domingo, 4 de julho de 2021

Leitura quente

 

Ultimamente tenho lido alguns livros e é um prazer para mim poder fazê-lo. Assim como lê-los do princípio ao fim. Às vezes, deixava-os a meio, mas agora tento não o fazer. Assim, fica mais completa a história que é contada, e também o modo como está escrito, o que também considero muito importante.



Pois bem, acabei de ler O processo Violeta de Inês Pedrosa. Não posso dizer que o romance me encantou, mas gostei de muitas das suas 230 páginas. Nelas, é contada a história de Ildo e Violeta, um par amoroso, mas não convencional. Paralelamente, cruzam-se diferentes realidades: vícios frequentes no jornalismo, mães solteiras que vivem para os filhos, relação pais-filhos, desamor no casamento, bulying, racismo, amor entre pessoas com idades muito diferentes, etc.

Talvez a autora/narradora tenha tido o desejo de concentrar e explicar muitos factos atuais, o que nem sempre se integra no texto da forma mais natural, embora acrescente informação face à história narrada e que decorre nos anos oitenta do século XX.

 

Deixo um pequeno excerto de uma das páginas finais do livro.  Ildo fora criado com a mãe. O pai, um toureiro famoso de quem herdou a mesma paixão, abandonara-o para viver a sua vida de prazer e glória. No excerto, Ildo já atingiu a maioridade e o diálogo com o pai era mais frequente.

 


Boas leituras e bom domingo!

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Na cidade com mar ao fundo

 

Fui à cidade com mar ao fundo

Onde se ouvem pregões:

'Sardinha do nosso mari',

grita-se a plenos pulmões.


E a voz da peixeira

apregoava o seu cabaz;

eu invejava aquela força

de que gostava  ser capaz!


Estava eu a pensar nisto

e então que vejo eu?

No carro, havia uma multa

e um furo no pneu.


Eu ouvia a apregoar

a frescura do belo pescado,

mas, como ia eu mudar

aquele pneu furado?

 

Uma cidade em obras

que gosta bem de multar!

Podiam compreender

como é difícil estacionar.

 

Mas se pago o seguro

que dele tire vantagem.

Por isso pedi ajuda

à assistência em viagem.

 

Logo hoje que queria 

ir ao fundo ver o mar,

tive de estar à espera

que o pneu viessem mudar.

 

E enquanto esperava,

eu ia pra mim pensando:

a gente pensa uma coisa

mas faz outra mais urgente

porque assim é o nosso mundo;

o que vale é que o mar,

mesmo sem apregoar,

continua lá ao fundo!

 

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Com elas, também se aprende a voar.

 

Postais e texto enviados pelo Clube das Histórias

 

'As bibliotecas são como aeroportos. São lugares de viagem. Entramos numa biblioteca como quem está a ponto de partir. E nada é pequeno quando tem uma biblioteca. O mundo inteiro pode ser convocado à força dos seus livros.

Todas as coisas do mundo podem ser chamadas a comparecer à força das palavras, para existirem diante de nós como matéria da imaginação.

As bibliotecas são do tamanho do infinito e sabem toda a maravilha.”

 

Valter Hugo Mãe





terça-feira, 29 de junho de 2021

A peça no exaustor

 

Com a casa fechada, o exaustor tinha estado parado durante longos meses. Ela premiu o botão para ver se funcionava e logo ouviu um forte ruído. Parecia que havia uma peça solta. O melhor era chamar alguém que entendesse da matéria, não sem antes experimentar outra vez. O mesmo ruído forte de peça solta. Tinha quase pavor a eletrodomésticos sem uso e com barulhos esquisitos. Ligou para o número que tinha.

Veio o técnico. Olhou, observou, desmontou uma parte mas o ruído continuava. Tem que ter paciência. O exaustor está bom. É falta de uso.

No dia seguinte, ela ligou de novo o exaustor. Outra vez a mesma peça aparentemente solta e o forte ruído. Tem de haver uma razão. O melhor é chamar outro técnico que saiba mais do assunto.

E veio. Desmontou, desaparafusou, levantou, espreitou... Não é peça solta do exaustor, não. É isto. E mostrou o esqueleto ressequido de um pássaro.

Mais valia que fosse uma peça solta, disse ela horrorizada.

Ele sorriu, com a indiferença da habituação.

 

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Fotos

 

Conheço várias pessoas que não gostam de ver fotografias antigas. Ou por saudade de outros tempos, ou por aversão a dias vividos, ou por questões que só cada um conhece...

Quando vejo álbuns antigos, habitualmente acho que as pessoas que conheço eram mais bonitas. E mais magras. E mais ágeis. E mais risonhas. E mais felizes. E mais saudáveis.

Porém, quando vejo as fotos daqueles que amo com ar triste, não consigo demorar nelas o olhar e é grande a vontade de rasgar aquele papel grosso e, quase sempre brilhante, que gravou o momento, sem dó nem piedade, retirando-lhe o brilho da alegria.

Como se fosse possível rasgar pedaços menos felizes do passado e esquecê-los, pondo-os no contentor.

Pensando que é possível fazer a reciclagem do tempo e de muito que ele traz.  Ou já trouxe.

 

domingo, 27 de junho de 2021

Gostava de os entender. E a elas também.

 

Quando os oiço logo de manhã cedo, ou em fins de tarde perfumados, cansados e mornos, fico a ouvi-los. São tantos os pássaros. Vejo uns, oiço outros, alguns escondem-se entre a folhagem irrequieta das árvores.

Se comunicam, o que dirão eles? Exprimirão alegria. Ou tristeza. Ou nem uma coisa nem outra. Ou discutem. Ou zangam-se. Ou rejubilam. Ou namoram. Ou cantam somente porque gostam e têm voz para cantar. Ou por qualquer razão que escapa à vista e ao ouvido dos humanos.

Saltam, voam, brincam... Sempre a emitir sons. A chilrear. A gorjear. A piar. A pipilar. A trilar. A trinar.

Gostava de os entender.

Mas como será possível, se até entender as pessoas é tão difícil?!

 

 

sábado, 26 de junho de 2021

Com mar ao fundo

 

Chegou  à pequena cidade com mar ao fundo. Levaram-na lá  limpezas de antes das férias de verão. Na cidade, havia obras e as casas eram invadidas pelo pó. Tal como pelo sal nos dias invernosos com vento norte. Começaria pela varanda. Pôs água e detergente no balde. Abriu a persiana. E ainda mais um pouco para poder entrar e sair à vontade e deixar passar mais luz. As cortinas estavam num montinho para lavar e, se calhar, guardar. Até as janelas preferia libertas.

Antes de começar a limpeza, olhou para o mar, cintilante, lá ao fundo. Voltou a olhar e saiu. Como estava sozinha, não tinha que dar explicações. Desceu a rua, devagar, até ao fundo, onde se estende o mar. Quase tinha a certeza que a chamara. Só não viu se lhe acenava. Não gostava de exagerar.

 

 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

'Atrás da porta'

 

Não, não mantive o livro atrás da porta, nem fechado em cima de qualquer mesa. Abri-o e li-o no último fim de semana. Lê-se depressa. São 14 contos e 123 páginas, com muitos espaços de respiração.  A autora é Teolinda Gersão, portuguesa e premiada pela sua obra, nomeadamente de contista.


Quase na abertura do livro, como se fosse um azulejo sem adornos que se põe na porta de casa para o visitante saber ao que vem, pode ler-se:


Gostei logo deste início.

Alinho agora uns fios (sem querer chegar ao fim do novelo) de alguns dos meus contos preferidos:

- Um dador de esperma imagina, em diferentes momentos, que pode ser pai de muitos e muitos filhos pelo mundo (O dador).

- Um funcionário evade-se, olhando pela janela, de uma conferência chata de formação contínua. Os seus olhos poisam num lago, no qual nunca tinha reparado, onde aves poisam também (As gaivotas).

- Um homem revela-se ao psiquiatra no sentido de saber se é realmente louco (Atrás da porta).

- Um filho sai, zangado, de casa, mantendo-se ausente durante largos anos. Os pais, com a ajuda de outras pessoas da aldeia, vão visitá-lo a Lisboa, sem o avisar. Nesse dia, é festa de aniversário. As crianças abrem a porta e confundem os avós com outras pessoas de quem todos estão à espera (Visitando um filho).

- Um jovem vive em família, constituída por mulheres : mãe, irmãs, tias, avós, criadas (não gosto da palavra, mas é a palavra usada). Começa a sentir o pulsar sexual e há noites, escondidas das demais habitantes da casa, que se acendem (A terceira mão).

- Um homem vai a um almoço urgente a pedido de um filho. Para o carro e entra num café para saber que estrada seguir. Começa a conversar, a beber, vai ficando e o tempo também vai passando. E o que estava na memória também (Labirinto).


Bom dia e boas, destas ou de outras, leituras!