... em Kew Gardens, em Londres.
O corpo modifica, a voz segue outras planícies; a beleza mantém-se infinita.
Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete
A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo
Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco
Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos
As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas
Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança"
Daniel Faria, in "Dos Líquidos"
Daniel Faria - 1971-1999
Já é conhecidíssimo o curto diálogo/confronto de ontem, perante as câmaras e microfones, do presidente Marcelo e o embaixador da Palestina em Portugal. O nosso presidente, no seu jeito soberano e descontraído, que o leva a dizer e a desdizer, a afirmar e a explicar, a comentar e a justificar, a acender e a apagar, disse ao embaixador da Palestina: 'Vocês é que começaram a guerra'.
Como o professor tem pensamento bem mais rápido que as selfies, beijinhos e abraços, corrigiu o 'vós' para 'alguns de vocês'. Ainda bem, mas já era demasiado tarde. O 'vós' já tinha sido dito e gravado, ofendendo os palestinianos que não se querem ver confundidos com o Hamas.
Não vou fazer de conta que comento o sucedido, porque não o sei fazer e também comentadores já os há em abundância.
Porém, essa afirmação/acusação fez-me lembrar duas coisas (pareço o Luís Marques Mendes que divide quase sempre em três pontos o seu ponto de vista).
Primeira: quando eu era pequena, jogávamos à macaca no largo, saltávamos à corda, etc. e havia muitas vezes quem fizesse batota e por isso guerreávamos. Ora, às vezes, uma das miúdas, com ares de superioridade, metendo todas no mesmo saco, virava-se para um determinado grupo e dizia como se lhes desse uma lição: 'vocês é que começaram'. Resultado: quem tinha errado ficava-se a rir; quem sentia que a acusação era injusta zangava-se ou ficava com mais um dia estragado.
Segunda: Havia um pai com vários filhos que, de uma maneira ou de outra, erravam, como toda a gente. Porém, havia uns muito violentos que matavam e fomentavam guerras. Ora, o pai, que tinha pouco tempo e pouca paciência, quando aparecia em público, aproveitava para os repreender e culpar. Assim, seria ainda mais amado e uma mais-valia para todos. Porém, os filhos mais violentos e culpados estavam sempre ausentes; presentes estavam os mais pacíficos e eram eles que ouviam o pai a criticar e a generalizar: 'Vocês é que começaram a guerra' e virava as costas, não querendo ver o muro que, entre todos, crescia ainda mais.
Bom fim de semana. E que as notícias tragam PAZ.
Bom dia!
Acabei de ler o comentário da Bea, no post anterior. E ocorre-me dizer: Vivemos dias de caos, mas, nesse caos que nos atormenta, há também momentos de beleza que nos animam.
Partilho uma canção de Jacques Brel, também referida no comentário, e que fala de crisântemos, flores que chegam e partem nestes primeiros dias de novembro.
E, felizmente, a música não é a única maneira de oferecer flores a quem tantas vezes é esquecido.
Obrigada pelas partilhas.
Desde pequena que oiço: 'estas flores são boas para enfeitar'.
Aqui, o verbo 'enfeitar' dispensa acompanhamentos quando se sabe que se trata de pôr flores no cemitério. Conheço pessoas que o fazem todas as semanas e ainda passam por lá de vez em quando para acrescentar água se o tempo é de calor. Atualmente, já se recorre muito aos catos e suculentas que duram muito mais do que as flores frescas. Também se veem as frias e hirtas flores de plástico ou as que vão tombando de velhice e secura, porque nem sempre há disponibilidade de tempo nem de dinheiro para comprar flores acabadas de colher.
A primeira vez que vi um cemitério fora de Portugal - estava eu com a minha irmã - foi o cemitério do Père Lachaise, em Paris. Poucas campas lá vi com flores frescas (a não ser nas sepulturas de ídolos com muitos fãs que os visitavam e não os esqueciam); muitas tinham vasos com plantas e em muitas outras jaziam artísticas pedras esculpidas e antigas. Para mim, com os olhos rurais de ver sempre tratar de flores para o cemitério, a ausência delas parecia uma prova de abandono a quem a vida também abandonou.
Agora, é claro que já não penso assim, embora continue a seguir alguns hábitos da minha mãe e das minhas tias. Uma delas dizia que havia mais de cinquenta anos enfeitava todas as semanas o jazigo da família.
E, quase sempre, com as flores que ela própria cultivava.
Hoje, logo cedo, fui ao cemitério, porque cá este feriado é de celebração dos defuntos. Não havia ainda quase ninguém, crisântemos de muitas tonalidades reluziam com abundância e o silêncio permanecia. Algumas pessoas chegavam com arranjos de flores ou soltas para serem colocadas nas jarras.
Por moda, por hábito, por saudade, por homenagem, etc., o cemitério estava mais bonito. Quem lá está merece-o, com certeza. Muitos dos que o visitam far-se-ão ouvir de muitos modos, onde também cabem as vozes e os sorrisos. É bom quando assim também se festeja a vida. Mesmo tendo na lembrança que o que aconteceu a quem lá fica também um dia acontecerá a 'todos, todos, todos.'
A minha filha mais nova veio visitar a família. Apenas por um par de dias, mas deu para um lanche de abraços mais alargados em tarde de sábado e de forte invernia.
Felizmente, o domingo acordou uma hora mais tarde e de céu mais sossegado. E assim continuou sereno para um passeio no belo parque de Serralves, onde já havia camélias abertas, tal como algumas já reluzem no jardim da nossa casa.
- Mãe, já há camélias? Em Londres, ainda não vi nenhuma.
E, camélia puxa camélia, falou-se de alterações do clima e da memória que nem sempre se mantém intacta.
- Filha, já não me lembro se no ano passado as camélias abriram mais tarde ou nesta altura.
E, ao almoço, o apetecido e apetitoso peixe grelhado. Com salada de pimentos.
- Que saudades eu tinha desta maravilha, disse ela, com o sorriso meigo de quando não está com pressa ou cheia de coisas urgentes para fazer.
Ao fim da tarde, veio de novo a chuva intensa. Sobretudo na hora da despedida. No dia seguinte, a umas duas horas de distância de avião e quase outras tantas de comboio, havia trabalho e escola. No meio de pessoas a partir e a chegar, as lágrimas da minha neta soltavam-se dos bonitos olhinhos claros já saudosos.
No meu regresso do aeroporto, uma densa neblina fechava o horizonte e caía uma chuva persistente. A tarde escurecia cinzenta e a lembrança da cor viva das camélias ia-se-me apagando. As lágrimas da minha neta é que não.
Gosto muito de postais que acho bonitos e com um toque de arte. Sempre que posso comprar alguns cá dentro ou lá fora, faço-o com imenso prazer. Não para os colecionar, mas para os oferecer em momentos como aniversários ou outros.
Talvez por isso, oiço muitas vezes: - Mãe, precisava de um postal. E lá vou eu à caixa onde eles vão morando, para sugerir algum ou dar a escolher.
Neste momento, o stock está fraquinho. Oxalá, em breve, a caixa dos postais possa ter mais companhia, sobretudo se eu viajar.
Ora, este fim de semana, embora bastante caseiro, chegou-me este postal que tinha sido comprado em Kioto, no Japão. E mais um bloco e mais uns envelopes - desta vez na vertical. Fiquei encantada com todas as ilustrações, com a combinação de cores - de grande suavidade e ligação à natureza. E pela sugestão de belos silêncios do desenho do templo e da figura concentrada da japonesa.
Até o papel de embrulho era bonito.
E 'delicadeza' logo me surgiu, porque é uma palavra de que também gosto muito, sobretudo de a ver aplicada em tantas coisas do nosso dia a dia - em atitudes em casa ou no trabalho, em pequenos arranjos de espaços, em simples objetos que se produzem, etc.
Mas, atenção, também neste âmbito não sou exemplar. Mesmo assim, penso como seríamos bem mais felizes se houvesse mais delicadeza nas relações humanas e na atenção ao pormenor de muita beleza que nos cerca e que são formas de arte.
Mas também me interrogo se no mundo atual, em que há tanta guerra, tanta destruição, tanta ganância, tanta fome de bens essenciais, esta preocupação tem razão de ser. E ouso dizer que sim. Pode não resolver muita coisa, mas pode evitar que muitas guerras aumentem, porque 'para pior, já basta assim'.
Há muito muito tempo, quando havia dias certos para o namoro, o aeroporto do Porto - então Pedras Rubras - era um espaço que escolhíamos para umas horas da tarde de domingo. Havia uma sala grande e com muita gente donde víamos os aviões enquanto lanchávamos. No tempo atual, isso seria impensável.
Íamos então ver os aviões - agora tão criticados por ativistas climáticos, os que atiram tinta e os que a utilizam para fins mais comuns.
O aeroporto do Porto - muito mais moderno e de nome Francisco Sá Carneiro - é, para mim, um local de muita alegria, quando, por exemplo, a minha filha e família chegam; um lugar de ansiedade, quando o avião que eu espero se atrasa muito; um sítio de algumas dores de barriga antes de partir; um espaço de regresso após consolos revisitados, etc
Um aeroporto pode representar, de facto, inúmeros estados de alma; para mim, sempre mais tranquilos às chegadas do que nas partidas.
Desde o tempo em que se ia ver os aviões até agora, foi toda uma vida. Os aviões eram bem menos e também o número de pessoas que viajavam. Confesso que ainda sinto algum fascínio quando vejo levantar ou aterrar um avião, embora saiba que não será um meio de transporte sustentável. Porém, e pondo os pés na terra, muitas vezes, as alternativas são difíceis, porque o tempo perdeu a lentidão de uma tarde de namoro ao domingo, em que se ia ver os aviões.
Não gosto desta expressão. Então, estarão a perguntar: por que razão ficou no título?
E têm razão. De facto, acho esta expressão fria, justiceira e cega por parte de quem a usa e põe em prática.
Tantas vezes tantos de nós se calam porque sabem que, mais tarde, palavras ditas sobre o assunto serão atiradas de mansinho ou em desdenhosa acusação. E, muitas vezes, quem as vai buscar e as atira como pedras esquece que se abriga em telhados de vidro muito fino.
Outra coisa que me custa ouvir é: 'sou frontal, digo o que penso'. E o pior é que quem o diz muitas vezes se ofende com as palavras dos outros, sejam elas cor de rosa ou cinzentas ou de outra cor qualquer.
Sem falsidade, ingenuidade ou hipocrisia, podíamos e devíamos ser mais justos e compreensivos uns com os outros. E aqui também me incluo, é claro. Há tanta coisa (que tenho) a aprender.
Se fôssemos olhando uns para os outros como gostamos de ser olhados, dava um certo jeito e, pelo menos, o nosso mund(inh)o passava a ser melhor e mais feliz. E o mundo maior podia melhorar também.
E, se assim fosse, ao ver caras também se viam corações.
Talvez por medo de ser apanhada em flagrante, não me lembro de ter copiado, quando era estudante. Sempre achei que isso é incorreto, apesar de todas as influências a que ninguém é alheio.
No entanto - porque sou mais pecadora do que santa - lembro-me de num exame de francês ter levado alguns verbos escritos a lápis muito fininho no dicionário que podíamos consultar. Seria uma pequena ajuda em caso de necessidade, porque sempre gostei da língua francesa e os resultados eram bons.
Antes do exame, os dicionários eram todos abertos e revistados pela professora vigilante. O meu coração ficou em suspenso no momento em que a professora o tomou nas mãos. Que alívio quando mo devolveu. O coração voltaria a bater mais forte às lentas passagens da professora por entre as mesas dos examinandos.
Não me lembro de ter precisado de consultar ou copiar os tais verbos, e, naquele contexto, acho até que nem seria capaz de o fazer com medo de ser descoberta e chamada à atenção.
Outras táticas de copianço havia - e algumas bem engraçadas. Muitas já devem ter mudado, e outras introduzidas. Recordo-me de um aluno que levava gravata sempre que tinha testes ou exames, com copianço da parte de trás; de outro aluno, de braço engessado, com muitas assinaturas dos amigos e cábulas bem disfarçadas lá pelo meio, etc.
Para não falar dos irritantes textos - já como professora - que eram meras cópias tiradas da internet e entregues como se fossem um trabalho original.
Vem isto a propósito do caso recente, pelos vistos muito divulgado nas redes sociais, de um diretor de escola/agrupamento que copiou e divulgou um documento de outro diretor também de escola/agrupamento, como se fosse ele o autor.
Quantos outros casos haverá nas mais diferentes instituições? Se alguém repara e acusa, quem copia ou plagia é apontado e desacreditado; se ninguém se apercebe, a prática mentirosa continua. Muita cópia se faz e muito plágio se pratica em textos que são assinados por alguém e, afinal, foram escritos por um alguém bem diferente.
Esta prática enganadora existe em muitos países e em Universidades bem conhecidas.
E o pior é que muitos dos adultos, quando são confrontados com isto, nem ficam atrapalhados como alguns adolescentes com receio de serem descobertos pelas cábulas, umas mais inocentes, outras mais descaradas.
Mas, com estes exemplos de adultos com muitas responsabilidades, digo como dizia a minha avó paterna perante uma situação que lhe parecia de difícil resolução: É o caso!
Hoje estive a terminar um conto de Natal para a habitual coletânea da Editora Lugar da Palavra. Também ando a fazer uns saquinhos em croché para uns presentinhos de Natal.
Embora faltem uns dois meses, às vezes penso: Como vai ser o Natal este ano?
E estou a falar em sentido restrito, próximo e familiar.
A minha família é grande e já foi necessária uma grande mesa para a consoada.
A mesa continua grande, mas os lugares à mesa foram diminuindo, pela lei da vida, pelo desconcerto da lei da vida; pelas novas famílias que também têm o direito de ver os seus à sua mesa, etc.
Fazer projetos de futuro, para muitos de nós que vivem em paz, ainda é natural, embora das fragilidades humanas e inseguranças atuais ninguém escape.
Que sentido fará para muitos povos da Palestina, da Ucrânia, de Israel e de tantos outros países falar-se de um evento daqui a dois meses? Seria até ultrajante, em muitos casos, quando no momento presente nem água há para beber.
Muita gente inocente nem saberá o que acontece uns segundos depois, quanto mais daqui a dois meses.
A televisão, que tenho sem som, vai mostrando pessoas de todas as idades em fuga, muitos feridos, muitas explosões, etc
Os comentadores vão falando. Não oiço o que dizem. Fico pelas imagens e nem todas quero ver, sobretudo de crianças tristes a chorar ou em sofrimento.
Será que, daqui a dois meses, ainda vamos poder desejar um bom Natal?
Para avós que moram junto ao Porto, muitas vezes Lisboa fica longe. Muito longe. Trezentos km para lá, outros tantos para cá, demora tempo e de correrias está o passado cheio.
Pois bem, três avós amigas foram a Lisboa dois dias. Uma boa escapadinha da rotina diária onde também cabe a cozinha.
De Campanhã ao Oriente, logo de manhã muito cedinho, no calmo comboio intercidades, houve tempo para pôr em dia muito do nosso dia a dia.
À chegada, que bom tomar um café num bonito Café do Vasco da Gama. E o pousar das malas no hotel e o entrar no programa já pensado: Palácio da Ajuda, MAAT e um concerto. Nem tudo cumprido, o que não é mau, quando o tempo passa com luz boa e boa disposição.
E houve também conversas imprevistas no táxi, conduzido por jovens brasileiros; no pequeno restaurante de Belém, cujo empregado lisboeta tinha a tatuagem de um dragão; o saborear do pastel - a que pouca gente resiste - num dos bancos à beira Tejo; as selfies sorridentes - não estivéssemos nós perto do Palácio Cor de Rosa!
Quanto ao Palácio da Ajuda, merece uma visita e não só as belas Joias da Coroa. É pena não haver táxis nem autocarros ali por perto. No largo (que poderia estar mais bem tratado) em frente ao belíssimo palácio, havia roupa a secar numa corda levantada por um simples pau, num toque curioso de aldeia.
Um pormenor da sala do trono no Palácio da Ajuda |
E o descer até Belém, com o largo rio ao fundo, ajuda a ver muito do trabalho que muita gente faz para que também muita gente se sinta mais feliz.
O anel de noivado de Joana Vasconcelos, no exterior do MAAT |
Partilho um bocadinho do espetáculo de Hauser. Cantou-se, dançou-se, saiu-se de lá a sorrir, o que em tempo de tantas guerras também é importante.
Lince de Bordalo 2 |
E foi também muito bom ler em mensagem de partilha de fotos: Mãe, tens de fazer isto mais vezes.
Sim, o bom conselho vai ser seguido.
Daí a umas três horas, víamos o rio Douro e a belíssima imagem do casario que já avistámos milhares de vezes e que achámos sempre bela.
E o Porto (de novo) aqui tão perto.
Há mais de uma ou duas dezenas de anos, fiz algumas viagens longas e, felizmente, conheci alguns países em diferentes continentes. Nesse tempo, visitei Moscovo, na Rússia. Dessa cidade, ficaram-me na memória estações de comboio com tetos e candeeiros como se de belas e estimadas salas de palácio se tratasse.
Também tenho bem presente a pressa das pessoas de rosto triste e fechado a subir as escadas rolantes dessas estações. Toda a gente se encostava à direita para que a esquerda ficasse livre e ninguém impedisse ninguém de as subir como queria ou precisava. As vozes e sorrisos que se ouviam eram sobretudo dos turistas em contraponto com o silêncio fechado dos locais.
Numa dessas estações, travámos conhecimento com um homem de meia idade, que se aproximou educadamente de nós. De barbas e estatura à José Milhazes, falava inglês e deu-nos informações úteis sobre o local, tal como procurávamos. Nesse tempo, ainda não dispúnhamos do telemóvel com o sr Google sempre com a resposta na ponta da página. O diálogo durou apenas alguns minutos e, no final, com o mesmo ar sério, triste e sem rodeios, pediu-nos dinheiro. Agradecemos a ajuda e demos-lhe uma gratificação. Concluímos que era a sua forma de ganhar a vida, porque os ordenados eram baixíssimos.
Hoje não iria a esse país de modo algum, tal como muita gente, julgo eu, pela instabilidade e tirania de quem o governa.
De facto, o mundo mudou tanto nos últimos anos que há destinos que eram um bom sonho e que agora são um mau pesadelo. Tal como acontece com Israel - aonde nunca fui - que se tornou cenário de terror. Indicar as razões cabe aos analistas, mas, a mim, mera espectadora de algumas notícias, choca-me ver tanta gente inocente morta ou em sofrimento, ou sentir o tormento de quem vive com insegurança e muito medo, como acontece em Israel e ainda mais na Palestina.
Tantas reuniões se fazem ao 'mais alto nível', tantas resoluções se tomam, tantos documentos se aprovam, e as guerras vão destruindo e matando sem dó nem piedade.
Neste cenário atual, não poder escolher alguns destinos para viajar não é nada - mesmo nada - face à imensidão do terror de quem vive nos países em guerra e/ou onde não se respeitam os direitos humanos.
Terminei assim o último post:
'Porém, nem tudo o que lá se passa (rua da Alegria) dá alegria, mas deixo isso para outra viagem'.
Então aqui vai o que hoje me surgiu. A viagem foi só pelas palavras para falar de uma peripécia que, por acaso, aconteceu e agora surgiu em verso.
Um senhor arrogante
Tinha um restaurante
E como se sentia mais e mais
Ser arrogante
Não lhe bastava
Por isso também era vaidoso
Já que tinha muito e muito lhe sobrava
Ele tinha uma preferência
Pelas pessoas de referência
Ou por quem aparecia
Nos jornais ou televisão
Ainda que dos primeiros
Só costumasse ler os títulos
E frente à outra adormecia
No sofá bonacheirão
A sua preferência recaía
Sobre executivos como clientes
Famílias só as suas conhecidas
E mesas só de mulheres
Faziam-no ranger os dentes
Acha que pouco sabem
E nem um vinho caro escolhem
Do que gosta e lhe dá lucro
É mesma a mesa de homem
E como se habituou
À conversa masculina
Mesmo a mais corriqueira
Vendo um dia uma mesa no feminino
Comentou com altivez
Que é classe cabeleireira
Pensando não ser ouvido
Sempre altivo e convencido
Eis que uma das comensais
Ouve o fraco comentário
Do tal arrogante sujeito
Que pensa ser o mais forte
Até mesmo do que a morte
Fugindo com o rabo à seringa
Ele cala-se que nem petinga
E fixa quem lá dentro o ajuda
Com uma fúria confusa
De quem não respeita os demais
Mostrando que é um pequeno sinal menos
Mesmo que ele pense que é um grande sinal mais!
Éramos três amigas a caminho de um almoço num restaurante um pouco afastado da estação de Campanhã, no Porto, onde nos encontrávamos.
Estava calor e resolvemos apanhar um táxi.
Duas de nós sentaram-se atrás e a mais divertida sentou-se à frente, ao lado do motorista que - disse-nos depois - mora nas Fontaínhas (onde se festeja o S. João - lembrou-nos, embora o soubéssemos bem).
Então, a amiga mais divertida logo travou conversa com o senhor que nos conduzia e que já conduzia na cidade há mais de quarenta anos. E foi quando, entre sorrisos, veio à baila o anúncio e a frase chic da senhora chic: 'Ambrósio, apetecia-me tomar algo'.
O senhor do táxi, simpático, educado e comunicativo, abriu a tampa ao seu lado e tirou de lá um chocolate. Que lhe sabe bem um bocadinho de vez em quando. E que se mantém fresco, como gosta, pelo ar condicionado.
Com boa disposição pela partilha destes pequenos prazeres e boas palavras, chegámos ao destino, desejando-lhe também um bom almoço.
Seria em casa, como sempre, onde a mulher o esperava. E ainda houve tempo para o ouvirmos dizer que em jovem havia sido estafeta na cidade e que nesse tempo passava as notas a ferro para guardar o dinheiro direitinho.
O momento havia sido doce e alegre. E, por coincidência, estávamos na rua da Alegria.
(Porém, nem tudo o que lá se passa dá alegria, mas deixo isso para outra viagem).
Quando eu era miúda, a minha mãe dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, muitas vezes: não é para tocar à campainha. A advertência vinha a propósito de alguma coisa nova que se comprava, alguma notícia que era sobretudo nossa, etc. qualquer coisa que ela entendia não ser para contar a ninguém.
Não sei se foi por isso, mas tenho alguns pruridos em falar de mim num círculo mais alargado, ainda que a minha vida seja comum e anónima.
No entanto, aprecio muitas vezes a coragem de quem fala sobre si com inteireza, verdade e confiança, não para se vangloriar nem prejudicar seja quem for, mas porque o quer dizer, consciente de que o que diz não é motivo para se arrepender mais tarde nem é desabafo inocente que não interessa a ninguém e que apenas introduz ruído.
Com certas coisas que oiço dos outros também procuro ser cuidadosa, não reproduzindo muito do que ouvi, se o assunto é delicado, mesmo que não me tenham pedido segredo. Tenho medo de ouvir: foste dizer... contaste... não era para se saber ...
Fico atrapalhadíssima só de o pensar porque já me aconteceu uma vez ou outra e o que senti foi horrível. Devem ser resquícios do conselho que tantas vezes ouvi na minha infância, sentindo que não estive à altura de o cumprir: não é para tocar à campainha!
Por falar nisso, desculpem, estão a tocar à campainha.