Eu tinha chegado à cidade com mar ao fundo. Fui tomar um café. Por dentro do balcão, o homem magro e sempre lesto repetia o habitual 'obrigado'. Nunca parava para que os clientes não esperassem. Era a hora da meia de leite e da torrada ou croissant.
Nas mesas, casais de meia idade com bom ar e bom peso iam saudando, sorridentes, outros casais conhecidos ou amigos com idênticos ar e peso que iam chegando. Quando saíssem, talvez dessem as mãos e sorrissem. E ainda melhor se fosse um para o outro.
Reparei que uma freira com roupa mais leve do que o habitual se sentava a uma mesa onde estava outra mulher com ar ascético, o que não impede o prazer de bons sabores logo a começar o dia. Num olhar e pensamento mais rápidos, diria que elas pareciam destoar. Ou eu também. E dei comigo a interrogar-me se este verbo ainda tem cabimento nos dias de hoje.
Felizmente já não se destoa tanto como antigamente. Quando uma qualquer diferença era notada, como a cor de pele, a idade, a maneira de vestir, etc, logo se olhava e os mais indiscretos comentavam nem que fosse em surdina, que não deixava de ser ruidosa.
Fui pagar à caixa. O homem magro sempre em movimento agradeceu como fazia a todos os clientes. E, dando-me o troco, olhou rapidamente para mim, como também fazia com todos os clientes, e 'um dia feliz', disse ele.
Um domingo também feliz para todos, digo eu também, embora não nos possamos olhar. Se pudéssemos, seria bom que fosse com mais tempo e mais vagar.
Um belo conto.
ResponderEliminarSaudações cordiais. Domingo feliz.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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É mais um olhar enquanto bebia o café.
EliminarBom fim de tarde.
Olá, Maria Dolores.
ResponderEliminarFiquei intrigada sobre o que destoaria tanto entre a freira e a outra mulher, que a Mª Dolores, no seu olhar apurado e aturado, captou e registou, para nos contar...Então, se em vez do 'ar ascético' a outra mulher, que já estava à mesa, se apresentásse excessivamente pintada e de roupas extravagantes..ui, ui...
Creio bem que esse verbo nunca deixou de ter cabimento.
E se dúvidas houvesse, agora, ter-se-iam dissipado. :)
Bom domingo com ou sem Missa.
Um beijo!
Olá, Janita, que bom 'revê-la'.
ResponderEliminarEu achei é que aquela mesa com a freira e a outra senhora com ar de asceta notavam-se logo naquele café/confeitaria com roupagem tão domingueira e cabelos tão arranjados. Mas olhe que também eu podia destoar, porque o cabelo anda sempre para o despenteado).
Se calhar, eu às vezes também tenho a mania de complicar o que é simples, embora preferisse o contrário.
Sim, continua a reparar-se no que é um bocadinho diferente, o que será natural, mas não tanto como antigamente em que muita coisa obedecia a modelos únicos e nem sempre os melhores.
Quanto à Missa, não tenho ido, não, mas sabe que tenho sempre vontade de entrar numa igreja quando vejo alguma aberta. E entro sempre que posso. Gosto daquele silêncio tranquilo.
Um beijinho, Janita, e um fim de tarde bem luminoso e feliz.
Um dia feliz também para si, Maria Dolores.
ResponderEliminarTalvez o senhor do café não tenha tempo para mais. Contudo, sempre lhe digo que nunca tal ouvi de algum vendedor seja do que seja. Portanto, parece-me - visto daqui - um desejo assaz simpático. É um pouco o que sucede nos blogues, a gente envia simpatias, beijos, abraços...duram pouco, são apenas palavras lidas. Mas dispõem. Não alteram o nosso dia, não mudam a disposição de cada um, diluem-se nas horas feitas de presença e realidade. Mas dão atmosfera e certa suavidade.
O que me parece ser diverso é que ele repete o mesmo a todos os clientes. Ou seja - sem querer menosprezar o senhor - é fórmula de despedida, não lhe emana o desejo sincero. E aí, alguns cumprimentos de blogue são mais sinceros. Por não serem fórmula. Porque, apesar de se fazerem das mesmas palavras, levam consigo todo o possível bem querer. Mas isto, suponho, quando os intervenientes se conhecem no realmente, parece-me que só neste caso existe um referente a cunhar o significado.
Bom primeiro dia de maio, Bea.
ResponderEliminarSim, o homem do café/confeitaria, que é jovem e que parece querer seguir os passos do pai - que agora são dados mais devagar - é cordial com todos os clientes e a palavra 'obrigado' é muito repetida. Para mim, até demasiado repetida, apesar de eu gostar também de agradecer.
Mas ontem aquele 'Um dia feliz', dito sem alarde e sem frenesim, foi agradável e simpático. Pelo menos no momento.
Quanto aos blogues, às vezes fico na dúvida se hei de escrever cumprimentos, beijinhos, abraços, etc porque a quem nos dirigimos, por mais simpatia, amizade ou admiração que nos mereça, não sei se, 'no realmente', até prefere não.
Às vezes, sigo o provérbio 'Em Roma, sê romano', outras vezes, escrevo o que me diz o momento.
Um abracinho, Bea, e que este 1º de Maio seja feliz e tenha significado (e não a semântica que agora é quase tão repetida como o obrigado do homem do café)!
Um empregado muito atencioso (não há muitos...).
ResponderEliminarHoje, a tendência é: se não destoar fica a destoar.
Gostei de ler a sua crónica, bem interessante.
Bom feriado e boa semana.
Um beijo.
Bom dia, Jaime
ResponderEliminarObrigada. Só que o homem não é empregado. Não sei se o dado é relevante.
Um abraço e um dia muito inspirador.