Lendo diferentes obras
de J. M. Gustave Le Clézio para uma tese de mestrado, antes de este autor de língua francesa ter recebido o prémio
Nobel em 2008, tomei contacto com dramas de refugiados, sobretudo chegados a França,
vindos do norte de África, embora o mundo ainda não estivesse abalado pelo
terrorismo, como nos dias de hoje.
Com a sua vasta obra, Le Clézio mostra
que - recorrendo eu a palavras de Marguerite Yourcenar, em Les Yeux ouverts - é um escritor
"qui ressent, qui regarde, qui agit".
Na coletânea de cinco contos Printemps et autres saisons (julgo que não está traduzido em
português), esse autor conta histórias de cinco mulheres árabes, de
diferentes idades, que erram pela França, nomeadamente no Sul, em busca de
acolhimento e também de si próprias.
Muitas delas foram vítimas de passadores que as abandonaram, sem qualquer escrúpulo, depois de lhes terem extorquido grandes quantias de dinheiro, fazendo lembrar os atuais naufrágios no mar mediterrâneo, afundando toda a poesia desse elemento mítico que tanto fascina os seres humanos.
Muitas delas foram vítimas de passadores que as abandonaram, sem qualquer escrúpulo, depois de lhes terem extorquido grandes quantias de dinheiro, fazendo lembrar os atuais naufrágios no mar mediterrâneo, afundando toda a poesia desse elemento mítico que tanto fascina os seres humanos.
"No mar não há Primavera nem Outono
No mar o tempo não morre"
Sophia de Mello Breyner
Várias vezes falei aos meus
alunos. de Jean-Marie Gustave Le Clézio, escritor franco-mauriciano, em cujas obras aborda problemas cruciais do nosso tempo.
Quando vinha a propósito o tema dos
refugiados, alguns alunos insurgiam-se contra a sua presença em países da
Europa, repetindo, talvez, o que ouviam em casa: que vinham roubar os empregos
e criar instabilidade social.
E lá pelo meio vinha o argumento, que me
surpreendia e desagradava profundamente: "Se Salazar fosse vivo, ninguém
entrava cá". E era preciso repetir-lhes que se Salazar fosse vivo, não
poderiam sequer exprimir-se livremente, nem estariam na escola, à
qual, felizmente, todos têm agora acesso.
Repetiam que era o que os avós diziam. Parecia que muitos dos mais velhos não tinham sofrido por
terem começado a trabalhar demasiado cedo, de terem tido acesso apenas a uma
escolaridade mínima, de não terem conhecido a liberdade de expressão, de terem
estado fechados ao mundo...
De facto, a nossa capacidade de
esquecimento supera atrocidades históricas.
Os escritores ajudam a que a memória não se perca e tentemos viver melhor e com mais consciência do papel de cada um no mundo. Quero acreditar que sim.