Nos encontros ou festinhas familiares, há sempre o 'momento de poesia', em que a minha mãe é a protagonista, porque, da família, é a única que sabe muitos versos de cor. E o que é mais curioso é que os aprendeu há mais de oitenta anos na escola primária. Com a D. Berta, 'a minha professora', como gosta de frisar.
Antes de começar a recitar os versos, acedendo ao nosso pedido, refere sempre que são simples, que já são muito antigos e outras modéstias, mas logo se concentra e diz o poema que escolhe ou que lhe sugerimos, pronunciando muito bem todas as palavras, todas as rimas, todas as sílabas.
A minha mãe não é dada a falar de prazeres, mas, quando está a dizer versos, vemos que é prazer o que está a sentir.
Quando termina um poema, todos aplaudem e pedem mais. Ela enumera outras modéstias, como não ter estudos, mas logo se lembra de outro poema. Pode ser 'A balada da neve', um poema sobre o monte Crasto, outro sobre o fabrico do linho, outro sobre as regiões de Portugal... O rol é muito extenso e sempre fiel às tradições.
Todos nós, de cada vez que a ouvimos, nos extasiamos com os inúmeros poemas que guarda tão bem na caixinha da memória.
O meu pai, que não era muito dado a elogios caseiros, ouvia-a sempre embevecido, o que também era muito bonito.
Há um poema, cujo autor desconheço, que, nessas ocasiões, ouvimos da minha mãe, dando entoação aos pontos bem humorados, mas sem nunca perder o fio à meada das palavras, como em todos os outros que aprendeu há mais de oitenta anos e que nunca esqueceu.
"Os velhos
Numa aldeia distante,
isto em tempos já passados,
viviam alegremente
dois velhinhos bem casados.
A mulher e o companheiro
diziam, juntos, os dois:
Se tu morreres primeiro,
morrerei logo depois!
Nisto, uma pancada forte
na porta se fez ouvir.
- Quem é? Perguntam.
- É a morte.
Quero entrar; venham abrir.
- Diacho, diz o marido,
como há de isto agora ser?
Tenho aqui um pé dorido;
vai lá tu abrir, mulher.
Mas ela logo se queixa:
-Valha-me Nosso Senhor,
este flato não me deixa;
Vai lá tu, fazes favor.
Nisto, a morte enfadada
Investiu pelo postigo
E, entrando na pousada,
Levou os velhos consigo!"
(Encontrei esta narrativa, com algumas diferenças, em
http://www.ffam.pt/docs.asp?id_menu=135
Dizem ser uma 'fábula polaca').
Bonito o que conta.
ResponderEliminarA poesia é engraçada!
Sim, Isabel, o que conto é verdadeiro e também acho bonito. A família é grande e, quando nos juntamos todos, há sempre muitas vozes e ruídos, mas, quando pedimos à minha mãe para dizer os versos, faz-se silêncio!!!
ResponderEliminarUm beijinho e uma tarde feliz
M.