terça-feira, 1 de outubro de 2013

Será isto (a)normal?


Os pais dos alunos haviam sido convocados para uma reunião. Vieram quase todos. A diretora de turma, bastante jovem, chegou apressada, com os saltos das botas a fazerem-se ouvir.

Deu as boas-vindas e, logo no início da reunião, falou da equipa formativa. São todos muito bons professores, gostam de ensinar e nunca faltam, disse. E acrescentou: até a professora mais velha, que já tem mais de cinquenta anos, prepara sempre as aulas, o que não é normal.

Entre os encarregados de educação, havia um casal de professores com mais de cinquenta anos. Perante o que ouviam, entreolharam-se, atónitos. Teriam ouvido bem?

Iam pensando para os seus botões: ser professor com mais de cinquenta anos e nunca ir dar aulas sem as preparar causa espanto? Isso não é normal? Até quem tem sessenta ou mais também o faz, habitualmente! Poderá haver um ou outro mais descuidado, mas isso acontece em qualquer idade.

Durante o regresso a casa, foram falando dos casais, conhecidos ou amigos, com o casamento em risco pelas constantes negas: hoje não posso sair porque tenho de corrigir testes; não é possível, porque tenho de preparar as aulas da semana…

E também recordaram aquelas pessoas que ficam surpreendidas quando os professores têm serviço e não há aulas. Como se, por magia, tudo aparecesse feito quando as salas de aula se enchem. Ou aquelas que julgam que os professores chegam à sala de aula  e começam a falar como se uma torneira se abrisse, aspergindo água com sabedoria na direção dos alunos, quais pássaros sequiosos de biquinho aberto.

Mas quem assim pensa não é nem nunca foi professor, mas um professor a dizê-lo ainda é mais grave, independentemente da idade de quem o diz.

Isto é que não é normal!

4 comentários:

  1. Tens razão. NADA NORMAL, efetivamente!
    Mas o mais grave é que alguns professores no início da sua carreira pensem assim... Onde será que a formação de docentes errou? Depois de tantos anos de empenhamento na formação de professores e de tantas ações de formação..., como será possível que não seja normal preparar aulas em qualquer ciclo de vida PROFISSIONAL em que nos encontremos? Com opiniões como esta não vamos lá!
    CS

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  2. Questiono-me igualmente, mas acho que não será apenas um problema de formação profissional, mas um problema de formação pessoal.
    Este caso aconteceu, de facto, mas quero acreditar que não será frequente. Deus queira que não.

    Um beijinho
    M.

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  3. Percebi!
    Prefiro ficar-me pela dimensão pessoal, até porque acredito que muito desta é transportado para a profissional.
    Também é verdade que é por ela que esta também não é, por vezes, entendida no que tem de melhor. Infelizmente, o que se diz muitas vezes da profissão tem a ver com as experiências de vida que se tem. E quando estas são as dos nossos tempos - tão imediatas, tão para ontem e tão quantificadas (a ponto de terem de fazer parte da ditadura dos números) - ficam-se pela constatação do que lhes é incompreensível. Como se não houvesse uma outra forma (melhor) de fazer as coisas.
    Enfim: é jovem e no salto alto das suas botas deve ser uma das professoras que, atualmente e para sobreviver, deve dar aulas em todos os sítios e mais alguns; tem níveis tão diferentes que nem sabe para que ponta se há de virar e não tem tempo para conhecer a escola, muito menos as pessoas que os alunos são; tenta fazer, por certo, o melhor que pode e espanta-se que ainda haja professores com tempo para preparar aulas. Não pode entender de outra forma, porque não lhe dão condições para que assim o faça.
    Por mim, reconheço que, cada vez MAIS, tenho MENOS tempo para preparar as aulas (pelo menos, como eu gostaria que elas fossem). Também, estão a encher as turmas com um número de alunos que não cabe nas salas! Qualquer dia, para ceder o lugar a um estudante, tenho de vir dar a aula para o corredor.
    Além disso, eu sei... também tenho culpa. Estou a perder a faculdade da juventude: cada vez gasto mais tempo a corrigir testes (à média de 15/20 minutos para cada um, que fará uma turma de trinta!?! E logo eu tenho quatro! Não me posso queixar. Há quem tenha sete e oito). São horas infindáveis, que não cabem num dia nem numa semana. Só de saber que ainda faltam as composições, as fichas e os trabalhos que não tenho coragem de recusar (porque ainda há alunos que gostam de mostrar as escritas que produzem por livre iniciativa), já acaba o período letivo e ainda tenho coisas por fazer...
    E, 'the last but not the least', isto de ser profissional na educação e no ensino já teve muito melhores dias. Hoje a profissionalização chega ao ponto de se fazer num semestre e sem prática letiva. Tudo o resto, quando muito, deve ser tema de um seminário que fica lá para o meio de muitas outras temáticas, as quais nem sempre se revelam proveitosas para o desempenho profissional docente.
    Como eu gostaria de acreditar que o sucedido não viesse a ser repetido nas próximas décadas!
    Beijinho.

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  4. Estou inteiramente de acordo contigo. De facto, a escola (não só aquela em que trabalh(am)o(s) é cada vez mais exigente, não apenas a nível de saberes, mas também de outras competências, como saber lidar com situações difíceis, ouvir e compreender todos os alunos, usar sempre estratégias motivadoras para que não haja monotonia na sala de aula…
    Não acho mal que tal aconteça, mas se se pretende que o trabalho seja cada vez mais eficaz, porquê pôr três dezenas de alunos na mesma turma?! Se todos estiverem disponíveis para as aprendizagens já não é fácil; se houver alguns que prefiram perturbar o ambiente da aula, então é muito complicado.
    Sendo assim, o facto de as turmas, na sua maior parte, terem tão elevado número de alunos, na minha modesta opinião, vai trazer muitos prejuízos para os jovens, porque, em muitos casos, é só na escola que eles contactam com esses saberes. Poder-se-ão poupar uns milhões, mas os gastos futuros serão maiores.
    Para quem não está diariamente na escola os professores passam lá muito tempo e poderão preparar as aulas, corrigir testes, etc. Porém, a componente não letiva compreende aulas de apoio, gabinete disciplinar, Bibloteca, etc. Nas horas “mortas”, raramente se pode trabalhar concentradamente, porque os ruídos são muitos e, assim, o trabalho terá de ser feito em casa.
    Eu, que tenho bem mais do que cinquenta anos, não concordo com a afirmação da jovem colega, porque preparo as aulas. No entanto, muitas vezes, sinto também que gostaria de as preparar melhor e não tenho filhos pequenos, como a tal jovem colega, que não conheço, poderá ter. E, neste contexto, vem-me sempre à memória uma frase que ouvi de um colega, há muitos anos: “a vida não começa nem acaba na escola”.
    Seja como for, continuo a considerar a afirmação “a professora X tem mais de cinquenta anos e prepara as aulas, o que não é normal” precipitada. Ou melhor, resulta também do facto de não termos tempo para nos conhecermos, nem os colegas nem o seu trabalho. E será que conhecemos todos os alunos?
    O sr ministro achará que sim. Ele também tem bem mais de cinquenta anos e não parece fazer o trabalho de casa, o que, neste caso, vai parecendo normal.
    Um beijinho e obrigada.
    M.

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