sábado, 18 de janeiro de 2014

De palavras outras palavras surgem

Maria Keil
CONTOS DE FADAS

Era uma vez um conto de fadas. Estávamos
na terra do sonho; o castelo tinha torres
que chegavam à lua; e a noite quente do verão
entrava pela janela e tapava-nos
num aconchego de mãe. Neste sonho, não havia
ogres nem lobos maus; e um barco
branco esperava por nós, no porto da cidade,
para nos levar para o oriente onde o sol
nunca se põe. Nenhum de nós queria acordar
para não se esquecer deste sonho, e mesmo que
acordássemos, não iríamos abrir os olhos,
para não ver o que nos esperava, ao sair
do casulo dos sonhos. Mas se concordássemos,
e abríssemos os olhos, e víssemos que tínhamos
saído da noite para entrar no dia, que já não é
um conto de fadas, podíamos dizer uns
aos outros: “Este é o sonho de onde temos
de acordar, para voltar ao conto de fadas
onde a noite nunca se põe”.
Nuno Júdice, A matéria do poema, Don Quixote, Lisboa, 2008, p.66


Da leitura e de algumas expressões deste poema surgiu um pequeno texto:
      
Aconchego de fadas

Era uma vez uma menina que não gostava de contos de fadas. Preferia estórias de ogres e lobos maus porque, dizia ela, eram mais reais e frequentes na sociedade que ia conhecendo.
Num dia de verão, visitou um castelo e as suas altas torres. Tinha por perto o amparo e aconchego da mãe. As férias pareciam um sonho e sentia que a mãe era para si, cada vez mais, um porto de abrigo, um barco branco em que sempre podia viajar.
A menina, quando era mais menina ainda, tinha adormecido, muitas vezes, ao som de contos de fadas e de cantigas de embalar que rimavam: para bem adormecer e para, sossegadamente, acordar.
Um dia, a menina, já adolescente, recordou os anos em que ouvia ou lia contos de fadas com entusiasmo. Encantada por esses seres minúsculos e míticos, não perdia, na sua infância, a esperança de ver a transformação da realidade pelos poderes da varinha de condão.
E, como se esse toque de magia perdurasse, numa manhã de sol, deu consigo a pensar que os contos de fadas ajudam a subir mais alto, como às torres de um castelo, onde, tal como no casulo dos sonhos, a noite nunca se põe. Seriam outra forma de aconchego em todos os caminhos que ia percorrendo.

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