domingo, 5 de novembro de 2023
Serge Reggiani - Le Déserteur (O desertor)
sábado, 4 de novembro de 2023
Que vós é este, senhor presidente?
Já é conhecidíssimo o curto diálogo/confronto de ontem, perante as câmaras e microfones, do presidente Marcelo e o embaixador da Palestina em Portugal. O nosso presidente, no seu jeito soberano e descontraído, que o leva a dizer e a desdizer, a afirmar e a explicar, a comentar e a justificar, a acender e a apagar, disse ao embaixador da Palestina: 'Vocês é que começaram a guerra'.
Como o professor tem pensamento bem mais rápido que as selfies, beijinhos e abraços, corrigiu o 'vós' para 'alguns de vocês'. Ainda bem, mas já era demasiado tarde. O 'vós' já tinha sido dito e gravado, ofendendo os palestinianos que não se querem ver confundidos com o Hamas.
Não vou fazer de conta que comento o sucedido, porque não o sei fazer e também comentadores já os há em abundância.
Porém, essa afirmação/acusação fez-me lembrar duas coisas (pareço o Luís Marques Mendes que divide quase sempre em três pontos o seu ponto de vista).
Primeira: quando eu era pequena, jogávamos à macaca no largo, saltávamos à corda, etc. e havia muitas vezes quem fizesse batota e por isso guerreávamos. Ora, às vezes, uma das miúdas, com ares de superioridade, metendo todas no mesmo saco, virava-se para um determinado grupo e dizia como se lhes desse uma lição: 'vocês é que começaram'. Resultado: quem tinha errado ficava-se a rir; quem sentia que a acusação era injusta zangava-se ou ficava com mais um dia estragado.
Segunda: Havia um pai com vários filhos que, de uma maneira ou de outra, erravam, como toda a gente. Porém, havia uns muito violentos que matavam e fomentavam guerras. Ora, o pai, que tinha pouco tempo e pouca paciência, quando aparecia em público, aproveitava para os repreender e culpar. Assim, seria ainda mais amado e uma mais-valia para todos. Porém, os filhos mais violentos e culpados estavam sempre ausentes; presentes estavam os mais pacíficos e eram eles que ouviam o pai a criticar e a generalizar: 'Vocês é que começaram a guerra' e virava as costas, não querendo ver o muro que, entre todos, crescia ainda mais.
Bom fim de semana. E que as notícias tragam PAZ.
sexta-feira, 3 de novembro de 2023
Chegar, partir, lembrar, esquecer...
Bom dia!
Acabei de ler o comentário da Bea, no post anterior. E ocorre-me dizer: Vivemos dias de caos, mas, nesse caos que nos atormenta, há também momentos de beleza que nos animam.
Partilho uma canção de Jacques Brel, também referida no comentário, e que fala de crisântemos, flores que chegam e partem nestes primeiros dias de novembro.
E, felizmente, a música não é a única maneira de oferecer flores a quem tantas vezes é esquecido.
Obrigada pelas partilhas.
quarta-feira, 1 de novembro de 2023
Porque hoje é dia 1 de novembro
Desde pequena que oiço: 'estas flores são boas para enfeitar'.
Aqui, o verbo 'enfeitar' dispensa acompanhamentos quando se sabe que se trata de pôr flores no cemitério. Conheço pessoas que o fazem todas as semanas e ainda passam por lá de vez em quando para acrescentar água se o tempo é de calor. Atualmente, já se recorre muito aos catos e suculentas que duram muito mais do que as flores frescas. Também se veem as frias e hirtas flores de plástico ou as que vão tombando de velhice e secura, porque nem sempre há disponibilidade de tempo nem de dinheiro para comprar flores acabadas de colher.
A primeira vez que vi um cemitério fora de Portugal - estava eu com a minha irmã - foi o cemitério do Père Lachaise, em Paris. Poucas campas lá vi com flores frescas (a não ser nas sepulturas de ídolos com muitos fãs que os visitavam e não os esqueciam); muitas tinham vasos com plantas e em muitas outras jaziam artísticas pedras esculpidas e antigas. Para mim, com os olhos rurais de ver sempre tratar de flores para o cemitério, a ausência delas parecia uma prova de abandono a quem a vida também abandonou.
Agora, é claro que já não penso assim, embora continue a seguir alguns hábitos da minha mãe e das minhas tias. Uma delas dizia que havia mais de cinquenta anos enfeitava todas as semanas o jazigo da família.
E, quase sempre, com as flores que ela própria cultivava.
Hoje, logo cedo, fui ao cemitério, porque cá este feriado é de celebração dos defuntos. Não havia ainda quase ninguém, crisântemos de muitas tonalidades reluziam com abundância e o silêncio permanecia. Algumas pessoas chegavam com arranjos de flores ou soltas para serem colocadas nas jarras.
Por moda, por hábito, por saudade, por homenagem, etc., o cemitério estava mais bonito. Quem lá está merece-o, com certeza. Muitos dos que o visitam far-se-ão ouvir de muitos modos, onde também cabem as vozes e os sorrisos. É bom quando assim também se festeja a vida. Mesmo tendo na lembrança que o que aconteceu a quem lá fica também um dia acontecerá a 'todos, todos, todos.'
terça-feira, 31 de outubro de 2023
E, camélia puxa camélia...
A minha filha mais nova veio visitar a família. Apenas por um par de dias, mas deu para um lanche de abraços mais alargados em tarde de sábado e de forte invernia.
Felizmente, o domingo acordou uma hora mais tarde e de céu mais sossegado. E assim continuou sereno para um passeio no belo parque de Serralves, onde já havia camélias abertas, tal como algumas já reluzem no jardim da nossa casa.
- Mãe, já há camélias? Em Londres, ainda não vi nenhuma.
E, camélia puxa camélia, falou-se de alterações do clima e da memória que nem sempre se mantém intacta.
- Filha, já não me lembro se no ano passado as camélias abriram mais tarde ou nesta altura.
E, ao almoço, o apetecido e apetitoso peixe grelhado. Com salada de pimentos.
- Que saudades eu tinha desta maravilha, disse ela, com o sorriso meigo de quando não está com pressa ou cheia de coisas urgentes para fazer.
Ao fim da tarde, veio de novo a chuva intensa. Sobretudo na hora da despedida. No dia seguinte, a umas duas horas de distância de avião e quase outras tantas de comboio, havia trabalho e escola. No meio de pessoas a partir e a chegar, as lágrimas da minha neta soltavam-se dos bonitos olhinhos claros já saudosos.
No meu regresso do aeroporto, uma densa neblina fechava o horizonte e caía uma chuva persistente. A tarde escurecia cinzenta e a lembrança da cor viva das camélias ia-se-me apagando. As lágrimas da minha neta é que não.
segunda-feira, 30 de outubro de 2023
Postais e delicadeza
Gosto muito de postais que acho bonitos e com um toque de arte. Sempre que posso comprar alguns cá dentro ou lá fora, faço-o com imenso prazer. Não para os colecionar, mas para os oferecer em momentos como aniversários ou outros.
Talvez por isso, oiço muitas vezes: - Mãe, precisava de um postal. E lá vou eu à caixa onde eles vão morando, para sugerir algum ou dar a escolher.
Neste momento, o stock está fraquinho. Oxalá, em breve, a caixa dos postais possa ter mais companhia, sobretudo se eu viajar.
Ora, este fim de semana, embora bastante caseiro, chegou-me este postal que tinha sido comprado em Kioto, no Japão. E mais um bloco e mais uns envelopes - desta vez na vertical. Fiquei encantada com todas as ilustrações, com a combinação de cores - de grande suavidade e ligação à natureza. E pela sugestão de belos silêncios do desenho do templo e da figura concentrada da japonesa.
Até o papel de embrulho era bonito.
E 'delicadeza' logo me surgiu, porque é uma palavra de que também gosto muito, sobretudo de a ver aplicada em tantas coisas do nosso dia a dia - em atitudes em casa ou no trabalho, em pequenos arranjos de espaços, em simples objetos que se produzem, etc.
Mas, atenção, também neste âmbito não sou exemplar. Mesmo assim, penso como seríamos bem mais felizes se houvesse mais delicadeza nas relações humanas e na atenção ao pormenor de muita beleza que nos cerca e que são formas de arte.
Mas também me interrogo se no mundo atual, em que há tanta guerra, tanta destruição, tanta ganância, tanta fome de bens essenciais, esta preocupação tem razão de ser. E ouso dizer que sim. Pode não resolver muita coisa, mas pode evitar que muitas guerras aumentem, porque 'para pior, já basta assim'.
domingo, 22 de outubro de 2023
Ir ver os aviões
Há muito muito tempo, quando havia dias certos para o namoro, o aeroporto do Porto - então Pedras Rubras - era um espaço que escolhíamos para umas horas da tarde de domingo. Havia uma sala grande e com muita gente donde víamos os aviões enquanto lanchávamos. No tempo atual, isso seria impensável.
Íamos então ver os aviões - agora tão criticados por ativistas climáticos, os que atiram tinta e os que a utilizam para fins mais comuns.
O aeroporto do Porto - muito mais moderno e de nome Francisco Sá Carneiro - é, para mim, um local de muita alegria, quando, por exemplo, a minha filha e família chegam; um lugar de ansiedade, quando o avião que eu espero se atrasa muito; um sítio de algumas dores de barriga antes de partir; um espaço de regresso após consolos revisitados, etc
Um aeroporto pode representar, de facto, inúmeros estados de alma; para mim, sempre mais tranquilos às chegadas do que nas partidas.
Desde o tempo em que se ia ver os aviões até agora, foi toda uma vida. Os aviões eram bem menos e também o número de pessoas que viajavam. Confesso que ainda sinto algum fascínio quando vejo levantar ou aterrar um avião, embora saiba que não será um meio de transporte sustentável. Porém, e pondo os pés na terra, muitas vezes, as alternativas são difíceis, porque o tempo perdeu a lentidão de uma tarde de namoro ao domingo, em que se ia ver os aviões.
sexta-feira, 20 de outubro de 2023
Deitar à cara
Não gosto desta expressão. Então, estarão a perguntar: por que razão ficou no título?
E têm razão. De facto, acho esta expressão fria, justiceira e cega por parte de quem a usa e põe em prática.
Tantas vezes tantos de nós se calam porque sabem que, mais tarde, palavras ditas sobre o assunto serão atiradas de mansinho ou em desdenhosa acusação. E, muitas vezes, quem as vai buscar e as atira como pedras esquece que se abriga em telhados de vidro muito fino.
Outra coisa que me custa ouvir é: 'sou frontal, digo o que penso'. E o pior é que quem o diz muitas vezes se ofende com as palavras dos outros, sejam elas cor de rosa ou cinzentas ou de outra cor qualquer.
Sem falsidade, ingenuidade ou hipocrisia, podíamos e devíamos ser mais justos e compreensivos uns com os outros. E aqui também me incluo, é claro. Há tanta coisa (que tenho) a aprender.
Se fôssemos olhando uns para os outros como gostamos de ser olhados, dava um certo jeito e, pelo menos, o nosso mund(inh)o passava a ser melhor e mais feliz. E o mundo maior podia melhorar também.
E, se assim fosse, ao ver caras também se viam corações.
quarta-feira, 18 de outubro de 2023
Carminho - Lágrimas do Céu - ao vivo
terça-feira, 17 de outubro de 2023
O copianço
Talvez por medo de ser apanhada em flagrante, não me lembro de ter copiado, quando era estudante. Sempre achei que isso é incorreto, apesar de todas as influências a que ninguém é alheio.
No entanto - porque sou mais pecadora do que santa - lembro-me de num exame de francês ter levado alguns verbos escritos a lápis muito fininho no dicionário que podíamos consultar. Seria uma pequena ajuda em caso de necessidade, porque sempre gostei da língua francesa e os resultados eram bons.
Antes do exame, os dicionários eram todos abertos e revistados pela professora vigilante. O meu coração ficou em suspenso no momento em que a professora o tomou nas mãos. Que alívio quando mo devolveu. O coração voltaria a bater mais forte às lentas passagens da professora por entre as mesas dos examinandos.
Não me lembro de ter precisado de consultar ou copiar os tais verbos, e, naquele contexto, acho até que nem seria capaz de o fazer com medo de ser descoberta e chamada à atenção.
Outras táticas de copianço havia - e algumas bem engraçadas. Muitas já devem ter mudado, e outras introduzidas. Recordo-me de um aluno que levava gravata sempre que tinha testes ou exames, com copianço da parte de trás; de outro aluno, de braço engessado, com muitas assinaturas dos amigos e cábulas bem disfarçadas lá pelo meio, etc.
Para não falar dos irritantes textos - já como professora - que eram meras cópias tiradas da internet e entregues como se fossem um trabalho original.
Vem isto a propósito do caso recente, pelos vistos muito divulgado nas redes sociais, de um diretor de escola/agrupamento que copiou e divulgou um documento de outro diretor também de escola/agrupamento, como se fosse ele o autor.
Quantos outros casos haverá nas mais diferentes instituições? Se alguém repara e acusa, quem copia ou plagia é apontado e desacreditado; se ninguém se apercebe, a prática mentirosa continua. Muita cópia se faz e muito plágio se pratica em textos que são assinados por alguém e, afinal, foram escritos por um alguém bem diferente.
Esta prática enganadora existe em muitos países e em Universidades bem conhecidas.
E o pior é que muitos dos adultos, quando são confrontados com isto, nem ficam atrapalhados como alguns adolescentes com receio de serem descobertos pelas cábulas, umas mais inocentes, outras mais descaradas.
Mas, com estes exemplos de adultos com muitas responsabilidades, digo como dizia a minha avó paterna perante uma situação que lhe parecia de difícil resolução: É o caso!
domingo, 15 de outubro de 2023
Como vai ser o Natal este ano?
Hoje estive a terminar um conto de Natal para a habitual coletânea da Editora Lugar da Palavra. Também ando a fazer uns saquinhos em croché para uns presentinhos de Natal.
Embora faltem uns dois meses, às vezes penso: Como vai ser o Natal este ano?
E estou a falar em sentido restrito, próximo e familiar.
A minha família é grande e já foi necessária uma grande mesa para a consoada.
A mesa continua grande, mas os lugares à mesa foram diminuindo, pela lei da vida, pelo desconcerto da lei da vida; pelas novas famílias que também têm o direito de ver os seus à sua mesa, etc.
Fazer projetos de futuro, para muitos de nós que vivem em paz, ainda é natural, embora das fragilidades humanas e inseguranças atuais ninguém escape.
Que sentido fará para muitos povos da Palestina, da Ucrânia, de Israel e de tantos outros países falar-se de um evento daqui a dois meses? Seria até ultrajante, em muitos casos, quando no momento presente nem água há para beber.
Muita gente inocente nem saberá o que acontece uns segundos depois, quanto mais daqui a dois meses.
A televisão, que tenho sem som, vai mostrando pessoas de todas as idades em fuga, muitos feridos, muitas explosões, etc
Os comentadores vão falando. Não oiço o que dizem. Fico pelas imagens e nem todas quero ver, sobretudo de crianças tristes a chorar ou em sofrimento.
Será que, daqui a dois meses, ainda vamos poder desejar um bom Natal?
sábado, 14 de outubro de 2023
E Lisboa não tão perto
Para avós que moram junto ao Porto, muitas vezes Lisboa fica longe. Muito longe. Trezentos km para lá, outros tantos para cá, demora tempo e de correrias está o passado cheio.
Pois bem, três avós amigas foram a Lisboa dois dias. Uma boa escapadinha da rotina diária onde também cabe a cozinha.
De Campanhã ao Oriente, logo de manhã muito cedinho, no calmo comboio intercidades, houve tempo para pôr em dia muito do nosso dia a dia.
À chegada, que bom tomar um café num bonito Café do Vasco da Gama. E o pousar das malas no hotel e o entrar no programa já pensado: Palácio da Ajuda, MAAT e um concerto. Nem tudo cumprido, o que não é mau, quando o tempo passa com luz boa e boa disposição.
E houve também conversas imprevistas no táxi, conduzido por jovens brasileiros; no pequeno restaurante de Belém, cujo empregado lisboeta tinha a tatuagem de um dragão; o saborear do pastel - a que pouca gente resiste - num dos bancos à beira Tejo; as selfies sorridentes - não estivéssemos nós perto do Palácio Cor de Rosa!
Quanto ao Palácio da Ajuda, merece uma visita e não só as belas Joias da Coroa. É pena não haver táxis nem autocarros ali por perto. No largo (que poderia estar mais bem tratado) em frente ao belíssimo palácio, havia roupa a secar numa corda levantada por um simples pau, num toque curioso de aldeia.
Um pormenor da sala do trono no Palácio da Ajuda |
E o descer até Belém, com o largo rio ao fundo, ajuda a ver muito do trabalho que muita gente faz para que também muita gente se sinta mais feliz.
O anel de noivado de Joana Vasconcelos, no exterior do MAAT |
Partilho um bocadinho do espetáculo de Hauser. Cantou-se, dançou-se, saiu-se de lá a sorrir, o que em tempo de tantas guerras também é importante.
Lince de Bordalo 2 |
E, depois de uma caminhada matinal, entrada na linha 5 na estação do Oriente (os painéis das linhas e horários estavam avariados e foi difícil obter informação!) para regresso ao Porto. É bem certo o lugar comum: cansadas mas felizes.
E foi também muito bom ler em mensagem de partilha de fotos: Mãe, tens de fazer isto mais vezes.
Sim, o bom conselho vai ser seguido.
Daí a umas três horas, víamos o rio Douro e a belíssima imagem do casario que já avistámos milhares de vezes e que achámos sempre bela.
E o Porto (de novo) aqui tão perto.
terça-feira, 10 de outubro de 2023
Não, não voltaria lá!
Há mais de uma ou duas dezenas de anos, fiz algumas viagens longas e, felizmente, conheci alguns países em diferentes continentes. Nesse tempo, visitei Moscovo, na Rússia. Dessa cidade, ficaram-me na memória estações de comboio com tetos e candeeiros como se de belas e estimadas salas de palácio se tratasse.
Também tenho bem presente a pressa das pessoas de rosto triste e fechado a subir as escadas rolantes dessas estações. Toda a gente se encostava à direita para que a esquerda ficasse livre e ninguém impedisse ninguém de as subir como queria ou precisava. As vozes e sorrisos que se ouviam eram sobretudo dos turistas em contraponto com o silêncio fechado dos locais.
Numa dessas estações, travámos conhecimento com um homem de meia idade, que se aproximou educadamente de nós. De barbas e estatura à José Milhazes, falava inglês e deu-nos informações úteis sobre o local, tal como procurávamos. Nesse tempo, ainda não dispúnhamos do telemóvel com o sr Google sempre com a resposta na ponta da página. O diálogo durou apenas alguns minutos e, no final, com o mesmo ar sério, triste e sem rodeios, pediu-nos dinheiro. Agradecemos a ajuda e demos-lhe uma gratificação. Concluímos que era a sua forma de ganhar a vida, porque os ordenados eram baixíssimos.
Hoje não iria a esse país de modo algum, tal como muita gente, julgo eu, pela instabilidade e tirania de quem o governa.
De facto, o mundo mudou tanto nos últimos anos que há destinos que eram um bom sonho e que agora são um mau pesadelo. Tal como acontece com Israel - aonde nunca fui - que se tornou cenário de terror. Indicar as razões cabe aos analistas, mas, a mim, mera espectadora de algumas notícias, choca-me ver tanta gente inocente morta ou em sofrimento, ou sentir o tormento de quem vive com insegurança e muito medo, como acontece em Israel e ainda mais na Palestina.
Tantas reuniões se fazem ao 'mais alto nível', tantas resoluções se tomam, tantos documentos se aprovam, e as guerras vão destruindo e matando sem dó nem piedade.
Neste cenário atual, não poder escolher alguns destinos para viajar não é nada - mesmo nada - face à imensidão do terror de quem vive nos países em guerra e/ou onde não se respeitam os direitos humanos.
sexta-feira, 6 de outubro de 2023
Um senhor arrogante tinha um restaurante...
Terminei assim o último post:
'Porém, nem tudo o que lá se passa (rua da Alegria) dá alegria, mas deixo isso para outra viagem'.
Então aqui vai o que hoje me surgiu. A viagem foi só pelas palavras para falar de uma peripécia que, por acaso, aconteceu e agora surgiu em verso.
Um senhor arrogante
Tinha um restaurante
E como se sentia mais e mais
Ser arrogante
Não lhe bastava
Por isso também era vaidoso
Já que tinha muito e muito lhe sobrava
Ele tinha uma preferência
Pelas pessoas de referência
Ou por quem aparecia
Nos jornais ou televisão
Ainda que dos primeiros
Só costumasse ler os títulos
E frente à outra adormecia
No sofá bonacheirão
A sua preferência recaía
Sobre executivos como clientes
Famílias só as suas conhecidas
E mesas só de mulheres
Faziam-no ranger os dentes
Acha que pouco sabem
E nem um vinho caro escolhem
Do que gosta e lhe dá lucro
É mesma a mesa de homem
E como se habituou
À conversa masculina
Mesmo a mais corriqueira
Vendo um dia uma mesa no feminino
Comentou com altivez
Que é classe cabeleireira
Pensando não ser ouvido
Sempre altivo e convencido
Eis que uma das comensais
Ouve o fraco comentário
Do tal arrogante sujeito
Que pensa ser o mais forte
Até mesmo do que a morte
Fugindo com o rabo à seringa
Ele cala-se que nem petinga
E fixa quem lá dentro o ajuda
Com uma fúria confusa
De quem não respeita os demais
Mostrando que é um pequeno sinal menos
Mesmo que ele pense que é um grande sinal mais!
quarta-feira, 4 de outubro de 2023
O táxi e o chocolate
Éramos três amigas a caminho de um almoço num restaurante um pouco afastado da estação de Campanhã, no Porto, onde nos encontrávamos.
Estava calor e resolvemos apanhar um táxi.
Duas de nós sentaram-se atrás e a mais divertida sentou-se à frente, ao lado do motorista que - disse-nos depois - mora nas Fontaínhas (onde se festeja o S. João - lembrou-nos, embora o soubéssemos bem).
Então, a amiga mais divertida logo travou conversa com o senhor que nos conduzia e que já conduzia na cidade há mais de quarenta anos. E foi quando, entre sorrisos, veio à baila o anúncio e a frase chic da senhora chic: 'Ambrósio, apetecia-me tomar algo'.
O senhor do táxi, simpático, educado e comunicativo, abriu a tampa ao seu lado e tirou de lá um chocolate. Que lhe sabe bem um bocadinho de vez em quando. E que se mantém fresco, como gosta, pelo ar condicionado.
Com boa disposição pela partilha destes pequenos prazeres e boas palavras, chegámos ao destino, desejando-lhe também um bom almoço.
Seria em casa, como sempre, onde a mulher o esperava. E ainda houve tempo para o ouvirmos dizer que em jovem havia sido estafeta na cidade e que nesse tempo passava as notas a ferro para guardar o dinheiro direitinho.
O momento havia sido doce e alegre. E, por coincidência, estávamos na rua da Alegria.
(Porém, nem tudo o que lá se passa dá alegria, mas deixo isso para outra viagem).
sexta-feira, 29 de setembro de 2023
Campainha
Quando eu era miúda, a minha mãe dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, muitas vezes: não é para tocar à campainha. A advertência vinha a propósito de alguma coisa nova que se comprava, alguma notícia que era sobretudo nossa, etc. qualquer coisa que ela entendia não ser para contar a ninguém.
Não sei se foi por isso, mas tenho alguns pruridos em falar de mim num círculo mais alargado, ainda que a minha vida seja comum e anónima.
No entanto, aprecio muitas vezes a coragem de quem fala sobre si com inteireza, verdade e confiança, não para se vangloriar nem prejudicar seja quem for, mas porque o quer dizer, consciente de que o que diz não é motivo para se arrepender mais tarde nem é desabafo inocente que não interessa a ninguém e que apenas introduz ruído.
Com certas coisas que oiço dos outros também procuro ser cuidadosa, não reproduzindo muito do que ouvi, se o assunto é delicado, mesmo que não me tenham pedido segredo. Tenho medo de ouvir: foste dizer... contaste... não era para se saber ...
Fico atrapalhadíssima só de o pensar porque já me aconteceu uma vez ou outra e o que senti foi horrível. Devem ser resquícios do conselho que tantas vezes ouvi na minha infância, sentindo que não estive à altura de o cumprir: não é para tocar à campainha!
Por falar nisso, desculpem, estão a tocar à campainha.
sexta-feira, 22 de setembro de 2023
'Nunca te cales, filha'!
quinta-feira, 21 de setembro de 2023
Feliz
O apelido era Feliz, mas, se bem me lembro, raramente a vi feliz. Tinha muitos filhos - pelas minhas contas, eram sete - e as infelicidades caíam-lhes em cima com frequência. Pelas mãos ossudas e magras da mãe.
O que valia era a rua onde passavam muito tempo e podiam correr o arco, jogar ao pião, lançar papagaios de papel, saltar à corda, etc. Aí, sim, eram felizes e ninguém lhes batia. Também que ninguém se atrevesse, a menos que quisesse ser retribuído da mesma ou pior forma.
Quando chegavam a casa é que era pior. Vinham sujos e esfomeados da brincadeira e a mãe enfurecia-se porque tinha esfregado o chão, de joelhos e com mais esmero do que sabão amarelo, e eles vinham estragar tudo. E o apelido lá se ia pela água abaixo.
Não é que não gostasse dos filhos e que não zelasse pela saúde deles, mas que sujassem a casa e tirassem as coisas do lugar enervava-a e trazia-lhe à cabeça o caos que vinha da sua infância. E tenho eu a alcunha de Feliz, raisparta - dizia para si própria!
A casa está agora em ruínas. Amontoadas, tal qual foram caindo, pedras, bocados de cimento ou cacos variados contam bocados das histórias por lá vividas. Restos da casa em que cada um gostaria de ter sido mais feliz e não apenas de nome.
quarta-feira, 20 de setembro de 2023
Mimo também é quando a pessoa quiser!
MIMOS DE JUNHO foi o último livro da coleção MIMOS DE..., da Mimos e Livros. É uma coletânea que vai contemplando todos os meses e em que sempre tenho participado.
Desta vez, o tema era junho e dediquei o texto à minha irmã. Possa ela sorrir.
A minha irmã
Nasceu quando junho se abria.
Costumávamos trocar presentes nos aniversários, frequentemente livros. Oferecia-me quase sempre um de que tinha gostado, receando, porém, que eu não apreciasse - parda e persistente presença do fantasma do desamor.
Lia muito. Alimentava por si boa cultura literária, com alicerces nas estantes romanescas do nosso pai.
Como então era comum, o destino da maioria das raparigas seria tratar do marido, da casa e dos filhos. Contudo, livros, filmes, media que, ao longo da vida, selecionava criteriosamente, revelavam outras dimensões da vida.
O que mais a desassossegava era o medo de perder ou ver sofrer as pessoas que mais amava.
A leitura e a arte eram refúgio para muitas inquietações. E as poucas viagens possíveis. Paris representava, ainda que breves, a felicidade e a perfeição.
Também bordava sobre o linho, com cores e linhas sempre organizadas, como toda a casa.
Recordo-lhe a voz frágil e o cabelo encaracolado - grisalho, quando já muito doente, retendo brilho e beleza.
A minha irmã faz-me falta. Pela proximidade de idades e de visão do mundo.
Como lamento não termos trocado mais felizes e confiantes abraços - a que não fomos habituadas. O tempo não semeava afetos. Nem a coragem de os cultivar.
Junho floresce e quero sorrir, naturalmente, de irmã para irmã. Estou certa de que vai ver e sorrir também.
Como se nos oferecêssemos um livro bom e houvesse futuro.
segunda-feira, 18 de setembro de 2023
Sozinha em casa
Há uns tempos a esta parte, tento despojar-me de algumas coisas que não utilizo nunca e que podem ter utilidade para outras pessoas. Vejo o meu guarda-fatos e chego à conclusão que tenho bastante que vestir podendo variar. Portanto, para quê comprar e acumular, se não há necessidade?
Embora espere e deseje continuar a viver, vou pensando em situações de pessoas que morrem e deixam imensas e variadas coisas que não usavam e que vão dar muito trabalho a quem as tem de arrumar ou distribuir.
Pois bem, mas isto não condiz com o título que escolhi, embora tenha um bocadinho, sobretudo quando tenho o dia por minha conta. E como gosto de ter o dia por minha conta! Sem programa. Sem obrigações. Sem cumprimento de horários. Será egoísmo ou culpabilidade que se entranha e deixa marcas para sempre?
Quando estou sozinha em casa, arrumo umas coisas, outras ficam para depois (embora me pareça sempre ouvir a minha mãe dizer que sabemos como se sai, mas nunca como se entra!). E tenho tempo para olhar com mais atenção para as coisas, encontrando algumas sem qualquer história nem utilidade. Nesse caso, arranjo-lhes um destino mais útil. Também reutilizo outras, dando-lhes mais vida e visibilidade.
E que bom que é o silêncio da casa por umas poucas ou longas horas, ainda que muita coisa que também faça, tal como muita gente, sobretudo mulheres, seja a pensar nos que amamos e que vão chegar, que nos esperam, que nos chamaram, que precisam de nós, etc.
Por falar nisso, vou arranjar dióspiros, uns para congelar, outros para a sobremesa, mas, por enquanto, estou sozinha em casa, escrevo (-vos), oiço um carro de vez em quando a passar na rua, olho o canário que era da minha mãe no pequeno baloiço, vejo a mesa do pequeno almoço ainda por arrumar, o bilhete com as coisas que vou comprar no supermercado, bebo um pouco de café... Tudo tão simples e tão bom.
Estou a ser egoísta, mas sabe bem sê-lo quando se está sozinha ou sozinho em casa por vontade ou gosto próprios. E não por tanta e frequente solidão imposta.
domingo, 17 de setembro de 2023
A menina que quer ser professora
Há muito tempo, havia bastantes jovens - sobretudo raparigas - que diziam querer ser professores. E diziam-no com um brilhozinho nos olhos. Algumas vezes tive a alegria de o ouvir e ainda mais quando tiravam o curso e começavam a dar aulas (fui colega de alguns ex-alunos!).
Essa vontade de ser professor foi diminuindo ao longo do tempo - julgo eu. Será que ainda se vai a tempo de a recuperar? Oxalá que sim.
Há pouco, soube que uma estudante do último ano do secundário quer ingressar na Escola Superior de Educação e ser professora no futuro. Quando a avó fala do assunto, vê-se que a alegria e o orgulho são grandes. A jovem é uma rapariga aberta a este tempo globalizado, boa aluna, gosta de ler, vai a eventos culturais, desfruta com respeito dos bens da natureza, etc.
Que bom, diz quem ouve, a Escola precisa tanto de jovens, porque o envelhecimento da classe docente é notório.
Sei de alunos que dizem que os professores da turma são todos velhos, embora em muitos casos se tenha de relativizar porque, quando se é muito novo, toda a gente que tem mais uns vinte ou trinta anos já é considerado velho.
Mas todos vemos, ouvimos e sabemos que muitos professores estão à beira da reforma e que não há outros docentes em número suficiente para os substituir. Oxalá que exemplos, como o da menina que quer ser professora, possam motivar mais jovens para a carreira docente.
No entanto, não defendo que só os jovens têm a força, o saber e o entusiasmo necessários ao trabalho educativo. Muitos professores mostram-no no dia a dia, apesar da idade mais avançada, de todos os cansaços e problemas atuais - tantas vezes já antigos.
O ideal - ainda se pode falar em ideal? - será que mais jovens e menos jovens trabalhem em comum e juntem, com verdade e confiante serenidade, saberes necessários às crianças e jovens em idade escolar.
Parabéns e felicidades, M., menina que quer ser professora.
sábado, 16 de setembro de 2023
Pessimista versus otimista
Não me lembro de ouvir falar tanto de Educação como agora, mas, quase sempre, por más, embora pertinentes razões: falta de professores, anos de trabalho que o Estado não pagou, etc. Os Sindicatos, como é atribuição sua, fazem-se ouvir, barafustam, criticam, apresentam propostas, etc. E, atualmente, perante o que dizem ser teimosia do governo, decretam greves - demasiado frequentes, na minha opinião.
Os rostos que mais aparecem nos media - pelo menos os que vejo mais, embora existam outros como o da Fne - são os de Mário Nogueira, da Fenprof, e de André Pestana, do Stop. Quanto ao primeiro, acho que está há demasiados anos - desde 2007 - à frente desse Sindicato; quanto ao segundo, acho-o demasiado efervescente para a função.
Existem outros problemas nas escolas - e um deles é a burocracia - mas são pouco referidos. Por outro lado, há boas práticas que nunca são relevadas, porque o que é evidenciado são sobretudo os problemas, nomeadamente o não pagamento de serviço prestado. E este é o principal motivo para a convocação das frequentes greves. Também sou de opinião que quem trabalha deve ser remunerado, mas o ruído às vezes é tanto que já cansa muitas pessoas - incluindo bastantes professores - e os motivos das greves às vezes nem são ouvidos por quem não é professor. E muitos docentes não as fazem porque o ordenado não é grande e assim ainda é menor.
Quanto a esses dois dirigentes bastante mediáticos, André Pestana parece ter surgido a correr e de forma súbita com a sua mochila de papéis tantas vezes desarrumados e nervosos; Mário Nogueira, por sua vez, está no cargo desde 2007 e teria trabalhado como docente uma dezena de anos. Muito tempo à frente de um Sindicato. Demasiado tempo. O desgaste pelo tempo não perdoa.
A experiência acumulada pode ter vantagens, mas traz uma habituação que não é vantajosa para o grupo a defender. Podem até ser justos muitos dos seus argumentos, mas vão deixando de ser ouvidos, para além do cansaço que a imagem provoca.
Discordo cada vez mais do prolongamento em demasia em quaisquer cargos públicos de chefia, como se detivessem para si esse ónus a que se habituaram, muitas vezes para manutenção do poder e de regalias, embora não ponha em causa muito do trabalho realizado.
Será que os professores vão ser ressarcidos do tempo de serviço não pago e as greves vão abrandar? Neste contexto, não creio.
Será que outros problemas das escolas vão sendo resolvidos? Neste caso, sou um pouco mais otimista. Pode ser que a Educação ganhe mais relevância, como será necessário.
terça-feira, 12 de setembro de 2023
'Hoje é o primeiro dia...'
Hoje, não há televisão, rádio ou jornal que não fale do regresso às aulas. Da alegria de muitas crianças e jovens, da preocupação dos pais, do aumento de preço do material escolar, das novas greves prometidas pelos sindicatos de professores, dos apelos do ministro da Educação, etc.
Desde que deixei a escola - pública -, contacto com frequência com colegas e amigos com quem trabalhei, prolongando-se, felizmente, boas e grandes amizades. Assim, vou sentindo o pulsar da escola, onde cabem muitas alegrias, algumas esperanças mas também desilusões e frequentes cansaços.
É impossível não me recordar de tantos recomeços do ano letivo, em que a sala de aula se enchia de adolescentes; uns, felizes e curiosos pelas novas matérias que iam aprender e quase todos pelo reencontro com os colegas.
Os comportamentos também eram diferentes. Alguns - sobretudo raparigas - sentavam-se nas filas da frente, outros quase corriam para as filas de trás. E, de repente, a sala enchia-se. E vinham as boas-vindas e algum receio, mais ou menos disfarçado, de não conseguir corresponder aos sonhos daqueles jovens: uns mais seguros do que outros, porque as suas histórias de vida também eram todas diferentes. As reuniões com os pais confirmavam-no.
Quando se sentavam, logo as mesas se enchiam de mochilas - um bom truque para esconder o telemóvel. E, com palavras mais ou menos doces, as mochilas lá desocupavam as mesas.
Muitas vezes dou comigo a pensar em momentos felizes na escola em que entre mim e os alunos se criava a empatia necessária para que o crescimento humano e de saberes acontecesse. Porém, casos houve em que poderia ter agido com mais segurança e descontração.
Às vezes, perguntam-me se tenho saudades da escola e nem sei bem o que responder e começo por dizer que não sinto falta nenhuma das crescentes burocracias, mas, sim, às vezes sinto falta dos alunos na sala de aula, da aberta alegria das visitas de estudo, do entusiasmo de alguns projetos, da ajuda competente nas novas tecnologias, do olá dentro e fora da escola, etc
Se fosse agora, tentava fazer melhor em muitas coisas. Se conseguisse, muito bem; se não pudesse, viesse, pelo menos, a confiante serenidade de dizer: 'Hoje é o primeiro dia...'
quinta-feira, 7 de setembro de 2023
Desculpem, mas setembro chegou.
Bom dia!
Há muito tempo que não abro esta minha janela, embora os dias fossem correndo com bastante normalidade.
Também não tenho aberto os outros blogues onde encontro sempre coisas de que gosto.
Não é que vos tenha feito falta, com certeza, nem nada parou por causa da minha ausência aqui e durante este tempo. Seja como for, para mim, é muito importante sentir este ar fresco e bom que me vem de saber que vou ao encontro de pessoas amigas, embora nunca nos tenhamos sentado à mesma mesa.
Agora que setembro chegou, que as regas e afazeres familiares abrandaram um bocadinho, espero ser mais assídua.
Que o setembro traga para todos algum descanso, que as notícias sejam menos tenebrosas, que as crises climáticas não matem pessoas e natureza, que o calor humano cresça em vez das temperaturas, etc.
Ah, e tenho um propósito: caminhar um pouco todos os dias para conservar a saúde. Vou procurar cumprir.
Assim se cumpram outras e muito mais importantes prioridades do nosso país.
Um abraço.
quinta-feira, 24 de agosto de 2023
Agosto, serás assim tão querido?
O mês de agosto está quase no fim.
Enquanto rego o jardim e o quintal - com água do poço que, felizmente, continua a brotar, apesar do calor, - vêm-me algumas ideias para aqui partilhar ou então para arranjar algumas plantas e tornar o recanto mais bonito, etc.
Porém, o meu computador - talvez de tão carregadinho e cansado - pifou ou amuou ou desmaiou, não sei, porque não me obedece e não dá sinal de si. Como são férias para muita gente e está muito calor, ainda não fui à loja própria.
Podia usar o telemóvel para blogar, mas nunca o tinha feito. Procurei ajuda e estou a fazê-lo agora, ainda que com algumas dificuldades. Logo, o azar ficou mais pequenino.
Mas como dizem que um azar - seja ele grande ou pequeno - nunca vem só, esta semana fui ao supermercado e da lista constava couve-flor. Chegada ao local, peguei num exemplar que, tal como os outros exemplares, tinha bastantes folhas velhas à volta da dita flor. Que fiz eu? Toca a tirar algumas que desfeiavam o exemplar. Mal eu sabia que, pelo meu ato considerado nada exemplar, iria ouvir um raspanete da funcionária que ajeitava os legumes.
Uns dias depois, fui a uma missa pelo aniversário de nascimento da minha mãe. Na igreja, e na mesma fila, fiquei com alguns familiares. De vez em quando, trocávamos palavras de circunstância, embora em voz baixa.
No final da cerimónia, já fora da igreja, enquanto, juntos, conversávamos, veio uma pessoa chamar-nos a atenção porque tínhamos falado bastante durante a missa e, voltando-se para mim, disse que eu havia sido a pior.
Como não contava com o raspanete ali e naquele momento, a minha reação ficou-se por uma cara de muito poucos amigos, disseram-me depois.
Confesso que não gostei nada desses momentos, embora reconheça que não se deve falar na missa, nem que seja baixinho, tal como a minha mãe nos ensinou. Sobre pagar por folhas velhas não me lembro de ter recebido ensinamentos.
Mas, pronto, como já posso escrever sobre estas coisas, ainda que o computador continue avariado, vejo melhor que estes azares são mais que pequeníssimos em relação a outros que já aconteceram no país e no mundo este mês.
E desculpa, agosto, ainda que tragas coisas boas ou engraçadas ou que até dão pra rir; pelo que sinto, vejo, oiço e leio, há palavras que nunca te direi. Sabes quais? ‘Meu querido mês de agosto’!
terça-feira, 15 de agosto de 2023
Rituais também com melancia e talvez doces
Liguei a televisão e, no canal 1, estava a ser transmitida uma missa, porque hoje se celebra a festa católica da Senhora da Saúde. De repente, ocorreram-me alguns hábitos que, menina e moça, muitas vezes vi serem seguidos na família, mas que não cultivei pelos afazeres da vida e, se calhar, por algum desapego a rituais em dias marcados.
Por exemplo, neste dia feriado de 15 de Agosto, os meus pais iam quase sempre à missa aos Carvalhos, Vila Nova de Gaia, onde se festejava a Senhora da Saúde, na capela com o seu nome. O fervor religioso era da minha mãe, o lado de apreciar a festa mais pagã era do meu pai.
Quando regressavam, traziam sempre uma grande melancia, muito vermelhinha e sumarenta, que saboreávamos deliciados, e talvez doces, mas deles já não me lembro bem. A minha mãe não os dispensaria, aconchegadinhos no habitual cartucho de papel. O plástico ainda não tinha invadido o mundo inteiro. Oxalá este ano tenha diminuído por lá e em toda a parte. Também pela saúde de todos.
O dia, às vezes, estava muito quente, mas, quando a minha mãe chegava a casa, não falava do calor, mas sobretudo da beleza dos andores e da cerimónia, enquanto o meu pai procurava no jornal - julgo que naquela altura era O Primeiro de Janeiro - o horário de algum jogo de futebol ou da Volta a Portugal em bicicleta.
Embora não seja de seguir muitos rituais, sobretudo com regularidade, acho que estes podem também dar saúde a quem os pratica. Então, por que não?
Muita saúde para todos!
domingo, 13 de agosto de 2023
Praça da Liberdade
Eram duas as tias. No verão, alugavam uma casa na Foz e iam uns dias para a praia. Diziam que o sol e o iodo lhes faziam bem e assim passavam melhor o inverno.
Como não usavam fato de banho, uma delas, a que tinha mais jeito para a costura, fazia, antes das férias, saias mais claras e frescas para si e para a irmã. As blusas eram as que usavam habitualmente, de popeline e de manga curta. As saias eram abaixo do joelho e com umas rachas de lado, que eram cosidas quando o outono começava a dar sinais.
Duas das sobrinhas foram um dia visitá-las. Vão ficar contentes, pensavam. E vão contar coisas engraçadas. É verão e a Foz não é a nossa aldeia. Para além disto, havia o mar que sempre as fascinava e que raramente viam tão perto.
Saíram de manhã cedo de casa, foram de elétrico até ao Bolhão e apanharam outro elétrico até à Foz. Chegaram, contentes, quando o areal era ainda um pequenino e fresco deserto.
Como sabiam que as tias tinham o seu ritmo e não gostavam de surpresas nem correrias, as sobrinhas esperaram por elas no murinho próximo entre a rua e a praia. Nesses entretantos, viram muitas mulheres a tomar banho em combinação, sob o olhar cuidador do velho banheiro, agarradas a uma longa e grossa corda para aguentarem as ondas contra o corpo que não queriam destapar, mas cujos relevos a água acentuava.
Como as tias diziam que o ar do mar abre o apetite e para não dar despesa, as sobrinhas compraram pão fresco e bananas, que foram saboreando sentadas no murinho enquanto esperavam. O tempo não era de avisos prévios como é atualmente, porque nem toda a gente tinha telefone e do telemóvel nem sequer se falava.
Em breve, as tias apareceram, mas o encontro não foi efusivo como as sobrinhas esperavam, com alguma indiferença até. Como se não lhes agradasse a certa alteração dos seus rituais. Ainda assim, perguntaram se as sobrinhas queriam almoçar. Uma delas subiu de novo à casinha alugada para avisar a senhoria, que também fazia as refeições, para pôr mais dois pratos na mesa.
Sem mais delongas, desceram todas à praia e dirigiram-se à barraca de riscas azuis. As tias sentaram-se nas cadeirinhas pequenas também pintadas de azul e as sobrinhas na manta que ficava de noite num saco, com muitos outros sacos, à guarda do banheiro.
Entre palavras curtas, uma das tias tirou de uma cesta uma toalha de linho que andava a bordar, a outra começou a alinhavar umas peças de roupa e nem olharam quando se ouvia, bem próximo, o pregão: Olha a língua da sogra!
Depois do almoço, as tias foram descansar um pouco e as sobrinhas vieram cá para fora olhar mais longamente o mar. Falavam baixinho para não perturbar a sesta no quarto que era logo ali.
Mais brando o calor, voltaram todas à praia até uma das tias dizer que estava cansada, dobrando o trabalho que tinha entre mãos. Levantaram-se, penduraram as cadeirinhas nos cabides das barracas, saíram da praia devagar sem grandes mimos nem conversas. E para mais as pernas e as costas já doíam e o jantar já devia estar quase pronto.
A frase mais comprida que as sobrinhas então ouviram foi: quando quiserem, apareçam.
Depois da despedida um tanto apressada, porque as tias sempre gostavam de comer cedo e à hora certa, as sobrinhas regressaram, não sem antes comprarem pão que comeram com as bananas sobrantes, já um pouco moles.
Já na paragem, sorriram quando, ao longe, viram aparecer o elétrico onde à frente se lia: Praça da Liberdade.
sábado, 12 de agosto de 2023
A praia
A família chegou e montou a tenda de campismo, que sempre usava nos domingos de verão passados na mata junto à ria.
Naquele tempo - em que o avô ia de fato, gravata e chapéu - não se ouvia falar de grandes incêndios.
Também não faziam fogueiras porque levavam comida para todo o dia. E nunca faltava a panela de pressão sempre cheia. Nem sei se o feijão era acompanhamento ou o prato principal.
Depois de almoço, dava quebreira que a sombra das árvores altas refrescava, mas não abrandava. E quase ninguém resistia a uma sesta. Aqui e ali um ressonar. Não ficava cadeira vazia, sobretudo as de encosto.
Uma adolescente - a mais jovem da família - ia pela primeira vez acompanhada pelo namorado.
Sentados lado a lado, olhavam à sua volta. Eram os únicos não tomados pelo sono. Podiam ir passear pela estrada fora, mas o calor era muito. Podiam atravessar a rua e estender-se na curta areia da ria, mas estaria muito quente e não poderiam tomar banho.
- E se fôssemos à praia? Há passagem aqui ao lado.
- É difícil. Há muitos arbustos que picam, outros arranham de tão secos.
- Vamos tentar. Somos magros e resistentes.
- A praia é grande, bonita e não há quase ninguém.
- Pode ser perigoso. Não é vigiada.
- Estaremos sós como numa ilha deserta. Valemo-nos um ao outro.
Olharam de novo a família. Toda a gente dormia. Apenas o pai se mexia por causa de uma mosca que lhe passeava no rosto.
Com ternura e força, deram a mão e entraram nos arbustos densos que os separavam da praia de areia larga, clara e limpa.
Aonde entraram maravilhados, sem pressas nem tormentos. E onde se deitaram ouvindo só o som do mar. E os sentidos que a livre maresia atiçava.
Quando regressaram ao 'acampamento' já todos estavam acordados e alguns jogavam à bola. A mãe, preocupada, olhava em todas as direções.
Duas cadeiras, bem juntas, estavam vazias. Sentaram-se e, passados apenas alguns instantes, adormeceram.