Quando eu era pequena, havia várias mulheres que, durante o dia, se punham à janela. Apoiavam os braços no parapeito e repetiam, longamente, os olhares para a direita, para a esquerda, para a direita, para a esquerda... e assim iam sabendo o que se passava na rua, quem passava na rua, como passavam na rua, com quem passavam na rua. Recordo-me que a minha mãe e as minhas tias criticavam muito esse hábito e, como estavam sempre ocupadas nas tarefas da casa, nos lavores ou na costura, diziam estranhar essa prática. Eu achava graça, embora achasse incómodo aquela revisão constante do bocado da rua através dos olhos das mulheres à janela. Mais tarde, viria a novela Gabriela Cravo e Canela, e havia uma personagem - julgo que se chamava Glorinha - que se punha fogosamente à janela em busca de fantasia que não encontrava dentro de casa. Talvez essas mulheres da minha aldeia procurassem, ao seu modo, um pouco de fantasia que, fechada a janela, também se fechava para elas.
Ora, para já, isto não está a condizer com o título: 'Um homem à janela'. Pois não. Ele mora num primeiro andar. Passo lá com alguma frequência e também com frequência o vejo à janela. Responde a quem lhe diz bom dia ou boa tarde, mas alguns vizinhos fazem de conta que não o veem. Talvez por ser novo ou por preconceito, como, se calhar, é o meu, embora não goste de ter preconceitos. Daqui a pouco, tenho de lá passar outra vez. Impossível não olhar para a janela. Se lá estiver, vou dizer-lhe bom dia.