outra varanda próxima, que chora todos os dias com saudades dos netos. 
Ela ouviu-a por uns segundos, mas logo  fechou a porta da varanda e quase sem se despedir.
A vizinha não estava com máscara e parecia que ia dar um espirro.
Ficou na varanda a olhar a rua à espera de ver passar alguém.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Diálogo em boa quarentena - ou talvez não.

Tinha prometido a mim própria  que o    
tempo livre seria para continuar a  ler  Berta Isla ,
um livro fantástico de  Javier Marías.
Porém ,  promessas, muitas vezes, não pagam escritas
quando se para, escuta, olha...



- Nunca pensei que a quarentena fosse tão boa pra mim.
- Como assim?
- Faço teletrabalho e assim estou longe da minha colega do lado.
- Não gosta dela?
- Como posso gostar? Ela é horrível.
- Não deve ser fácil trabalhar lado a lado com alguém de quem não se gosta.
- A quarentena veio mesmo a calhar. Já não a suportava mais.
- Então, boa quarentena.
- Por amor de Deus, deseje-me outra coisa. Estou farta de estar em casa.
- !!

domingo, 3 de maio de 2020

A casa de minha mãe


A casa de minha mãe tem muitas rosas, violetas e muitas mais flores a que me habituei, embora não  conheça todos os nomes.
Os vasos de hortelã e de manjericão cheiram a canja de festas de antigamente Ou à terra perfumada depois da chuva. Os goivos têm cores de domingo de Ramos.
A velha capoeira alberga galinhas a cacarejar e a querer escapar-se para se espolinharem na terra e petiscarem insetos e ervas. E muitas vezes de lá irrompe um vigoroso cantar de galo a acordar as manhãs.
As coisas velhas amontoam-se aqui e ali à espera de nova utilidade porque 'guarda o que não presta e terás o que te é preciso'.
E multiplicam-se as sacas com novelos de linhas e lãs, perto da velha máquina Singer que continua a coser bem, mas onde o bicho da madeira vai deixando picadas marcas.
Alguns versos fervorosos de minha mãe estão pendurados em paredes. Os pequenos e devotos jornais são guardados em cestos e gavetas porque as mensagens devem ser duradoiras de tão belas.
A aletria da casa de minha mãe é doce e única, em travessas ou pratinhos enfeitados com canela. Incomparável é também o guisado de carne com batatas de sabor apurado a cominhos. Os rolinhos de batata recheados de bacalhau não se comem em mais lado nenhum. E o arroz de polvo faz crescer água na boca pela lenta e refogada cozedura.
Os livros de Camilo, tão amados pelo meu pai, estão sempre presentes, ainda que lá já não estejam.
Na casa, está uma boa parte da vida dos meus pais, minha e dos meus irmãos. Não só pelas fotos mas pelo tempo que lá vivemos todos.
A casa de minha mãe tem flores cujo nome desconheço.
Mas basta-me dizer que são as flores da  casa da minha mãe.

sábado, 2 de maio de 2020

Um belo filme


Vi este filme no cinema, quando passou no Porto, e vou revê-lo agora em casa. A Medeia filmes quarentena cinéfila disponibiliza-o das 12 h de hoje às 12 h da próxima quinta-feira.
Alguns dos temas abordados são muito atuais e tratados com muita delicadeza e ternura. Para além da doçura, é claro.
Vejam, se puderem.

Poderá não ser o filme da nossa vida, mas poderá ser um bom filme na nossa vida.

Pode ler-se na apresenração deste filme de 2016:
'Sentaro gere uma pequena pastelaria de dorayakis – uma especialidade japonesa que consiste em duas panquecas recheadas com doce de feijão (“an”, no original). Quando Tokue, uma senhora com cerca de 70 anos, se oferece para trabalhar na pastelaria de Sentaro, ele aceita com relutância. No entanto, Tokue rapidamente prova que a sua receita de “an” é mágica. Graças à sua receita secreta, o negócio de Sentaro floresce rapidamente… Com o tempo, Sentaro e Tokue abrem os seus corações, e desenvolvem uma relação de amizade que vai revelando também algumas feridas do passado.'

Saquinhos de quarentena



sexta-feira, 1 de maio de 2020

Vi e gostei



'Pamela é uma jovem portuguesa da segunda geração, nascida em França. No emaranhado das suas contradições, dos seus insucessos e do amor absoluto pela sua família, sente-se perdida e parece estar incapacitada de imaginar como poderia viver a sua vida... Sobretudo porque só gosta de tocar piano e patinar no gelo. Vai, contudo, desbravar o seu próprio caminho entre França e Portugal.'


Gostei deste filme de 2017, dirigido por Laurence Ferreira Barbosa, e que a Medeia Filmes Quarentena Cinéfila, disponibiliza até às 12 h de amanhã, sábado.
É uma história com contornos muito reais vividos por diferentes gerações de emigrantes portugueses.
A protagonista, uma jovem nascida em França, fez-me lembrar os versos de Álvaro de Campos:

'Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.'

Mas talvez a jovem concretize alguns desses sonhos, pela determinação revelada em muitas situações.
Venham mais filmes como este.
Bons filmes!

No Primeiro de Maio

Foto do Expresso publicada em 2019



Éramos muito jovens e julgo que felizes.  O 25 de Abril de 1974 tinha acabado de acontecer.
No primeiro 1 de Maio em Liberdade, fomos festejá-lo na avenida dos Aliados, no Porto.
Nessa tarde e nessa praça, para mim a mais bonita da cidade, juntava-se uma multidão que, em poucos dias, tinha aprendido a sorrir mais porque se tinha libertado de muito medo. 
E havia canções revolucionárias que, até então, eram silenciadas e clandestinas; havia muitos cravos,  havia muitas bandeiras, muitas delas até esse dia escondidas; muitas manifestações de alegria, como se a multidão saísse de uma prisão coletiva na qual a maioria tinha vivido durante quase cinco décadas, sem quase nada se poder questionar.
Éramos muito jovens, tudo era novo e belo e festivo.
Hoje, o Porto  como tantas outras cidades, estará quase deserto,  por imposição da pandemia.
Hoje, 1 de maio de 2020, cada um pode mais facilmente gerir a sua liberdade, sem nunca se esquecer de si nem da saúde e bem-estar dos que o rodeiam.
Será um modo feliz de a festejarmos. Mesmo sem bandeiras. Mesmo sem flores frescas dentro de casa. Mas com sorrisos sinceros.
 Se se puderem vencer os entraves do momento.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Elida Almeida - Nhu Santiagu (live)



A sugestão vem hoje no Expresso Curto.
Como diz o jornalista, 'sabe bem ouvir'.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

'Mãe' - Matilde Rosa Araújo

Luzia Lage

Mãe!
Que verdade linda
O nascer encerra:
Eu nasci de ti,
Como a flor da terra

Matilde Rosa Araújo




Postei este pequeno poema há muito tempo.
Hoje, volto a partilhá-lo porque tem tido várias visualizações.
Que os dias tenham também Poesia!

Como o poema é muito fácil de decorar, disse-o hoje à minha mãe. 
Ouviu com atenção e sorriu de contentamento.


terça-feira, 28 de abril de 2020

O detergente e o sabão

Não, não vou falar da proposta patética do sr Trump de se resolver o problema do coronavírus com a injeção de desinfetante. Já se tem falado muito desse disparate que originou muitas piadas, mas o pior é que já houve quem pusesse em prática a sugestão, pondo em risco a sua vida.
Não, o meu assunto é menos bizarro e tem outra limpeza.
Em minha casa, sempre houve detergentes qb. Conheço pessoas que compram logo o novo detergente que aparece  no mercado ou é ruidosamente publicitado. Mas também conheço quem sempre tenha usado o antigo sabão, o velho Tide, o poeirento Vim e pouco mais, como a minha mãe.
Ora, numa das últimas vezes que fui ao supermercado - ainda sem filas à entrada e sem máscara - percorri o corredor dos detergentes e toca a comprar para a casa de banho, para a cozinha, para o chão, lixívia  com cheiro a isto ou àquilo, cápsulas para a máquina de lavar... O meu carrinho de compras era bem diferente do carrinho de compras habitual.
Pois bem, o que é certo é que a maior parte desses detergentes já se foi porque nunca fiz tanto uso dos ditos. Lavo aqui, desinfeto acolá, tiro e lavo tapetes, as toalhas nunca param depois de usadas...
E, pelos vistos, não é só comigo que tal acontece. Os produtores de detergentes devem esfregar os bolsos de contentes porque a crise geral não é a sua crise. 
Mas, apesar deste uso mais abundante de detergentes, cá em casa o sabão azul está sempre nas nossas mãos.
Mãe, tinha razão, mesmo quando a moda do sabão deixou de ser moda.
Um dia destes, vou comprar Tide, para recordar a minha avó focada no folhetim que passava na rádio todas as tardes. Nessa altura, havia sabão amarelo que deixava a mesma cor nas mãos. Se o sr Trump o descobrisse, recomendava-o para o banho. Assim, ficavam todos da sua cor.

sábado, 25 de abril de 2020

Liberdade

Hoje, 25 de Abril de 2020,  Liberdade também seria poder passear na rua. Se possível, ao sol e junto ao mar.
Ou numa praça qualquer, por pequenina que fosse, e poder sorrir e abraçar e tomar um café com o rosto próximo de amados rostos.
Liberdade seria percorrer as ruas e tocar nas coisas que podem ser acarinhadas. Sem medo dos vírus que podem vaguear nas superfícies e que os humanos podem transportar na pele, nas mãos, na boca, no nariz...
Liberdade seria passear de mãos dadas por cidades abertas a sorrir.
Liberdade seria não ter medo. Não o medo antigo da ditadura, mas o medo atual  que também traz proibições e forte vigilância, e que, desta vez, são justificadas e compreendidas.
Liberdade seria poder fazer parte, ou não, de ajuntamentos, conforme a vontade ou livre decisão de cada um. Não por provável conspiração, mas por improvável infeção.
Liberdade seria poder ter um diálogo próximo no intervalo do teatro e do cinema. Ou noutro qualquer sítio de arte. Ou em qualquer lugar com um banco e espaços floridos.

Mas, apesar de todas as necessárias limitações impostas pela pandemia, Liberdade é também o poder ilimitado e criativo de a celebrar. Nem que seja na varanda ou à janela ou dentro de casa.
E dentro de nós.




quinta-feira, 23 de abril de 2020

Sobre o último livro de Manuel Maria e sugestão de viagem

Publiquei o pequeno texto, que abaixo transcrevo, no dia 9 de março deste ano, a propósito da apresentação do último livro de Manuel Maria: Cinco Palavras de Antonio Vieira.
Apesar de termos trocado algumas mensagens, antes e depois da publicação do romance, ontem recebi um comentário do autor que logo publiquei. Como depois desse texto já postei bastantes, volto a publicá-lo agora para a sua visibilidade e do comentário.
Faço-o não pelo facto de ser para mim elogioso, mas por duas razões fundamentais:
- Quando Manuel Maria comunica, fá-lo de forma inteira e com convicção, tal como vive a amizade e pratica valores como o reconhecimento, etc., o que é de realçar.
- O romance agradará aos mais variados leitores que apreciam uma bela história e belíssima escrita.

Mais uma vez, Manuel Maria, o meu trabalho foi simples pelo prazer que a leitura me deu e por tudo que pude rever e aprender com a obra. E por todas as viagens que a leitura da obra proporciona.

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Sábado passado foi apresentado - por Dulce Raquel Neves, na Escola Secundária de Gondomar, onde o escritor trabalhou durante duas décadas - o novo romance de Manuel Maria: CINCO PALAVRAS de António Vieira, da Editora Lugar da Palavra.
Curiosamente, o título é formado por cinco palavras, tal como aconteceu na maioria das obras anteriores do autor.
Tive o privilégio de ler o livro antes de ser publicado e logo me apercebi do longo e aturado trabalho de investigação que foi necessário realizar para que a ficção funcionasse de forma séria e rigorosa. 
Para além da sedução das histórias que são contadas, situadas no século XVII, em contexto de missões, descobertas, viagens, intercâmbios..., o exercício de escrita é também uma homenagem ao grande orador português. 
Vale a pena ler e dar a ler a obra aos alunos que estudam o Sermão de Santo António aos Peixes e a todos que querem saber mais sobre o pregador, a sua época e que gostam também de boas histórias com a nossa História dentro. E de cruzarem problemas e sentimentos que continuam a fazer parte da nossa vida e da nossa atualidade.

Sobre o encontro de sábado passado e sobre o livro, sugiro a entrada na Carruagem 23 de Vítor Oliveira http://carruagem23.blogspot.com/
Vão gostar da viagem. Melhor era impossível.


Rosas, que vos quero bem!






quarta-feira, 22 de abril de 2020

Um livro na quarentena


Já tinha começado a ler este romance (obrigada, Zá, pelo empréstimo) antes da quarentena, mas só agora o acabei. Tem mais de 500 páginas e é constituído por cartas de mulheres ligadas a Camões por diferentes laços, incluindo os maternais, expressos por Ana de Sá.
Quase todas as cartas revelam amor,  paixão, ciúme, saudade, desejo, admiração ...
Os textos são escritos por sete mulheres: Ana de Sá, Violante de Andrade, Catarina de Ataíde, Francisca de Aragão e também por aquelas que o Poeta vai conhecendo em terras aonde o levavam as navegações marítimas (Inês de Sousa (que, como é referido no epílogo, existiu apenas na imaginação da autora), Dinamene e Luísa Bárbara.
Assim, através das cartas, acompanhamos Camões nas suas viagens além-mar, a sua estada em terras distantes e o seu regresso a Lisboa. Tal como constam das cartas elementos da Lírica do Poeta e da sua Épica.
A autora, como ela refere no prefácio, viajou, durante dois meses, pelos lugares longínquos onde o Poeta viveu, escreveu, brigou, enfrentou perigos e despertou fortes paixões.
É interessante este romance histórico, de escrita viva e fluente, porque, apesar da ficção, permite conhecer melhor o autor de Os Lusíadas e muitos dos ambientes ligados à época dos Descobrimentos, assim como relevantes figuras históricas do século XVI.
No entanto, na minha opinião, o elevado número de cartas, quase noventa, causa um pouco de dispersão no leitor, ainda que seja notória a expressividade e beleza de muitas.

Tenho ainda na estante um monte de livros que queria ler durante a quarentena. Provavelmente, não terei tempo, mas, como o confinamento veio para durar, pode ser que, pelo menos, o volume diminua. Até que o vírus não mate!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Medeia Filmes Quarentena Cinéfila

'Aquela loura' é o filme, francês, disponível das 12 h de 5a f às 12 h de sábado.
Este filme, restaurado, data de 1952,  é do género drama, tem a duração de 96 m e é classificado para 12 anos.

Sobre este filme, pode ler-se na página da Medeia Filmes:

'Becker consegue algo raro, neste filme que é, talvez, a sua obra-prima: uma “reconstituição” de época (a Belle Époque) perfeita, no espírito do tempo. Casque d’Or (Simone Signoret) é a bela amante de um bandido, Manda (Serge Reggiani, na sua melhor interpretação de sempre), nesta história de amor, morte, amizade e ciúme.'



segunda-feira, 20 de abril de 2020

0k?

Hoje, vi o início do estudo em casa na RTP Memória. Tive curiosidade. A primeira aula foi dada por uma professora, bastante jovem, com boa voz e boa presença, que disse chamar-se Isa.
Como a aula se destinava ao primeiro ciclo, começou com uma história engraçada que morava num livro de ilustrações bem vistosas.
A partir do texto lido, construiu a sua aula sobre rimas, divisão silábica, etc.
E fê-lo muito bem, apesar de, com certeza, não estar habituada às câmaras da televisão e, por isso, estar um pouco nervosa, como disse no início da aula.
Pois bem, ao longo da sessão, e ao pretender estabelecer um diálogo com os miúdos, ainda que à distância, repetia vezes sem conta: ok?
Ora bem, pronto, ok, todos temos os nossos bordões, aquelas palavrinhas que, quase sem nos darmos conta, repetimos até à exaustão, e que só os outros ouvem.
Tive uma professora de História que dizia sempre 'os nossos amigos' a propósito de povos, de reis, de presidentes, etc. Muitos conteúdos eram perdidos para se tomar nota das vezes em que se ouvia  'os nossos amigos'.
Eu também tenho os meus apoios, é claro, e só deles me dei conta quando me disseram. A partir daí, passei a ouvi-los e a tentar evitá-los. Um deles era, e, se calhar, continua a ser, o 'ora bem'. E usarei outros bordões de linguagem, uns mais conscientes, outros menos.
Voltando à professora Isa, gostei também do modo como leu uma história de Luisa Ducla Soares, na aula a seguir e que era de Leitura. Claro que as histórias de Luisa Ducla Soares são tão boas que facilitam qualquer leitura.
Quando puder, vou continuar a ver. Ok?

domingo, 19 de abril de 2020

Mulher à janela

Salvador Dali

Há duas semanas que ela, todos os dias, passava algum tempo à janela. Como a janela era virada para sul, aproveitava para apanhar um bocadinho de sol nas horas mais quentes ou amenas. Quando chovia ou estava frio, ficava a olhar por dentro dos vidros. Afastava a velha cortina para os lados e olhava as árvores que ajudara a plantar há muitos anos, como uma tangerineira que continuava com uns frutos apetitosos lá bem no alto.
Era da janela que falava com as vizinhas e com as pessoas da família. Ficava a saber as novidades, fazia perguntas e dava respostas. O tempo assim passava mais depressa e ouvia vozes a sério, sem serem interrompidas por publicidade, como acontecia na televisão.
Gostava bem mais desses momentos do que das novelas que costumava ver todos os dias. As notícias ou histórias tristes já a cansavam e para os filmes faltava-lhe paciência. Se começava a dar algum ao mesmo tempo que pressentia alguém da aldeia a passar, logo preferia ir à janela para conversar um pouco.
Esta semana vai ser crucial. Vai fazer novo teste covid 19. Se der negativo, já pode sair do quarto. 
E uma das primeiras coisas que quer fazer são umas cortinas novas para a janela do quarto,  donde quase não saiu durante a quarentena, mas que a punha em contacto direto com o seu mundo, ainda que à distância.
Nunca tinha reparado como a janela era bonita. Merecia mesmo umas cortinas novas. Tinham de ser transparentes como as antigas. Para que a luz continuasse a entrar.

sábado, 18 de abril de 2020

Por este quintal acima!