O texto que enviei para esta terceira coletânea:
Foram anjos que desceram do filme?
Domingo à tarde. De chuva calma mas persistente. A convidar para um filme. No largo prazer do grande écran e 'no escurinho do cinema', como cantou Rita Lee.
O escolhido foi um filme francês: Mascarade. Na sala de cinema, só quatro lugares ocupados, dois deles por um casal.
Sem intervalo, a história, onde são representados anjos e demónios em figuras humanas, foi passando diante dos nossos olhos e demais sentidos. Muitas paixões, muitas frustrações e muitas máscaras que as personagens iam manejando. Umas iam caindo, outras eram mantidas e manipuladas ardilosamente. Como acontece em tantos casos, em tantos palcos e planos da nossa vida comum ou pública.
E cinema pede música. Entrelaçada com outros sons, foi emergindo uma canção do final dos anos sessenta: La Bambola. Era como se rompêssemos a linha do tempo e entrássemos, por breves instantes, nos bailes de garagem, enquanto jovens em abraçados slows, à volta de um pequeno gira-discos, do vulnerável vinil e de venerados ídolos.
Terminado o filme, a mesma música italiana fez-se ouvir, acompanhando a extensa ficha técnica. Estava na hora de deixar a sala.
Foi quando, descidos os degraus para a saída, o homem e a mulher se abraçaram e, felizes, começaram a dançar. Nem sei se ouviram os nossos aplausos. Talvez os anjos não necessitem tanto deles.
Sim, seriam anjos que haviam descido do filme? Moviam-se sem máscara. Com sorriso. Sem mentira. Com verdade. Sem ressentimento. Com amor. Sem preconceito. Com liberdade.
Não, só podiam ser pessoas.