No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
Herberto Hélder
Música de Rodrigo Leão / Gabriel Gomes.
Poema de Herberto Helder (dito pelo próprio)
Há, de facto, poemas que nos "desarticulam", que nos prostram em deslumbramento! Este é dos poemas à Mãe (e ao Filho) que mais me deixa perplexa... Como é possível tê-lo feito assim?!
ResponderEliminarEste é daqueles tecidos delicados feitos de palavras-palavras, novas, renascidas que eu gostaria de ter escrito! Eu sei: é presunção. Mas também não é esse o caminho da humanidade, ser presumido, aspirar à perfeição, à harmonia suprema... Descobrir os caminhos que nos guiam "E por dentro do amor, até somente ser possível / amar tudo, / e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor."?
Aqui é-o pelo amor feito palavra!
um beijinho e um excelente fim de semana!
IA
Depois das tuas palavras profundas,apetece-me dizer, ao jeito do Pedro Marques: se assim não fosse, "Para que raio serve a poesia?"
ResponderEliminarAbraço e um fim de semana com muita luz. Também do sol, se tal for possível.
M.
Então cá vai mais um poema - Poema à mãe - de um funcionário público que foi poeta.
ResponderEliminarPara as duas mães.
http://carruagem23.blogspot.pt/2010/01/um-funcionario-publico-poeta.html
Beijos e bom fim de semana para ambas (as duas).
Obrigada, Vítor.
ResponderEliminarEntre na Carruagem 23 e, se calhar por erro meu, não consegui encontrar o poema, mas, "como nada acontece por acaso", li outros textos que também me interessaram muito.
Abraço e bom domingo
Dolores
Dolores, basta selecionares o endereço que te facultei no comentário, clicar em cima do selecionado com o botão esquerdo do rato e escolher "Ir para...". És logo direcionada para o 'post' e para o poema (que, por acaso, é um filmezinho baseado num poema e com uma voz já tua conhecida!)
EliminarBeijinho.
Bom domingo.