A escola estava dividida. A leste, ficava a parte das raparigas, a oeste a dos rapazes. No edifício, funcionam agora serviços da Câmara Municipal.
As meninas estavam divididas em três grandes grupos. Nas filas de trás, ficavam as meninas pobres (algumas iam descalças para a escola) e com fracos resultados escolares; nas filas do meio, as meninas remediadas com mais sucesso em ler, escrever e contar; na primeira e única fila da frente, ficavam as meninas com mais posses, tivessem elas sucesso escolar ou não, e que iriam fazer o exame de admissão para continuarem a estudar no liceu ou na escola industrial e comercial.
Era assim na minha escola primária. Apesar de já ter sido há uma eternidade, ainda me revejo numa das filas do meio sentada de bata branca - eu gostava que tivesse entremeios bordados como as batas das meninas da frente, mas em casa diziam-me que os luxos eram para quem podia - na minha carteira inclinada e com o tinteiro fresco de tinta. Era bastante boa aluna, mas não iria estudar, como as meninas da fila da frente. Ouvia que as raparigas eram necessárias em casa, mesmo quando vinha a correr para contar o que a D. Gracinda, a minha professora da 4ª classe, me tinha dito mais uma vez. Assim tinha sido, assim continuaria a ser.
Essas palavras da professora eram um estímulo e sempre me acompanharam: 'Tens de estudar, não podes ficar em casa sem estudar'. Não só por elas mas também, uns anos mais tarde continuei os estudos. Depois de aprender a bordar, a cozinhar, a limpar a casa, a costura (nunca tive jeito), de ler alguns livros, escrever uns poemas quase às escondidas, aprender um pouco de francês, recomecei a minha escolaridade com alguns constrangimentos. Se bem me lembro, um dos maiores foi o facto de os meus colegas serem bem mais novos do que eu.
As meninas das filas de trás da minha sala de aula da escola primária terão continuado na fila de trás da vida, apesar de sonharem igualmente; as das filas do meio terão lamentado muitas vezes não terem continuado a estudar; as da única fila da frente tiveram as portas abertas - umas aproveitaram, outras não.
Os mais céticos dirão que ainda há muitas discriminações, mas, para mim, um dos maiores bens já adquiridos foi a escolaridade obrigatória para todos. A educação é um dever e um direito. Esta conquista foi das mais importantes para Portugal pós-25 de Abril. Só pecou por tardia.
Para muitos
jovens, este assunto é um não-assunto porque nem sequer admitem o contrário.
Ainda bem que interiorizaram que a escolaridade é um bem a que todos têm
direito.
Apesar deste grande avanço, existem ainda muitas
divisões (e há quem as queira acentuar) de pessoas colocadas por filas, mas estou convencida
de que a Educação e a melhoria de condições de vida para a desenvolver irão torná-la cada vez mais agregadora. Só assim o dia de amanhã pode ser melhor do que foi o dia de ontem.