quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Natureza morta

Ovo de avestruz com pinhas

Tinham em comum o medo


Medusa - Caravaggio


 Medeia - Paul Cézanne

Todos os dias, aprendemos coisas novas, o que é motivador.
Ontem, em Serralves, fiquei a saber um pouco sobre dois mitos - de duas figuras de mulher tão inspiradoras para os artistas (música, pintura, literatura...) como terríveis.

Medeia foi personagem criada por Eurípedes (autor de tragédias gregas), alguns séculos antes de Cristo. 
Era feiticeira, sabia manipular venenos, matou os filhos após traição do marido...


Medusa foi decapitada por Pereceu e da sua cabeça desenrolavam-se serpentes.

Os nomes Medeia e Medusa  tinham em comum a palavra medo.


Veio a propósito a citação feita por Mário Cláudio:
"Enquanto a história se deforma a longo prazo, o mito forma-se".
Cocteau


Nota: Mário Cláudio também escreveu uma peça de teatro com o título Medeia (representada por Anna Paula).
 É um misto de Medeia grega, de atriz que pode ficar sem palco, de mulher que envelhece, de mãe que reflete sobre os filhos, de pessoa que repensa o seu lugar no mundo...
Razões que confirmam que o mito se forma, percorrendo todos os tempos.

Disse aos meus alunos...

...que procurassem, na internet, um poema de Nuno Higino. 
Um grupo trouxe este e gostei muito (do poema e que o tivessem procurado).

O silêncio sempre deixa saudade
A saudade é uma porta por onde se vê o mar
O mar é o baloiço que vai e vem nos olhos
do poeta
O poeta sempre mora na alma que há no vento
O vento é o mensageiro que leva e traz nas
crinas os segredos
Os segredos são a arca onde o esquecimento
tem guardados seus tesouros
Os tesouros são azuis, tão azuis, tão azuis como os
olhos da ilusão
A ilusão é jamais perder de vista a luz dos
pombos a pique nos telhados
os telhados são bandeiras às vezes alegres
ou tristes sobre as praças
as praças se denudam como mulheres
esculpidas entre as dunas
as dunas reconhecem a voz do sal ao sol do
meio-dia
o meio dia dança ao som de silvos, de vozes e sirenes
as sirenes são sereias alucinadas e hirtas
sobre o caos
o caos, já vencido, se entregou quase à hora
do sol-pôr
o sol-pôr é uma montanha onde crescem
enigmas e fantasmas
os fantasmas se insinuam entre as pedras,
as árvores, as estrelas
as estrelas às vezes descem aos ombros
surrados do mendigo
o mendigo se dissipa entre os latidos
cerrados do degredo
o degredo é tão antigo como a distância obscura do destino
o destino é uma cobra enroscada e ferida na cabeça
a cabeça é um romeiro que não tem fé na mão de nenhum santo
o santo mora na ermida guardada de
ciprestes e silêncio

o silêncio deixa sempre saudade.


Nuno Higino

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ainda há cores no horizonte


Flores cercadas


Flores na rede


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Redes Sociais e os jovens


Hoje, na escola onde trabalho, alguns jovens do ensino secundário falaram sobre Redes Sociais, numa sessão de “Parlamento dos Jovens”. Uns mais tímidos ou mais inseguros, outros mais descontraídos ou mais à vontade exprimiram as suas opiniões sobre o tema, dando um passo enorme no sentido de se posicionarem face ao mundo que os rodeia e de se exprimirem em público.
Tomei nota de algumas ideias que ouvi:
- As redes sociais não representam só perigos; estes também existem dentro de casa.
- A liberdade começa em nós; somos nós que estabelecemos as nossas barreiras.
- Todos os utilizadores das Redes Sociais têm de ter consciência do que divulgam para evitarem consequências negativas.
- Também neste assunto é importante a confiança que os pais têm nos filhos.
- É pertinente a formação de adultos no âmbito das Redes Sociais para que haja domínio das suas regras.
Gostei de ver os jovens a manifestarem a sua opinião, na sua vez e de forma organizada. Uma professora lembrou que esta atividade – iniciativa do grupo de Filosofia – era um belíssimo exercício de cidadania e de prática da argumentação, fundamentais nos nossos dias.
De facto, nos tempos que correm, o mais comum é ouvir os jovens dizerem de alguma coisa de que gostam:
- É fixe…é altamente…
Mas se lhes perguntarmos porquê, já tudo se torna mais complicado.
Atividades como estas implicam trabalho de organização, de motivação e preparação dos alunos, mas melhoram a reflexão, a organização das ideias, a expressão oral…
E mais pessoas ficam em rede e a ganhar!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Papas de sarrabulho. Não se vê, mas estão a fumegar!


Vitória do cato sobre a camélia? Apenas provocação?


Tem Facebook?

Às vezes, pergunto aos alunos: quem tem facebook? Da última vez que o fiz, julgo que, em 26 alunos, só uns três não tinham esta rede social. Todos os outros tinham facebook, dando-lhe uso diário.

Pois, eu sou uma das pessoas que não têm facebook. E como nunca tive, não sinto falta. Se começasse a ter, já seria diferente com certeza, porque sou um ser comum e mortal.

Falta sentiria deste meu blog, a que me habituei desde julho passado (a sua criação foi uma bela prenda de anos das minhas filhas).

Perante as pequenas coisas do dia a dia, penso: 
que bom poder chegar a casa e escrever algumas palavras, partilhar umas simples fotografias... 

Mesmo que gostemos do nosso trabalho, sabe bem e é útil olhar noutras direções, nem que seja só um bocadinho.

E fico muito contente quando me apercebo que houve pessoas que gastaram um bocadinho do seu tempo para comunicarem com o olamariana, dentro e fora de Portugal (que bom ter o carinho de familiares, amigos, amigos dos nossos amigos, alguém que chega aqui por escolha ou por acaso...)

Há tempos, optei pela moderação de comentários devido a alguém que atirava algumas pedras muito aguçadas com mão escondida em anonimato. Possa essa pessoa, com o tempo e sem agruras da vida, ter perdido a necessidade de destruição. 
Nunca rejeitando o saudável contraditório, é claro.

E ainda a propósito do facebook, ontem, numa loja, perguntaram: 
- Tem facebook?

Respondi que não. Quem pôs a questão acrescentou: 
- Tem resistido, então!

E pensei: 
pois, se calhar!



sábado, 14 de janeiro de 2012

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pequeno sonho de uma noite de inverno



Uma noite destas, sonhei com linho.  Era um bocadinho de tecido pequeno, como uma simples amostra. Daquelas que se encontram numa caixa de costura, numa cestinha onde há linhas, novelos, tesouras, agulhas, botões, dedais…

No dia seguinte, na escola, uma amiga mostrou, encantada, um livro que lhe chegou às mãos sobre diferentes materiais. Uma página tinha-lhe chamado a atenção: a do linho!

Coincidência?

Como não há duas sem três, pensei: o que virá a seguir?

A – vou aprender a fiar;
B – Vou ser capaz de linho semear;
C – Vou em estopa bordar;
D – Vou continuar a sonhar…

A Castanha é castanha...


A Castanha é castanha
Por isso se chama assim
Não conhece qualquer manha
E não é nada ruim

Gosta muito de brincar
E de correr atrás da bolinha
O brinquedo põe-se a chiar
Nas patas da Castanhinha

Dorme sempre enroscadinha
E parece consolada
Dentro da caixa vermelhinha
Mesmo sem ter almofada

Quando vê a porta aberta
Corre logo para entrar
Mas logo a dona lhe diz:
Castanhinha,
Vai a bolinha buscar!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

As pessoas sensíveis



As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas


O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra


"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."


Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito


Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.



Sophia de Mello Breyner Andresen
(Livro sexto)
Ontem, numa turma, falámos de galinhas.
Lembrei-me, então, deste poema de Sophia. 
Apesar de ter umas dezenas de anos,
as palavras continuam atuais! 

Vi e gostei...

"Só nos é concedida 
Esta vida 
Que temos; 
E é nela que é preciso 
Procurar 
O velho paraíso 
Que perdemos... 

Mas corto as ondas sem desanimar. 
Em qualquer aventura, 
O que importa é partir, não é chegar."

Miguel Torga

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Oxalá

     A propósito de "Paixão e violência", tema do ateliê de escrita e de leitura em Serralves, hoje também se falou e escreveu sobre violência doméstica.

     Alguém se interrogava sobre estes fenómenos em pleno século XXI.

     Oxalá que a violência doméstica se torne um assunto raro e estranho. Por enquanto, ainda é tema bem conhecido em muitas famílias - independentemente do nível económico. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O GATO



Com um lindo salto
lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, para
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga
Vinícius de Moraes

Correntes

O desafio, num ateliê de escrita em Serralves, foi escrever uma história de "belo horrível" ou "belo tenebroso". Pensei, pensei... lembrei-me de casas antigas, aparentemente abandonadas, e o resultado foi este. 
Será banal, por certo, em relação a outras estórias que penso ouvir na próxima 4ª f.
Conto, depois, contar alguma coisa que possa escutar.


Correntes
O céu estava coalhado de nuvens pardacentas. O ar gelava. A noite aproximava-se e não se via ninguém na rua ladeada de árvores despidas e negras. No silêncio parado, irrompeu o ruído de um carro, parando à porta do casarão quase sempre fechado. O silvado cobrira os muros altos, isolando a casa. Todos diziam que lá não morava ninguém e todos contavam histórias sobre os habitantes que há muito tinham morrido mas que, por muito amarem aquela casa, não tinham desaparecido. Porém, os únicos indícios de vida eram o carro que de repente entrava e saía pelo portão que abria  e batia de forma assustadora.
Engolido o carro, a rua voltava ao silêncio. Naquela noite, houve um outro sinal: saía fumo de uma chaminé da casa onde diziam viver fantasmas.
Aproveitando a minha invisibilidade de autora da história, entrei porque o frio era muito e também não gosto de ficar aquém dos muros. As sebes do enorme jardim estavam desgrenhadas e envelhecidas; os arbustos com troncos retorcidos e quebrados; algumas rosas vermelhas haviam murchado em botão, as heras trepavam cobrindo as paredes em ruínas….
Porém, no centro do jardim, erguia-se uma pequeníssima estufa envidraçada. As suas paredes de vidro deixavam ver aveludadas e viçosas rosas brancas. Era o único sinal de cuidado naquele espaço sem mimo de mão humana. Ao cimo das escadas de pedra, ouviam-se vozes quase murmuradas. De repente, uma porta chiou, saindo uma bela mulher de rosto entristecido. Desceu as escadas e dirigiu-se à estufa. Colheu um ramo de rosas e voltou a entrar em casa. O murmúrio de vozes ouviu-se de novo.
De repente, as nuvens ganharam movimento e houve um pouco de luar. Sem se ouvir a porta a fechar, a mulher desceu de novo, trazendo um ramo de rosas secas na mão. A noite fechou-se em trevas. A mulher saiu num ápice, tal como tinha entrado. Nenhuma luz se via. Apenas o fumo da chaminé continuava vivo.
De madrugada, a luz da lua iluminava as rosas brancas e as flores murchas. Ao lado, jaziam umas pesadas correntes.
Janeiro 2012

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Entre "doenças (1)" e "dor (1)", lá estava eu...

Hoje visitei o blog Terrear de Matias Alves, no qual já participei com alguns textos. Nas "etiquetas" laterais, dei de caras com o meu nome. Como começa por d, lá estava eu entre doença e dor... Se calhar não é por acaso que esta última palavra mora no meu nome.

Pois, revi, então, alguns textos que escrevi há algum tempo. Aqui vai um deles:



FELIZ ANO NOVO!


Casa quase toda na penumbra. Luz acesa na sala e na cozinha. Móveis antigos. Jarras com flores. Secas, algumas. Verdes, as folhas das camélias e do azevinho. O cão a correr e a abanar a cauda de contente.
O bicho já era velho mas nunca perdia a alegria. Só quando tinha estado doente. Nessa altura, lambia as mãos da dona, sem se levantar, por falta de força nas patas. E o olhar esvaziava-se, implorante e débil.
Reformada há vários anos, ela via a casa esvaziar-se das vozes familiares. Só a mobília e os objectos se mantinham nos lugares. E o cão enroscado sempre na carpete bem junto ao sofá. Com suspiros de sonolento alívio.
No dia-a-dia, a casa era quase só para ela e para o cão. Os lugares foram criando memória. Como os objectos de relembradas histórias. Dos sítios donde tinham vindo e das pessoas a eles ligadas.
A casa tinha um jardim por onde o cão corria. Porém, mantinha-se rente ao portão quando pressentia o regresso da dona.
Chegando a casa, os sons repetiam-se. O meter da chave. O empurrar da porta. O pousar da carteira. O tirar dos sapatos. O abrir da torneira. O correr da água. A água a cair no copo. Logo a seguir, o caminhar até ao telefone e o marcar asterisco mais duzentos. Para ver se a voz invariável anunciava:
- Tem uma mensagem nova.
Se assim fosse, sentiria mais alguma companhia.
Com o cão e as flores, a comunicação era fácil. Bastava olhá-los e tocar-lhes.
Ao cão fazia festas e às flores também, ajeitando a terra à sua volta.
Era um fim de tarde frio de início de Janeiro. Pegou num livro. Antes de o abrir, aproximou-se do telefone e marcou, como habitualmente, asterisco mais duzentos. A voz acetinada do outro lado fez-se ouvir, repetindo o que muitas vezes anunciava:
- Não tem mensagens novas.
Ela pousou o telefone sem desolação. E, contrariamente ao habitual, logo a seguir marcou um número.
- Feliz Ano Novo, disse em tom de celebração.
Do outro lado - sentia-se na voz - também alguém ficava um pouco mais feliz.

Dolores Garrido
Janeiro 2010
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Estórias Abensonhadas

O livro de contos Estórias abensonhadas, do escritor moçambicano Mia Couto, faz parte do Concurso Nacional de Leitura que irá, em breve, decorrer.
Pois, tal como muita gente, procurei o livro (já o tive, mas devo tê-lo dado ou emprestado) e estava esgotadíssimo. (na Fnac, na Bertrand...) 
Felizmente, encontrei, na Latina,  uma bonita edição ilustrada, embora a capa estivesse um pouco estragada.
Em país de poucos hábitos de leitura, não seria bom reeditar livros que são aconselhados a tantos leitores? Queremos ou não que os  jovens leiam mais (e os mais velhos também, é claro)?