Flores de agosto
Procuro-vos, flores de agosto. As que nascem nos caminhos que me levam à infância vestida de verão. Aquelas que via romper, espontâneas, na beira dos riachos, nos campos, nos muros, nos cômoros que subíamos e descíamos em desenfreada correria, para ver quem chegava mais depressa ao cimo ou ao fundo.
Ainda sem saber que os pés sujos da poluição as calcariam de morte.
Procuro-vos, flores de agosto, junto de límpidas nascentes antigas e charcos, onde rãs coaxavam em estreladas noites de claridade azul.
Ainda sem saber que as nascentes secariam e os charcos seriam terra seca e gretada.
Procuro-vos, flores de agosto, debaixo de árvores que eram abrigo de brincadeiras à sombra fresca do verdor da idade.
Ainda sem saber que muitas florestas seriam queimadas pelo fogo de loucuras várias e de tresloucadas ambições.
Procuro-vos, flores de agosto, nas dunas esquentadas pelo sol ou arrefecidas no silêncio noturno da maresia.
Ainda sem saber das barreiras para humanos invasores.
Procuro-vos, flores de agosto, nos montes que percorri na certeza pueril de alcançar a distância.
Ainda sem saber que o tempo é veloz e inalcançável.
Procuro-vos, flores de agosto, revisitando lugares que então floriam felizes.
Desejando que possam voltar.
Sabendo já que a infância, não.
Maria Dolores Garrido, in coletânea Mimos de agosto, p. 49, Mimos e Livros Edições, set. 2021