domingo, 19 de maio de 2024

Mais um problema para alguns professores

 

Felizmente aconteceu-me poucas vezes, mas houve alturas em que ouvi alunos a dizer: ‘Eu digo o que eu quiser, porque há liberdade’

Para responder com eficácia nessas ocasiões, não há modelos e mesmo o que se diz pode ser bom para uns e o contrário para outros, o que é natural.

Continuo a ter muito mais dúvidas do que certezas sobre muitas coisas e sobre esta também. Como vivi também no tempo em que não havia liberdade de expressão, defendo que esta tem de existir, mas deve haver o cuidado de não se ofender nem amesquinhar seja quem for.

Isto tem a ver com o que se passou recentemente na Assembleia da República, cujo presidente defendeu que tudo pode ser dito na ‘Casa da Democracia ‘, uma vez que há outros escrutínios.

Como houve bastante ruído em relação a este episódio, JPAB já argumentou em sua defesa, mantendo a posição tomada. Ele estará no seu direito, mas, na minha opinião, crescerá o número de alunos a afirmar: ‘Posso dizer o que eu quiser, porque há liberdade’. 

Se tal acontecer, esses professores sentir-se-ão mais indefesos e sós. Viver em liberdade é um dos maiores bens humanos, mas ver pessoas tristes não celebra o seu sabor.


sábado, 18 de maio de 2024

Hoje comecei o meu dia a olhar flores

 




Ainda não eram oito da manhã quando saí de casa. Minutos depois, noutro espaço, onde vivem muitas árvores,  podia olhar e fotografar algumas flores - que estão ao sol e à chuva. E as rosas, apesar de mais imperfeitas e rugosas do que as de estufas, têm perfume e as cores são vivas.
E há pequenas margaridas a irromper na relva com muitas ervas daninhas à mistura. 
E há um banco comprido que chama para um pouco de descanso, mas que não é ouvido e continua só a maior parte do tempo. Quando está vento, as camélias dançam e fazem-lhe festas nas costas.
Chuviscava e afastei-me.
Quando voltei a casa, vi as fotos. E sentei-me no banco comprido com o olhar mais descansado.


quinta-feira, 16 de maio de 2024

Quem fala assim não está afónico!

 

Tenho seguido, ainda que de forma intermitente, o caso da exoneração de Ana Jorge da Santa Casa da Misericórdia. 

Tinha visto a entrevista com a ministra do trabalho e solidariedade em que disse e repetiu que a ex-provedora não tinha feito nada no cargo e a acusava de inação. Falava de rosto fechado, com secura e ar cáustico de justiceira.

Vi depois Ana Jorge a defender-se com muitos números à mistura, muita citação de documentos, tudo com alguma lentidão, o que já mostrou ser característica sua, como é fechar os olhos de vez em quando, o que não a revela desempoeirada, ainda que séria.

Fiquei com curiosidade e quis ver e ouvir as explicações da atual ministra. E, pelas seis da tarde, estava eu no sofá, com um trabalhinho nas mãos, para ver e ouvir o que pudesse. 

Aparece então a ministra, saúda ‘afavelmente’, como referiu, os interlocutores, diz que está constipada e pode ficar afónica e expõe longamente factos, documentos, números, etc, que incriminam Ana Jorge e, no seu entender, justificam a exoneração.

Retive sobretudo a forma veloz de se expressar, a capacidade de argumentar durante umas duas horas, sempre a encostar com força a ex-provedora às cordas. Havia momentos quase de êxtase crítico do poder, embora tivesse dito que sabe que este é finito.

Não vi tudo, mas não me lembro de ouvir referir uma única coisa que a ex-provedora tivesse feito bem. Quem fala assim achará que é perfeito e devem-lho ter incutido desde tenra idade. 

Crucificar assim alguém na praça pública, ainda que tenha cometido erros de gestão, nem parece de alguém em cujo título está a palavra solidariedade.

No final da audição, referiu, ufana e vigorosamente, o nome do novo provedor da Santa Casa, como um trunfo que só ela detinha. Minutos depois, era noticiado que  o nomeado, Paulo Alexandre Sousa, já teve problemas num banco onde trabalhou em Moçambique, tendo tido uma sanção pesada.

Uma Santa Casa de santos ou pecadores?



Nota de hoje, 6a f:

Dizem as notícias que, após recurso, o tribunal deu razão ao provedor agora nomeado. 

Vá-se lá saber a razão de tal trabalho num banco em Moçambique ter sido omitido pela ministra no currículo que evidenciou do provedor. 

Se me permitem a ironia: isso ficou por dizer por causa da possível afonia!



terça-feira, 14 de maio de 2024

O aeroporto e a churrasqueira

 

Estive a ver as notícias sobre o anúncio da construção do novo aeroporto e, logo a seguir, passou uma reportagem em Alcochete, local escolhido para o efeito. As pessoas interrogadas mostravam agrado pela escolha e estavam confiantes sobre o desenvolvimento mais que provável que o aeroporto traria consigo. Num diálogo curto com um habitante, o jornalista perguntou se não o incomodaria o ruído dos aviões e logo se ouviu a resposta: que não, de maneira nenhuma.

Ora, recuei umas dezenas de anos e dei comigo no apartamento onde vivi durante os meus primeiros cinco anos de casamento. Um dia, tivemos a notícia de que em breve haveria uma churrasqueira na loja que dava para a rua, mesmo por baixo do nosso apartamento. Ficámos radiantes. Quando chegássemos tarde do trabalho ou não apetecesse cozinhar, o problema estava resolvido. 

Pois bem, a churrasqueira abriu e a alegria continuava. Não sabíamos era que essa alegria seria breve. Os dias foram passando e o fumo voando e passando na minha varanda. O tempo não contemplava as exigências atuais, por isso o cheiro e o fumo mantinham-se e circulavam à vontade. O meu dia mais feliz da semana passou a ser a segunda-feira porque a loja estava fechada.

O tal senhor de Alcochete, que diz não se importar com o ruído dos aviões, ainda  vai poder desejá-los durante muito tempo, porque construir um aeroporto não é a mesma coisa que abrir uma churrasqueira.

Se não for vegetariano, ainda poderá comer sossegadamente muitas vezes frango no churrasco. E o melhor é aproveitar enquanto não chegam os ruídos dos desejados, porque não faltará ocasião para dizer, enquanto tapa os ouvidos: parem  de chatear o Camões!


segunda-feira, 13 de maio de 2024

Por falar em cores

 

Desde que me conheço, em nossa casa sempre vi entusiasmo pelo FCP. Já casada e com filhas adolescentes, cheguei a ser sócia e a assistir a alguns jogos. Eu própria me surpreendia com o entusiasmo que exteriorizava e me fazia levantar bem alto o cachecol azul e branco que levava comigo e que se juntava a tantos outros na cor e calor da festa.

As minhas filhas iam também muitas vezes aos jogos e era vê-las muito jovens, alegres e bonitas com os cachecóis azuis amarrados à cintura.  Com o tempo, elas  foram perdendo o entusiasmo e agora só sabem aquilo que os media anunciam, repetem e toda a gente conhece. 

No meu caso, há anos que não vou ao Dragão nem a outro campo qualquer, mas continuo a ser adepta do FCP - um pouco como quando se diz ‘sou católico mas não praticante’. Nem sequer conheço o nome de todos os jogadores, mas as vitórias do FCP continuam a dar-me alegria.

Porém, estas feias macacadas muito faladas recentemente - embora já muito antigas - e ontem ainda mais divulgadas envergonham - ou deviam envergonhar - quem as pratica e quem as apoia. Infelizmente uns e outros já estão tão habituados a esses esquemas de ilícitos lucros dourados que nem param para refletir ou mudar.

Ainda bem que algumas coisas poderão mudar com a nova direção do clube, mas vai ser tarefa muito difícil porque árvores muito enraizadas custam a arrancar.

E como seria bom, mesmo arrumados os (meus) cachecóis, ter a alegria de ver o clube sem esta péssima, continuada e alargada macacada de ‘bilhetes dourados’. Seria oiro sobre azul.



sábado, 11 de maio de 2024

A bela aurora

 

Estas fotos chegaram-me agora de Londres, onde também as belas cores róseas da aurora boreal foram vistas há poucas horas, tal como cá em Portugal.

Pelo que li, esta tempestade solar poderá tornar-se ainda visível durante o fim de semana. Vou tentar olhar o céu.





quarta-feira, 8 de maio de 2024

Ontem foi um dia em cheio!


Ontem, dia 7 de maio, o dia nasceu com o sol a brilhar. E entrou no Auditório Municipal de Gondomar através de grupos de meninos e meninas do primeiro ciclo ao ensino secundário, acompanhados por professores e pelos responsáveis pelas Bibliotecas dos diferentes agrupamentos do concelho de Gondomar.

Todos ali estavam para o Primeiro Concurso concelhio de Leitura. Cada aluno  participante tinha escolhido um livro e alguns objetos ligados à respetiva história. A prova consistia na leitura de um excerto da obra e na argumentação a partir do seu conteúdo e dos objetos selecionados.

Tive o privilégio de fazer parte do júri e de assistir de perto a todas as provas, vendo o nervosismo de alguns alunos, a segurança de outros, o à vontade de outros tantos, a preocupação de todos em cumprir bem a função…

E foi bonito, na parte da manhã, ver chegar ao palco, por ordem crescente, o grupo do primeiro ciclo e logo a seguir os participante mais crescidos do 2o ciclo. Todos com o seu livro, os seus objetos, a sua vontade ativa de participar.

O dia ia crescendo e, à tarde, subiram ao palco os concorrentes do terceiro ciclo e ensino secundário. O entusiasmo não parou de aquecer e iluminar a sala onde decorria a atividade que havia sido pensada e organizada ao pormenor. Com todo o cuidado e amor pelas causas da Cultura e da Educação.

E considero que foi um dia em cheio, porque todos aprendemos um pouco mais: os alunos que foram os protagonistas, os professores que os ajudaram, os pais que amorosamente estiveram presentes, os organizadores que novas atividades poderão sonhar, o staff que apoiou para que tudo corresse bem no lugar e no momento certo…

Todos os alunos participantes tiveram um prémio oferecido pela CMG. Os prémios maiores foram para os três alunos que o júri distinguiu (tarefa tão difícil!) em cada um dos ciclos. E foi animador ver as crianças e jovens, felizes, em palco com o seu prémio e diploma pelo desempenho que irradiou de um livro e de trabalho conjunto. 

Um dos jovens terminou a sua prova de argumentação com a palavra Esperança. Oxalá o sentido dessa palavra também se escreva e leia num futuro em cheio.








segunda-feira, 6 de maio de 2024

Para si, minha mãe, Rosa!


 




quinta-feira, 2 de maio de 2024

A palavra lento nunca andou tão depressa

 

Desde que o prof Marcelo, em momento de descompressão comunicativa, como tantas vezes lhe acontece,  atribuiu o adjetivo lento ao ex-primeiro ministro António Costa, por ter raízes orientais, e incluiu rural na caracterização do 1o ministro atual, por não ter nascido nem em Lisboa nem no Porto, tem sido um ver se te avias para estas duas palavras. Foi como se se tivessem escapado de um saco onde estavam à espera de sair para (se) divertirem um pouco mais.

Ele é ‘sabes como é, sou oriental, por isso sou lento’; ‘desculpa, sou rural, daí não se ter percebido bem o que disse’, etc, para não falar de anedotas que logo aparecem e que nos fazem rir - coisa de que bem precisamos.

Mas o que não suscita bom humor, na minha opinião,  é ouvir a mais alta figura da nação caracterizar as pessoas pela terra onde nasceram. 

Sr Presidente, sente-se bem? Será que nascer em Cascais aponta logo para a primeira linha? Ai, senhor presidente, cá para mim, rural porque nascida numa aldeia de Gondomar, o senhor padece da solidão do poder e quando se apanha com muita gente à frente, as palavras saem-lhe sem controlo.

Confesso que não votei em si, mas não gosto que o acusem, como aconteceu num dos discursos do 25 de Abril, com desventuradas e gritadas palavras,

Desculpe, mas também deve evitar falar do neto preferido, ou do seu famigerado filho com quem cortou relações. Também acho que ele o deixa ficar mal e tem comportamentos de caixão à cova. Ah, e ele também deve ter nascido em Cascais. Como o classifica quanto a isso?

Ai, senhor presidente, muita gente, na qual me incluo, anda cansada de tanta coisa que é dita, redita, desdita…por si e não só, apesar de a maioria de nós, cidadãos, não querer outro regime que não seja o democrático.

Sente-se um bocadinho, tente ser um bocadinho mais lento, ainda que não seja oriental, e imagine-se um bocadinho rural, ainda que tenha nascido na zona privilegiada do país. Pode estar certo de que muita gente continua a gostar de si  e não faltarão pessoas a querer ficar nas suas selfies.

Ah, é verdade, um dia destes ouvi Ana Paula Tavares, no podcast ‘A beleza das pequenas coisas’. Retive uma frase que ela disse ‘A velhice tem-me ensinado a virtude da lentidão, ajuda a sermos mais perfeitos e a termos mais  atenção pelas coisas’. 

A poeta e professora nasceu em África. Nem lhe pergunto como a classificaria por isso. Nem o senhor presidente responderia porque todos nós, sejamos lentos, rurais ou o que quer que seja, temos outra grande virtude: podemos aprender até morrer.


quarta-feira, 1 de maio de 2024

O primeiro Primeiro de Maio

 

Estava um belo dia de sol e todos nós ainda estávamos tomados pela surpresa festiva do 25 de Abril de 74, pela estupefacção perante ruas que se enchiam espontaneamente quando, até aí, qualquer pequeno grupo era entendido como subversão.

Quando chegámos ao Porto, nesse primeiro Primeiro de Maio, a grande praça, diante da Câmara Municipal, enchia-se de gente, de bandeiras, de cartazes, de palavras de ordem, de cravos vermelhos, de canções revolucionárias, de alegria, etc.

Era o tempo das calças à boca de sino, de grandes bigodes, de cigarros, de muito espanto perante o que estava a acontecer.

Não sei se fomos de mão dada ou de braço dado, mas tenho bem vivo e presente o mar de gente que tinha vindo até ali, porque as amarras que até aí apertavam e magoavam davam sinais de se desatarem, mesmo para quem não tinha consciência política.

Não esquecerei nunca aquela tarde de sol e de festa do primeiro Primeiro de Maio celebrado no país.

Cinquenta anos depois, não irei para a rua, mas saber que podia ir em Liberdade é sinal de que o 25 de Abril  e o primeiro Primeiro de Maio valeram a pena. 

Oxalá a Festa verdadeira possa continuar.


domingo, 28 de abril de 2024

A natureza no seu esplendor - em Kew Gardens, Londres!





Hoje procurei -te na cidade com mar ao fundo

 

Sabia que estavas lá 

Mas bem mais próximo do que há uns anos

Em que os comboios se enchiam de jovens para mergulhar em ti

No calor da idade e do verão 

Agora aproximas-te cada vez mais 

Quando tantas pessoas se afastam umas das outras

Talvez porque se sentem também afastadas

E não ousam aproximar-se

Com medo de mais um desencantado afastamento


Hoje procurei-te 

E sabia que estavas lá 

Com todas as pedras para que não avances mais

Havendo certeza de impossíveis recuos.


É muito difícil dizer amo-te

Mas abeirando-me de ti

Quero pedir-te

Que não te aproximes mais

Porque o amor não é invasão 

Eu sei que estragámos 

E continuamos a estragar muito do que te engordou

Fazendo-te penar

Peço-te desculpa pela parte que me toca

Mas não impeças ninguém de te vir visitar 

No lugar em que tu moras

Sem extravasares marés de culpabilidades

Ao fundo desta cidade pequena e ‘rural’


Perdemos muita coisa ao longo da vida

Mas a liberdade de te olhar onde moras será um ganho

Que nos ensinará a proteger-te e a dizer mais facilmente 

‘Amo-te, Mar!’


sábado, 27 de abril de 2024

A favor de mim falo e não só, é claro!

 

O título parece um tanto vaidoso, porque o mais comum é dizer-se ‘contra mim falo’. Há dias que penso nisto e hoje resolvi arriscar, não só a pensar em mim, mas em muitas mulheres do meu tempo (não gosto desta expressão, mas à falta de melhor…).

Pois bem, antes do 25 de Abril, a grande maioria das raparigas não prosseguia estudos para além da 4a classe e bastantes até ficavam aquém desse ano de escolaridade. Umas porque tinham de trabalhar para a família, outras porque o destino da mulher seria aprender a ser boa dona de casa e a ser cuidadora - dos filhos, do marido, dos mais velhos… e para isso entendia-se que não eram precisos estudos. O pensamento do governo vigente era até que quanto menos se soubesse, mais submissão  (palavra que detesto) havia, o que dava bastante jeito à ditadura.

Aqui entra a D. Lucinda, a minha professora da 4a classe que muito insistiu para que eu continuasse os estudos. De nada valeu, mas desse elogio nunca me esqueci. E talvez ficasse a germinar, porque uns anos mais tarde retomei os estudos e, felizmente, com sucesso, porque concluí o meu curso na Faculdade de Letras do Porto.

Conheci outros casos que, como eu, apesar de os estímulos serem escassos, não desistiram do sonho de  estudar e fazer outras coisas de que também gostavam e a que tinham direito por mérito próprio. 

Porém, não foi nada fácil sobretudo frequentar turmas em que os outros alunos eram muitíssimo mais novos, fazer exame no liceu em que tudo era desconhecido, etc, mas até à Faculdade, a cujo exame de admissão dispensei, cada aprovação era um passo em frente e um obrigada tácito à minha professora por ter acreditado em mim, ajudando-me a acreditar também mais um bocadinho, num tempo em que o elogio era fugidio, para não dizer ausente.

Talvez por causa disso, às vezes na minha vida sinto ter chegado tarde, mas fui chegando a algumas coisas para as quais não parecia estar predestinada, digo para mim própria em horas de mais otimismo.

E tantos casos houve semelhantes ao meu, sobretudo de raparigas que gostavam de ter continuado a estudar, mas não o puderam fazer na devida altura, faltando-lhes a força de recomeçar mais tarde e tornando a sua vida bem mais triste.

Felizmente, para além de falhas e erros, todas as crianças e jovens têm o direito e o dever de frequentar a escola, um dos maiores bens que o 25 de Abril nos trouxe. E, apesar do cansaço justificado de muitos professores, o trabalho educativo que se faz nas escolas é imenso e com imenso amor. Mas tantas vezes desconhecido. O que vale é que o estímulo fica em muitos alunos, como também me ficou o da minha professora da 4a classe.


sexta-feira, 26 de abril de 2024

Era uma vez na Alemanha


Antes do 25 de Abril de 74, era eu menina e moça e a minha irmã também, fomos passar um tempo a uma cidade no sul da Alemanha, onde tínhamos um tio. Estava casado e pertencia então a uma família alemã cujo patriarca era culto, gentil e simpático, com uma larga experiência de vida e que havia participado na Segunda Grande Guerra.
A língua que todos usávamos era a francesa e à noite, ao jantar e ao serão, falávamos de variadas coisas, o que para nós também era novidade, uma vez que estávamos mais habituadas a ver a televisão, na época canal único.
Uma vez, falávamos de Portugal e o velho e simpático alemão referiu a ditadura que então vivíamos no nosso país. A minha irmã e eu, na nossa ruralidade - como diria o prof. Marcelo - reagimos contra essa afirmação. Como no tempo a confirmação de qualquer ideia estava sobretudo nos livros, ele foi buscar uma enciclopédia e leu o excerto que afirmava a existência de uma ditadura em Portugal.
Quando chegámos ao nosso país, o diálogo daquela noite foi-se avivando em muitos momentos nos quais nem reparávamos antes, porque assim tínhamos sempre vivido, sem qualquer discussão sobre o assunto. 
Alguns anos passaram e Abril de 74 floriu e mudou Portugal. De facto, tínhamos vivido numa longa ditadura de 48 anos que se tinha enraizado demasiado ao ponto de algumas ramificações continuarem a existir.
O velho e simpático patriarca alemão já morreu há muito tempo, porque a vida humana é finita. A Liberdade, essa, esperemos que não.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

Um bom sinal? Oxalá que sim.

 

Hoje, no final das celebrações do 25 de Abril, na Assembleia da República, os deputados do PS cantaram

‘Grândola, Vila Morena’ e só as bancadas do Chega e CDS se ausentaram, tendo ficado todas as outras. 

Oxalá seja um sinal de maior união. Se assim for, é bom para a democracia.




quarta-feira, 24 de abril de 2024

Venham mais cinquenta!

 






terça-feira, 23 de abril de 2024

A propósito do pássaro que já não vive na minha cozinha


Hoje cheguei à cozinha 

E não  ouvi o pássaro cantar

Nem esvoaçar na gaiola

Nem baloiçar de alegria


Jazia inerte no chão frio da gaiola

De olhos abertos mas não para a vida que eu queria


Há semanas que somam tristezas

A vida das palavras foge várias vezes

Gravando solidões

No emaranhado triste da interpretação

Do que é dito e do que é calado


E há amanheceres assim

Chega-se à cozinha 

Desejando o cheiro a café acabado de fazer

E vê-se um pássaro morto na gaiola


Como ir ao encontro de um abraço

E ouvir um grito surdo de desilusão 


Abri a janela.

Para um possível e último voo do pássaro

Levado nos braços carinhosos de um anjo 


Fiquei a olhar pela janela

E esqueci - me do café quente.



Os dias têm várias estações, mas não só do tempo!

 

Hoje de manhã cheguei à cozinha e não vi o canário a saltar ou a baloiçar-se alegremente, como de costume. Fiquei triste. Jazia no chão da gaiola. Vivia cá em casa desde a morte da minha mãe. Tinha vivido na casa dela longo tempo. Talvez tivesse morrido de velhice. Nunca gostei de gaiolas, e hoje muito menos. Disseram-me há pouco com um sorriso: Foi ter com a antiga dona. E o sorriso, que também é consolo, soube-me bem. E revi as mãos da minha mãe a pôr bocadinhos de miolo de pão ou pedacinhos de maçã na grade da gaiola.

Ainda tenho bem presentes as imagens de ontem, na Biblioteca da Escola Filipa de Vilhena, no Porto, onde apresentámos, a Cristina Pinto e eu, o nosso livro das Fadas a duas turmas do sétimo ano de escolaridade. Os miúdos mostraram agrado, interagiram, mostraram curiosidade sobre os materiais, etc. Foram momentos bons e felizes.

Sempre que posso, não consigo desligar-me das notícias. E hoje, tal como ontem à noite, fala-se muito dos nomes escolhidos, pelos diferentes partidos, para cabeças de lista das próximas eleições europeias, mas de quem se fala mais é do jovem comentador, atualmente na SIC, para representar o partido do governo. Ainda não tem 30 anos, não tem experiência política, mas são-lhe apontadas virtudes como a da inteligência. E achei piada ao primeiro ministro afirmar que Sebastião Bugalho representa na perfeição os jovens que decidem ficar em Portugal. Porém, acrescento eu, afinal também querem mandá-lo para fora! 

Nunca sabemos como começa, decorre e termina o dia. Espero ver, logo às 8 da noite, na RTP 3, o programa ‘Os filhos da madrugada’ da Anabela Mota Ribeiro. Os convidados nasceram perto do 25 de Abril de 74 e falam da sua experiência de vida. São documentos interessantes e ainda mais nos dias que correm. Para lembrar também que os dias têm diferentes estações e, felizmente, podemos falar delas!


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Aqui se fala de uma menina cujo pai tinha um carro e da Berta que nunca nele entraria

 

A minha escola primária ficava a mais de um km de casa. Eu ia a pé, como a grande maioria das crianças, fizesse sol ou estivesse a chover. E os poucos transportes públicos não entravam sequer na equação. Lembro-me de uma menina cujo pai tinha carro e tempo de a levar e trazer. Só a menina entrava no carro e, mesmo quem morava muito perto nunca tinha a sorte de ter boleia. Havia meninas vizinhas que sonhavam chegar a casa de carro. Nem que fosse só uma vez.

Um dia, vinham duas meninas a pé da escola. Uma delas era a menina cujo pai tinha carro, mas, nesse dia só muito dificilmente chegaria a horas, daí o atraso.  Nisto, o carro do pai da menina parou e ela entrou logo de seguida. A outra menina, sorrindo ingenuamente, dirigiu-se com ela também à porta. Seria naquele dia que chegaria de carro a casa. Porém, a porta logo se fechou e o carro arrancou. A menina viu-o desaparecer e continuou em desconsolo o seu percurso a pé. 

Dentro da escola, as aulas decorriam como sempre. As duas filas da frente eram ocupadas pelas meninas que iam fazer o exame de admissão ao liceu, tal como a menina que tinha entrado no carro do pai e fechado logo a porta sem quaisquer palavras de despedida para a menina que ficará em terra. O grupo  sobressaía pelas batas branquíssimas de entremeios de rendas. 

Nas filas a seguir, ficavam as meninas remediadas, de rostos bastante bem alimentados, mas que não iam continuar a estudar. Seguiriam o caminho das avós e das mães. Nas filas de trás, estavam as meninas mais pobres, algumas delas descalças, mal vestidas e muito magras. Eram as que menos sabiam as matérias e as que mais apanhavam com a régua porque não faziam os deveres e não aprendiam a fazer as contas. Eu estava no grupo das remediadas e numa das filas atrás de mim estava a Berta. Nunca mais a vi depois desses tempos de escola primária antes do 25 de Abril de 1974. Não sei se a reconheceria se a visse agora. Quase de certeza que não. Nem ela a mim. Seria mais fácil o reconhecimento se houvesse o espírito de entreajuda, e não degraus a fechar ou a descer cada vez mais.



domingo, 21 de abril de 2024

O regedor Amado

 

Uma das figuras da minha aldeia, na minha infância, era o regedor. Nesse tempo, nunca lhe conheci o nome. Nem quase ninguém, acho eu. Era o regedor e bastava. Para o baixo mas entroncado, a sua voz forte ouvia-se à distância. Só a calava se queria chegar a qualquer lugar pela calada e assim surpreender o infrator.

 Quase toda a gente tinha medo do regedor, porque ele tinha o poder de dar voz de prisão. Por isso, quem roubava alguma galinha, ou hortaliças dos campos, ou fruta das árvores, ou chamava nomes a alguém, etc. logo se dizia que ia ser chamado ao regedor.

O regedor era casado e tinha filhos. A mulher andava por casa e de avental; os filhos escondiam-se no meio do milho e atiravam pedras. Sabia-se que eram eles mas, como eram filhos do regedor, ninguém os acusava. O melhor era não fazer queixa, porque ele podia ficar zangado, saber de coisas que ninguém sabia, inventar outras e, assim, tramar os queixosos, sobretudo os mais fracos.

O tempo foi passando, chegou o 25 de Abril e o regedor perdeu, naturalmente, a função. Recolheu a casa e quem o via a tratar do quintal dizia que parecia mais pequenino e que a terra lhe tinha colhido a voz.

Poucos anos depois, morreu. Desde que tinha deixado de ser regedor, as pessoas da aldeia chamavam-no pelo nome e, no dia da sua morte, diziam umas às outras: Morreu o Amado. 

Dizem que alguém acrescentou num desses momentos: Morreu o Amado. Morreu aquele que nunca o foi.