sábado, 30 de junho de 2012
sexta-feira, 29 de junho de 2012
A bicicleta
O que mais lhe custava era interromper os
passeios quase diários estrada fora. Durante algum tempo, não poderia percorrer os habituais quilómetros de bicicleta, depois de um dia de trabalho ou ao fim de
semana.
Sentir o vento no rosto, a física agilidade feliz
aos sessenta anos, o bem humorado
convívio com os colegas do grupo de ciclistas.. Dava-lhe tanto prazer andar de
bicicleta que nunca tinha pensado na possibilidade de deixar de o fazer.
E disse com doçura meneando a voz e a cabeça:
Quando fiquei doente, pensei: ai que não vou
poder andar mais de bicicleta. É que não imaginas como me sinto bem quando saio para
dar um passeio de bicicleta. Acho que nem em criança conheci um prazer assim. A
vida deu-me coisas muito boas, mas a bicicleta é especial. Ela leva-me onde
quero sem nada exigir em troca. Sem ter de marcar horários de partida ou de chegada. Faz parte de mim. Sem
ela, os meus dias eram vazios e parados.
Já sei que me vais dizer: claro que em breve
vais retomar os teus passeios na tua querida bicicleta.
E assim foi.
Não precisava de palavras de circunstância, mas de acreditar que a bicicleta continuava, em casa, à sua espera.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
O pai de Andi
Imagem da net
Não era normal! Os três amigos de Andi tinham pais famosos.
O pai de Alexandre era cirurgião. Um daqueles médicos a quem as pessoas ricas e importantes recorrem para tirar o apêndice.
O pai de Rafael tocava violino. Não apenas por prazer. Dava concertos pelo mundo inteiro e era sobejamente conhecido.
O pai de Gino era um realizador de cinema. Diz aos atores o que eles têm de fazer, foi como Gino, com certo orgulho, explicou a profissão do pai.
O pai de Andi era vendedor numa loja de roupa para homem. Um pouco baixo, usava óculos dourados e não era nada conhecido.
Andi
só o via ao fim de semana, porque os pais tinham-se separado. Quando
os colegas falavam dos pais, Andi ficava calado. O que é que ele havia
de dizer? Na passada terça-feira, o meu pai vendeu um fato de flanela cinzenta?
Nas
férias grandes, Alexandre foi para África, porque o pai queria
fotografar leões. Rafael foi para Nova Iorque, onde o pai ia dar um
concerto. E Gino foi para a Sérvia, onde o pai estava a rodar um filme.
O
pai de Andi queria ir para a Toscânia. Pela sua bela paisagem e porque
gostava de visitar igrejas antigas. Andi não tinha bem a certeza se
queria ir, mas estava combinado passarem juntos umas férias por ano.
Por
isso, Andi foi com o pai para Itália. Para dizer a verdade, até gostou
bastante. Ficaram numa terrinha entre vinhas, davam passeios e
visitavam igrejas antigas, mas não em demasia.
Certo
dia, que seria diferente dos outros, passeavam pelo mercado de uma
pequena aldeia. Compraram tomates e alhos para o molho do esparguete, e
ainda pêssegos e uvas para a sobremesa. Num pequeno bar, o pai de Andi
tomou café e Andi bebeu um sumo de laranja, que em Itália se diz
“aranciata”. Dirigiram-se depois, devagar, para o local onde o carro
ficara estacionado.
Andi
foi o primeiro a ver os pássaros. Parou, horrorizado. Numa parede
batida pelo sol estavam dependuradas cerca de vinte minúsculas gaiolas,
cada uma com um pássaro fechado lá dentro. Pardais, tentilhões, um
melro. Num desespero evidente, arremessavam-se para cima e para baixo
contra as grades.
— Que maldade! — exclamou Andi.
O pai de Andi olhou pensativamente e não proferiu palavra.
De
resto, mais ninguém parecia incomodar-se com os pássaros encarcerados.
As pessoas passavam, falavam, riam, e não prestavam a mínima atenção
àquele arremeter e piar de desespero.
O
pai de Andi aproximou-se de uma gaiola. O pardal, prisioneiro e em
pânico, tentava bater as asas, mas a gaiola era tão pequena que as asas
embatiam contra as grades de madeira. Num gesto rápido e resoluto, o
pai de Andi abriu a porta da gaiola. Teve de retirar primeiro o
recipiente da água e só depois é que pôde abrir a porta de arame. O
pardal mais parecia dar cambalhotas do que voar. Pousou por um instante
na rua, atordoado, mas depois voou e desapareceu. O pai de Andi abriu
todas as gaiolas. Uma por uma.
— Estão a olhar para nós — disse Andi. — Despacha-te!
Mas só quando abriu a última gaiola é que o pai pegou no saco de papel que tinha pousado no chão e deu a mão a Andi.
— Não vão deixar-nos passar — sussurrou Andi, com medo.
Um
pouco mais à frente, havia pessoas paradas na rua, que falavam em voz
baixa umas com as outras e olhavam para eles com um ar severo.
Agora vamos precisar do Super-Homem, pensou Andi, deitando um olhar de soslaio ao pai. Que
esquisito! Teria o pai crescido em tão pouco tempo? Parecia muito
maior do que de costume, muito decidido. E fazia cá uma cara…
Exatamente como o Super-Homem, antes de um duelo de vida ou de morte.
Contrariadas,
mas sem nada fazerem, as pessoas da rua afastaram-se, deixando o
caminho livre a Andi e ao pai. Quando os dois dobraram a esquina,
estugaram o passo e, em poucas passadas, chegaram ao carro. Andi voltou
a olhar para o pai para se certificar. Será que alguém na idade dele pode ainda crescer? E tão de repente? Deve ter sido uma ilusão!
Deixaram
a pequena aldeia para trás, mas nenhum dos dois falava. Andi olhou
mais do que uma vez discretamente pelo espelho. Ninguém a persegui-los!
À sua frente, estendiam-se montes raiados de cor-de-rosa, violeta e
azul-claro. Ciprestes escuros erguiam-se contra o azul leitoso de um
céu de verão. Os dois continuavam ainda em silêncio. Mais tarde,
sentaram-se debaixo de uma oliveira, a comer pêssegos sumarentos. Sobre
as suas cabeças, pousado num ramo coberto de folhas prateadas, cantava
um pássaro.
— Este pertence ao teu grupo de admiradores! — disse Andi ao pai.
Como está ansioso por ouvir o que Alexandre, Rafael e Gino vão dizer!
Edith Schreiber-Wicker
Brigitte Meissel; Wilhelm Meissel (org.)
Fernweh
Wien, Herder Verlag, 1980
(Tradução e adaptação)
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terça-feira, 26 de junho de 2012
(Em dia de forte calor, vindo do norte de África)
um luar essencial
uma fonte de manancial vivo
É uma mão emocionada que guarda o crepúsculo
para pousar sobre os meus ombros
É uma voz de soluço e de riso
um murmúrio para os lábios que tremem
O único horizonte de minha pátria
é uma ternura contida
nos olhos negros
uma lágrima de luz sobre os cílios
É um corpo de tormentos, precioso
como um tufo de raízes
vizinho da terra quente
É um poema
gerado pela ausência
um país por nascer
à margem do tempo e do exílio
depois de um sono profundo.
Tahar ben Jelloun
(nascido em Marrocos, 1944)
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Espanha é grande
por
Sofia Gandarias
Pintora
(País Basco)
Bem sei que não há nada de
Novo sob o céu,
Que antes outros pensaram
As cousas que ora eu penso.
Bem, para que escrevo?
Bem, porque somos assim:
Relógios que repetem
Eternamente o mesmo.
Rosalia de Castro
domingo, 24 de junho de 2012
"Noite de silêncio"
Numa curta viagem de carro, com o rádio ligado, oiço Ana Moura. A fadista canta "Noite de silêncio", com a sua voz quente e rouca.
Em casa, telefono a uma amiga: não responde. Silêncio.
Telefono a uma filha: não atende. Silêncio.
Enquanto janto, vejo e oiço, na TVI, o comentário semanal de MRS. Muitas vezes discordo dele, mas neste assunto não:
Parece ter havido fraude nos exames de 12º ano de Português (alguns alunos terão tido acesso à prova, antes do dia em que foi realizada). E houve e há um grande silêncio sobre o assunto.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E o país continua no(s) seu(s) silêncio(s). E as pessoas guardam o seu(s) silêncio(s).
E eu também.
Felizmente há janelas abertas
Com tanto trabalho, nem tinha reparado que o ibisco estava florido. Vi-o, por acaso, da janela.
O trabalho não devia impedir que se olhassem as flores.
Mesmo assim, as flores desabrocham. Com o tempo e no tempo certos.
E nunca ninguém disse que eram sábias as flores.
sábado, 23 de junho de 2012
Sardinhas, carvão, cerveja; desculpe, estou à frente...
Manhã de sábado - véspera de S. João. Muita gente às compras numa grande superfície Filas grandes.
Uma menina obesa tem a mesma expressão carregada da mãe.
Uma mulher diz ao homem que ponha a cerveja preta no balcão da caixa.
Um menino chora e a mãe fala mais alto. O menino grita. A mãe diz que não dá o ovo Kinder.
Uma menina obesa tem a mesma expressão carregada da mãe.
Uma mulher diz ao homem que ponha a cerveja preta no balcão da caixa.
Um menino chora e a mãe fala mais alto. O menino grita. A mãe diz que não dá o ovo Kinder.
Uma outra mulher aproveita um espaço livre e mete-se na fila. Outra mulher diz que tem de esperar pela vez dela. A primeira fica a criticar a segunda. A segunda explica que não tinha reparado e que a primeira deve andar chateada por causa da crise.
O rapaz da caixa abre os sacos de plástico com gestos rápidos. Não se esquece de dizer bom dia a cada cliente. Mostra boa cara, porque pode haver queixas e ainda fica com a festa estragada.
Nos carrinhos, passeiam batatas, pimentos, tomates. E sardinhas. E febras. E broa. E vinho. E carvão. Se calhar menos quantidade do que no ano passado. E ao preço a que está a sardinha. Já viste(s)?
Ontem liguei-te não sei quantas vezes. Fogo! Nunca ouves. beijinhos. 'Ta tudo bem? Xau. beijinhos pra todos. Xau...
Chego ao carro. Abro a mala. Que cheirinho a manjerico. É S. João, pois então!
HISTÓRIA DO SR. MAR
Turner
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
Nos braços da sua Mãe...
Matilde Rosa Araújo,
O Livro da Tila
Renoir
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Um homem sem cabeça
Conto argelino
Esta
é a aventura do famoso Jouha. Na Argélia chamam-lhe Jha, ou então, Ben
Sakrane. Mais a leste, conhecem-no como Nasredin Hodja. Na realidade,
trata-se de Tyl Eulenspiegel ou de Jean le Sot: o louco que vende a sua
sabedoria, aquele que zurra como um burro para ser ouvido, e que às
vezes é dono de uma esperteza imbatível.
Um dia, Jha encontrou alguns amigos prontos para combater. Tinham escudos, lanças, arcos e aljavas cheias de setas.
— Onde vão nesses preparos? — perguntou-lhes.
— Não sabes que somos soldados profissionais? Vamos tomar parte numa batalha, que promete ser dura!
— Ótimo,
eis uma oportunidade para ver o que acontece nessas coisas de que ouvi
falar mas que nunca vi com os meus próprios olhos. Deixem-me ir
convosco, só desta vez!
— Está bem! És bem-vindo!
E lá foi ele com o pelotão que se ia juntar ao exército no campo de batalha.
A
primeira seta acertou-lhe em cheio na testa! Depressa! Um cirurgião! O
médico chegou, examinou o ferido, meneou a cabeça e declarou:
— A ferida é profunda. Vai ser fácil remover a seta. Mas, se tiver a mais ínfima parte de cérebro agarrada, está perdido!
O ferido pegou na mão do médico e beijou-a, exprimindo a sua “profunda gratidão para com o Mestre”, e declarou:
— Doutor, pode remover a seta sem medo; não vai encontrar a mais ínfima parte de cérebro nela.
— Esteja calado! — disse o médico. — Deixe os especialistas tratarem de si! Como sabe que a seta não atingiu o seu cérebro?
— Sei-o bem demais — disse Jha. — Se eu tivesse a mais pequena partícula de cérebro, nunca teria vindo com os meus amigos.
Margaret Read MacDonald
Peace Tales
Arkansas, August House Publishers, Inc., 2005
(Tradução e adaptação)
terça-feira, 19 de junho de 2012
As ameixas
As ameixas são amargas
Pois verdes verdes ainda estão
Mas quando doces e amarelinhas
Logo querem beijar o chão
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Nevoeiro
Carlos Alberto Santos
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa
Nota:
Lembrei-me deste poema da Mensagem de Fernando Pessoa por várias razões.
Uma mais profunda: a situação portuguesa atual tem semelhanças com a descrita.
Outra mais imediata: pelo que julgo saber, no exame de 12º ano de Português, realizado hoje, não saiu nenhuma questão sobre Fernando Pessoa - ortónimo ou heterónimos - apesar de o seu estudo ocupar uma boa parte do ano letivo.
domingo, 17 de junho de 2012
Alguns erres em tempo atual
Quando o trabalho abranda, apetece-me arrumar armários e gavetas. Deve ser psicológico (com o que de vago a expressão significa).
Separar coisas que uso, outras que não (que chatice! Há coisas que não me servem!)
E há muita gente que precisa do pouco ou muito que a muitos sobra. A Cruz vermelha (e tantas tantas Instituições), em diferentes regiões, apoia(m) famílias carenciadas. Precisam de brinquedos, roupas, toalhas de rosto e de banho e de tudo que seja útil para viver com dignidade (soube, por exemplo, de um Centro da CV em Guimarães).
Também há reciclagem das roupas em muito mau estado - servirão para fazer cobertores.
Pode ser moda falar destas coisas, mas é uma criação à medida humana. Em tempo de tanta crise, há pessoas que vivem de forma desumana.
sábado, 16 de junho de 2012
Passei no Porto e já cheirava a S. João!
Mangerico
Imagem da net
S. João, também és ponte;
És vida sempre em viagem.
De junho és horizonte
E ao verão vens dar passagem.
S. João, és mangerico,
Alho porro, erva cidreira
E também o martelinho
A dar cor à barulheira!
S. João, diz-me o que pensas
Deste mundo sem paixões;
De quase tudo descrente
Menos de vãs ilusões!
S. João, pelo teu poder,
Que na tradição perdura,
Sem à cunha recorrer,
Torna a Vida menos dura!
S. João, na minha infância,
Eu pedia um tostãozinho,
Prà cascata sem elegância,
E deitava-o num pratinho!
Devagar vai o autocarro
Pela manhã ou tardinha,
Mas a crise a toda a hora
Apanha (quase) todos depressinha.
Se eu tivesse o teu poder,
Gostava de viajar
No interior do ser humano
Para o mal poder travar.
S. João, que és tão alegre,
Reduz a nossa tristeza;
Ajuda a descobrir
Maravilhas da Beleza!
Ó meu rico S. João,
Vou-te fazer um pedido:
Encontrar a direção
Pra quem anda tão perdido!
Na festa do S. João,
Que tudo vos saiba a mar,
Com boa sardinha no pão
Como barco a navegar!
sexta-feira, 15 de junho de 2012
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