sexta-feira, 2 de maio de 2014

Casa assombrada



O céu estava coalhado de nuvens pardacentas. O ar gelava. A noite aproximava-se e não se via ninguém na rua ladeada de árvores despidas e negras. No silêncio parado, irrompeu o ruído de um carro, parando junto da porta do casarão, quase sempre fechado. O silvado cobrira os muros altos, isolando a casa. Todos diziam que lá não morava ninguém e contavam-se histórias sobre os habitantes que há muito tinham morrido, mas que, por muito amarem aquela casa e por muitas paixões guardarem, não tinham desaparecido. Porém, o único indício de vida, percebido do exterior, era o carro que, de repente, entrava e saía pelo portão que batia de forma assustadora.
Engolido o carro, tudo voltava ao silêncio.
Numa noite, houve um outro sinal: saía fumo de uma chaminé.
Aproveitando a minha invisibilidade de autora da história, entrei porque o frio era muito e também não gosto de ficar a espreitar aquém dos muros.
As sebes do enorme jardim estavam desgrenhadas e ressequidas; as árvores erguiam-se nos seus troncos retorcidos, sustentados por raízes irregulares e salientes; algumas rosas vermelhas haviam murchado em botão, as heras trepavam, cobrindo  grossas paredes em ruínas.
Porém, no centro do jardim, erguia-se uma pequeníssima estufa envidraçada. As suas paredes de vidro deixavam ver aveludadas e viçosas rosas amarelas. Era o único sinal de cuidado naquele espaço sem mimo de mão humana. Ao cimo das escadas de pedra, ouviam-se vozes quase murmuradas. De repente, uma porta rangeu, saindo uma bela mulher de rosto palidamente entristecido. Desceu as escadas e dirigiu-se à estufa. Colheu um ramo de rosas e voltou a entrar em casa. O murmúrio estalou de novo.
De repente, as nuvens ganharam movimento e houve um pouco de luar. Sem se ouvir qualquer ruído, a mulher desceu as escadas de granito, trazendo um ramo de rosas secas na mão. A noite foi devolvida às trevas. Sem estrondo da pesada porta exterior, a mulher saiu num ápice, tal como tinha entrado. Nenhuma luz se via. Apenas o fumo da chaminé continuava voando.
De madrugada, a luz da lua iluminou as flores murchas. A seu lado, podiam ver-se, jazendo no chão, umas pesadas correntes.

Jan. 2012

6 comentários:

  1. Minha boa amiga,

    Este texto lembra-me Edgar Allan Poe! Muito misterioso!... Acho que podias continuá-lo. Que(m) poderá desta sinistra casa sair?

    beijinho e bom FDS!
    IA

    ResponderEliminar
  2. Julgo que escrevi este texto depois de uma visita à CS, em Viana do Castelo. recordo-me de termos falado de histórias sobre uma casa próxima, onde não vivia ninguém. Nesse dia, pareceu-me ver o fumo a sair da chaminé. Sem qualquer mistério, com certeza.

    Revisitei agora o texto e fiz algumas mudanças. Pode ser que siga a tua sugestão. Obrigada.

    Um abraço
    M.

    ResponderEliminar
  3. também gostei muito de o ler! beijinho

    ResponderEliminar
  4. Obrigada, linda, tenho mesmo de o continuar, então!

    O pior é se as "correntes" se perdem.

    Um beijinho
    M.

    ResponderEliminar
  5. Li e reli e voltei a ler. Quero mais, D.
    Abraço
    clemie

    ResponderEliminar
  6. Obrigada, Cemie, tenho mesmo de continuar, então.

    Abraço

    M.

    ResponderEliminar