domingo, 24 de junho de 2012
"Noite de silêncio"
Numa curta viagem de carro, com o rádio ligado, oiço Ana Moura. A fadista canta "Noite de silêncio", com a sua voz quente e rouca.
Em casa, telefono a uma amiga: não responde. Silêncio.
Telefono a uma filha: não atende. Silêncio.
Enquanto janto, vejo e oiço, na TVI, o comentário semanal de MRS. Muitas vezes discordo dele, mas neste assunto não:
Parece ter havido fraude nos exames de 12º ano de Português (alguns alunos terão tido acesso à prova, antes do dia em que foi realizada). E houve e há um grande silêncio sobre o assunto.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E haverá, com certeza, também quando for anunciado - como tantas vezes acontece - que nada se provou.
E o país continua no(s) seu(s) silêncio(s). E as pessoas guardam o seu(s) silêncio(s).
E eu também.
Felizmente há janelas abertas
Com tanto trabalho, nem tinha reparado que o ibisco estava florido. Vi-o, por acaso, da janela.
O trabalho não devia impedir que se olhassem as flores.
Mesmo assim, as flores desabrocham. Com o tempo e no tempo certos.
E nunca ninguém disse que eram sábias as flores.
sábado, 23 de junho de 2012
Sardinhas, carvão, cerveja; desculpe, estou à frente...
Manhã de sábado - véspera de S. João. Muita gente às compras numa grande superfície Filas grandes.
Uma menina obesa tem a mesma expressão carregada da mãe.
Uma mulher diz ao homem que ponha a cerveja preta no balcão da caixa.
Um menino chora e a mãe fala mais alto. O menino grita. A mãe diz que não dá o ovo Kinder.
Uma menina obesa tem a mesma expressão carregada da mãe.
Uma mulher diz ao homem que ponha a cerveja preta no balcão da caixa.
Um menino chora e a mãe fala mais alto. O menino grita. A mãe diz que não dá o ovo Kinder.
Uma outra mulher aproveita um espaço livre e mete-se na fila. Outra mulher diz que tem de esperar pela vez dela. A primeira fica a criticar a segunda. A segunda explica que não tinha reparado e que a primeira deve andar chateada por causa da crise.
O rapaz da caixa abre os sacos de plástico com gestos rápidos. Não se esquece de dizer bom dia a cada cliente. Mostra boa cara, porque pode haver queixas e ainda fica com a festa estragada.
Nos carrinhos, passeiam batatas, pimentos, tomates. E sardinhas. E febras. E broa. E vinho. E carvão. Se calhar menos quantidade do que no ano passado. E ao preço a que está a sardinha. Já viste(s)?
Ontem liguei-te não sei quantas vezes. Fogo! Nunca ouves. beijinhos. 'Ta tudo bem? Xau. beijinhos pra todos. Xau...
Chego ao carro. Abro a mala. Que cheirinho a manjerico. É S. João, pois então!
HISTÓRIA DO SR. MAR
Turner
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
Nos braços da sua Mãe...
Matilde Rosa Araújo,
O Livro da Tila
Renoir
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Um homem sem cabeça
Conto argelino
Esta
é a aventura do famoso Jouha. Na Argélia chamam-lhe Jha, ou então, Ben
Sakrane. Mais a leste, conhecem-no como Nasredin Hodja. Na realidade,
trata-se de Tyl Eulenspiegel ou de Jean le Sot: o louco que vende a sua
sabedoria, aquele que zurra como um burro para ser ouvido, e que às
vezes é dono de uma esperteza imbatível.
Um dia, Jha encontrou alguns amigos prontos para combater. Tinham escudos, lanças, arcos e aljavas cheias de setas.
— Onde vão nesses preparos? — perguntou-lhes.
— Não sabes que somos soldados profissionais? Vamos tomar parte numa batalha, que promete ser dura!
— Ótimo,
eis uma oportunidade para ver o que acontece nessas coisas de que ouvi
falar mas que nunca vi com os meus próprios olhos. Deixem-me ir
convosco, só desta vez!
— Está bem! És bem-vindo!
E lá foi ele com o pelotão que se ia juntar ao exército no campo de batalha.
A
primeira seta acertou-lhe em cheio na testa! Depressa! Um cirurgião! O
médico chegou, examinou o ferido, meneou a cabeça e declarou:
— A ferida é profunda. Vai ser fácil remover a seta. Mas, se tiver a mais ínfima parte de cérebro agarrada, está perdido!
O ferido pegou na mão do médico e beijou-a, exprimindo a sua “profunda gratidão para com o Mestre”, e declarou:
— Doutor, pode remover a seta sem medo; não vai encontrar a mais ínfima parte de cérebro nela.
— Esteja calado! — disse o médico. — Deixe os especialistas tratarem de si! Como sabe que a seta não atingiu o seu cérebro?
— Sei-o bem demais — disse Jha. — Se eu tivesse a mais pequena partícula de cérebro, nunca teria vindo com os meus amigos.
Margaret Read MacDonald
Peace Tales
Arkansas, August House Publishers, Inc., 2005
(Tradução e adaptação)
terça-feira, 19 de junho de 2012
As ameixas
As ameixas são amargas
Pois verdes verdes ainda estão
Mas quando doces e amarelinhas
Logo querem beijar o chão
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Nevoeiro
Carlos Alberto Santos
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa
Nota:
Lembrei-me deste poema da Mensagem de Fernando Pessoa por várias razões.
Uma mais profunda: a situação portuguesa atual tem semelhanças com a descrita.
Outra mais imediata: pelo que julgo saber, no exame de 12º ano de Português, realizado hoje, não saiu nenhuma questão sobre Fernando Pessoa - ortónimo ou heterónimos - apesar de o seu estudo ocupar uma boa parte do ano letivo.
domingo, 17 de junho de 2012
Alguns erres em tempo atual
Quando o trabalho abranda, apetece-me arrumar armários e gavetas. Deve ser psicológico (com o que de vago a expressão significa).
Separar coisas que uso, outras que não (que chatice! Há coisas que não me servem!)
E há muita gente que precisa do pouco ou muito que a muitos sobra. A Cruz vermelha (e tantas tantas Instituições), em diferentes regiões, apoia(m) famílias carenciadas. Precisam de brinquedos, roupas, toalhas de rosto e de banho e de tudo que seja útil para viver com dignidade (soube, por exemplo, de um Centro da CV em Guimarães).
Também há reciclagem das roupas em muito mau estado - servirão para fazer cobertores.
Pode ser moda falar destas coisas, mas é uma criação à medida humana. Em tempo de tanta crise, há pessoas que vivem de forma desumana.
sábado, 16 de junho de 2012
Passei no Porto e já cheirava a S. João!
Mangerico
Imagem da net
S. João, também és ponte;
És vida sempre em viagem.
De junho és horizonte
E ao verão vens dar passagem.
S. João, és mangerico,
Alho porro, erva cidreira
E também o martelinho
A dar cor à barulheira!
S. João, diz-me o que pensas
Deste mundo sem paixões;
De quase tudo descrente
Menos de vãs ilusões!
S. João, pelo teu poder,
Que na tradição perdura,
Sem à cunha recorrer,
Torna a Vida menos dura!
S. João, na minha infância,
Eu pedia um tostãozinho,
Prà cascata sem elegância,
E deitava-o num pratinho!
Devagar vai o autocarro
Pela manhã ou tardinha,
Mas a crise a toda a hora
Apanha (quase) todos depressinha.
Se eu tivesse o teu poder,
Gostava de viajar
No interior do ser humano
Para o mal poder travar.
S. João, que és tão alegre,
Reduz a nossa tristeza;
Ajuda a descobrir
Maravilhas da Beleza!
Ó meu rico S. João,
Vou-te fazer um pedido:
Encontrar a direção
Pra quem anda tão perdido!
Na festa do S. João,
Que tudo vos saiba a mar,
Com boa sardinha no pão
Como barco a navegar!
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Diário de Mariana
Querido diário,
Uf! Terminaram as aulas! Uau!
Altamente! Basta! Chega! Fixe! E tudo o mais que se pode dizer quando a gente
salta de contente!
Já sei que vou ouvir: O melhor é começares já a ler o livro que vais dar para o
ano. Quanto mais cedo melhor!
As notas ainda não saíram. Por
aquilo que percebi, não vão ser más, mas também não chegam para entrar no
quadro de mérito. A Bia já lá está desde o segundo período. Fiquei muito
orgulhosa quando vi a fotografia da minha melhor amiga no quadro que foi posto
em sítios da escola por onde toda a gente passa. A minha dêtê até disse: reparem
no quadro de mérito onde está a Bia; está nos sítios estratégicos da escola. Eu
achei o máximo à palavra estratégicos e fomos todos lá ver no intervalo.
Eu não reparei muito bem, mas
acho que alguns não foram porque dizem que a Bia é a mais queridinha dos profs.
Eu por acaso acho que não. Ela estuda é muito. Eu por exemplo estudo muito
menos. Gosto de estar com a minha mãe na cozinha, gosto de ver filmes, vou a casa da minha avó e ponho-me a ouvir os versos que ela sabe desde
pequenina e outras cenas. Às vezes até nem faço o têpêcê, mas fico cheia de
vergonha e muito corada quando a prof me pergunta coisas que eu não sei porque
não fiz o trabalho de casa.
A Bia sabe sempre porque faz tudo.
Uma vez, uma prof fez uma viagem e trouxe-lhe umas pedras da região para
explicar melhor uma coisa que a Bia queria saber. Ela não tinha pedido nada e a
prof é que quis trazer, mas a turma virou-se contra a Bia a dizer que ela dava
graxa e era a menina querida da prof. Achei indecente e disse-lhes que eles
eram xungas (é a primeira vez que escrevo esta palavra, mas foi isso que lhes
disse que eram e continuo a achar). Não acho nada bem que se diga mal quando
não se sabe ao certo o que se passou. E depois também há muita dor de cotovelo.
Olha, que trabalhem mais, em vez de passarem o tempo com jogos de computador!
Não sei como acham que fazer sempre a mesma coisa tem assunto!
A partir daí, eu e a Bia ficámos
mais amigas. Eu defendi-a, ela chorou muito e até queria sair da escola.
Como as aulas já acabaram e não
tenho de estudar, quero ver se escrevo mais um bocadinho. Isto se não for
criticada: Mariana, para isso tens tempo, para outras coisas não tens…
Por falar nisso, vou fazer festas
à minha cadela, a Castanha.
Muitos abracinhos, querido diário
Mariana
PS – A tia Cilinha já me disse
várias vezes: escreve ao Gi, escreve ao Gi… ‘Ta bem, vou pensar nisso!
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