Todos estranhámos. Uns mais do que outros, é verdade. Ela entrou na reunião a falar francês e assim continuou até ao fim. No início, as pessoas entreolharam-se, sorriram, e alguém perguntou até por que não falava português como toda a gente. Ela respondeu, convicta, que naquele dia preferia usar a língua francesa e assim continuámos. Todos nós que estamos aqui sabemos francês, acrescentou, para pôr ponto final ao assunto.
Toda a gente sabia que ela era excêntrica, que vivia só e rodeada de gatos. Tinha-os às dezenas no quintal e como a porta da cozinha estava sempre aberta, os bichanos circulavam pela casa toda à vontade. Dormiam onde queriam, saltavam onde podiam e brincavam com tudo o que encontravam que era quase tudo porque tudo estava à mão, ou melhor, ao alcance da patita. Era assim que se sentia bem. Já feliz, não sabia bem se era, porque preferia tratar dos gatos a pensar nisso. O pensamento ficava para o trabalho.
Pois bem, os assuntos agendados para a reunião foram tratados e no final ela despediu-se, usando sempre a língua francesa: au revoir, je vous aime.
Como se afastou logo, não ouviu um comentário:
Gostava de saber se alguma vez esta mulher ouviu um 'Je t'aime'.
Sabia, no entanto, que ela nunca lho diria.