quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Imaginação













Júlio Resende

Impressão Digital

Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos,
Não vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
Uns outros descobrem cores
Do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
Onde passa tanta gente,
Uns vêem pedras pisadas,
Mas outros, gnomos e fadas
Num halo resplandecente.
Inútil seguir vizinhos,
Querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Júlio Resende





Ouvi há pouco a notícia de que tinha morrido o Mestre Júlio Resende. Apesar de ele ter tido uma longa vida, é uma grande perda porque era um homem de grande sensibilidade e sabedoria, para além de um incansável e genial pintor. Os meus fracos conhecimentos de pintura apenas me permitem dizer que gosto muito dos seus quadros, das cores utilizadas, da expressividade dos rostos dada em poucas pinceladas, do mistério da natureza que nos aguça o olhar…

Sempre gostei de ir ao Lugar do Desenho, em Gramido, Gondomar. Os canteiros floridos à entrada revelam logo um lugar de calma e de criatividade. Gosto de ir lá e de ver as exposições quase sem ruído e devagar. Às vezes, a música clássica de fundo revela ainda mais o oásis que é aquele espaço. Procuro circular sem pressas, parando para ler as mensagens escritas, junto aos quadros, sendo aquelas também da autoria do Mestre. Os textos revel(av)am um olhar curioso perante o mundo que provoca(va) encantamento. A prová-lo estão as viagens e as obras daí resultantes.

Um dia, fui com alunos ao Lugar do Desenho. Para além da visita de estudo, pretendíamos uma entrevista com o Pintor para ser publicada no jornal da escola. Nunca mais esqueci o carinho com que o mestre Júlio Resende falou aos estudantes e aos professores. Era profunda a sua preocupação com a Educação – fundamental na estruturação da vida humana.

Julgo que bastantes Gondomarenses ainda não descobriram a importância do Lugar do Desenho. E, no entanto, Gondomar, bem perto do rio Douro, foi o espaço escolhido pelo Pintor para viver, trabalhando lá à luz de muitas madrugadas.

Júlio Resende deixou inúmeros quadros, azulejos..., assim como belas palavras. Com a sua vastíssima obra, o mundo ficou mais belo. E talvez mais educado, como o Mestre também mostrava querer.

Sei que estas notícias nunca abrirão telejornais


Sei de uma professora que teve um cancro e deu aulas até ao fim do período escolar para não faltar. Vivendo sozinha, guardou para ela e para o médico a doença. Sabia que se falasse dela, começaria a chorar e aumentaria a sua tristeza, o que não seria bom para ela nem para os outros. Agora, vencida a doença, chora de alegria pelo facto de poder voltar à escola. O seu caso nunca abrirá um telejornal. Se faltasse muito, talvez.

Sei de uma professora que escreve histórias que lê aos seus alunos. Imprime-as em casa, a cores e com imagens que escolhe criteriosamente. Alguns dos seus alunos aprenderam, assim, a gostar de ler e de escrever. Se fosse desleixada, alguém falaria dela nas televisões.

Sei de uma professora que alojou em sua casa um aluno com graves problemas familiares. Ela e o marido ajudaram-no a recuperar e a acreditar em melhores dias. Se o caso não tivesse tido um final feliz, seria publicitado.

Diário de Mariana

21 de setembro

Querido diário,

Hoje almocei pela primeira vez na escola. À minha frente, erguia-se uma palmeira. Pelo tronco, já deve ter muitos muitos anos. Soube depois que se falasse era o ser vivo que na escola saberia mais segredos. É uma árvore tão importante que até a conservaram no meio das obras. Enquanto a escola era mais pequena e menos moderna, havia uns bancos, à sua volta, onde os alunos se sentavam. Os segredos eram sobretudo dos namorados. Já me contaram que muitos alunos choraram junto da palmeira e fizeram muitas promessas de amor. Eu nunca me apaixonei mas espero que haja, depois das obras, uns banquinhos. Sei lá se um dia também lá estarei abraçadinha. Só espero é que se isso acontecer não esteja tanto calor como tem estado.

Enquanto olhava para a palmeira, vi ao meu lado uma professora a escrever no computador. É fixe haver espaços grandes na escola, mas as professoras mais velhas, coitadas, têm de dar saltinhos nos degraus mais altos dos monoblocos. De idades diferentes já há bastantes professores de mochila. De mochila e de rabo de cavalo é que eu ainda não vi.

Gosto de olhar e de observar as pessoas. Um dia, ouvi dizer que isso era próprio dos escritores. Por acaso até gostava de escrever mais, mas como é que eu posso? Mariana, faz os trabalhos; Mariana preciso que me ajudes; Mariana, atende o telefone; Mariana, vai ver quem está a bater à porta; Mariana, vai a casa da avó, Mariana…

Ao menos a palmeira está quietinha a observar tudo sem sair do sítio. Eu gostava era de ter ouvido o que ela já ouviu. Devia dar muitas páginas de diário. Ai não!

Beijinhos, querido diário

Mariana

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Diário de Mariana

20 de setembro

Querido diário,

Habitualmente ando bem disposta mas hoje sinto-me assim-assim. Eu acho que é por ver a minha mãe um pouco melancólica. Eu até lhe perguntei: mãe, por que andas assim? E ela: Mariana, deve ser do outono. Do outono, perguntei eu, admirada. Pois é, Mariana, verás que as mudanças nas nossas vidas não se dão de repente. É como as estações do ano. Ai, mãe, parece Filosofia disse-lhe eu.

Mas fiquei a pensar como é grande a influência do estado de espírito sobretudo das mães sobre os filhos. Estou a falar bem, não achas? E para fazê-la rir, disse-lhe assim: ó mãe, lembras-te daquela tua aluna que te disse que tinhas de sair à noite para ficares bem disposta?

Ai, Mariana, só tu, respondeu a minha mãe. E assim durante um bocadinho não pensou no outono e não sei quê. Outono, com este calor? A minha mãe havia era de ter aulas no monobloco onde eu passo muitas horas da minha vida.

Muitos xis (a minha mãe também diz assim quando me escreve ou às minhas irmãs), querido diário.

Mariana

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

De manhã / "De tarde"

Hoje, tive uma turma do 11º ano. Era a primeira aula do ano letivo. Falámos do que é habitual nesta altura: conteúdos, critérios de avaliação, visitas de estudo...

Ora, ao enunciar os textos/as obras a estudar, escapou-me um poeta fabuloso que é Cesário Verde. Como se não bastasse o facto de a sua obra ter sido por muitos ignorada durante a sua (curta) vida (1855-1886). Felizmente, um amigo, reconhecendo o valor da obra poética que tão bem conhecia, possibilitou a sua publicação e divulgação.

Gosto muito das pequenas histórias que os poemas de Cesário contam. E dos quadros pintados por palavras, sendo frequente a abundância de sensações (visuais, olfativas, tácteis...).

Para me redimir do esquecimento, li, no final da aula, aos alunos, um poema de Cesário. Embora fosse de manhã, pareceu-me que houve uma boa adesão à luz vinda "De tarde".


"De tarde

Naquele «pic-nic» de burguesas,

Houve uma coisa simplesmente bela,

E que, sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão-de-bico

Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro das papoulas".

Cesário Verde