sábado, 11 de janeiro de 2014



 


Da minha janela, veem-se camélias cor-de-rosa, raiadas de branco.
Como seria bom se de todas as janelas se vissem camélias!
Ou outras flores. Ou árvores.




 
A propósito, lembrei-me de um pequeníssimo conto que partilho de novo:


Dois velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede húmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.

Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 

— Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde: 

— Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda: 

— Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã.

Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:

entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.


 Extraído do livro de Dalton Trevisan - Mistérios de Curitiba, Ed. Record - 
Rio de Janeiro,1979.


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