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Quando entrei no museu, tudo me pareceu simpático, porque as pessoas que lá encontrei também eram amáveis. Apercebi-me de que há sempre uma exposição temporária bem documentada e reparei na cafetaria, grande e luminosa, espaço que habitualmente também procuro quando vou a um museu. Dando para um vasto jardim, consolava o olhar, porque, apesar de pouco tratado, nele cresciam árvores e flores espontâneas com as cores naturais da estação, neste caso, do outono.
Muitos dos visitantes do Centro deviam ser pessoas locais que lá convergiam para workshops ou outras atividades; na cafetaria, havia muito espaço mas pouca gente: um sítio cheio de luz natural, bom para ler, para usar o computador, para além de saborear boas saladas, a sopa do dia, fatias de quiche, tartes...
Tudo isto vi eu, depois de entrar no museu que eu não conhecia, mas que, ao descobri-lo no mapa, me despertara logo curiosidade. Como uma casa na qual apetece entrar, prevendo que, ao sair dela, a alma volta enriquecida com o encontro de alguma coisa ou alguém.
Vagarosamente, visitei a exposição do primeiro andar e depois aproveitei para almoçar na cafetaria, desfrutando da luminosidade aberta e do largo jardim. E da calma que parecia estar ali naturalmente plantada, à disposição de cada um.
Tirei o casaco, sentei-me, abri a carteira e peguei no livro que andava a ler. Foi quando ouvi um ruído surdo de um telemóvel que pertencia a um homem de meia idade, de porte alto, de mãos fortes, mas cujo rosto não cheguei a ver porque saiu da cafetaria, assim que atendeu o telefone, falando em voz baixa. Mesmo assim, apercebi-me de que tinha traços da construção de Félix, a minha personagem, mas não reparei muito bem em todas as semelhanças e diferenças, porque o homem se afastou da cafetaria e, no meu habitual e divertido jogo, disse para mim mais uma vez: bye, Mr Félix, e voltei à leitura.
Por esses dias, eu andava a ler o livro de contos de Lucia Berlin, Manual para mulheres de limpeza. Fascinavam-me aquelas histórias, de cariz autobiográfico, tão cruas e tão humanas, passadas nos Estados Unidos, e contadas com tal vivacidade de linguagem que me prendiam e me levavam até à Califórnia onde a autora e narradora lutara pela vida, agarrando-a com toda a força para vencer a doença, a penúria de dinheiro, a falta de afeto na infância e juventude, etc. Interessava-me perscrutar também tantas outras pessoas que a rodeavam e que, tal como ela, tanto subiam escadas para chegar a algum patamar de sucesso como logo as desciam aos tropeções. Para além de tudo, lendo aqueles contos, fascinava-me o gosto pela escrita, pela arte, pela livre natureza, pela verdade da essência humana que aquelas personagens me transmitiam.
Logo que eu começava a ler uma narrativa, tinha vontade de levar a sua leitura até ao fim. Esse deslumbramento criava em mim um estádio de franca felicidade, acrescida da possibilidade de, na altura, poder viajar e permanecer mais longamente nos sítios escolhidos, dando-me ao luxo de os mapear e definir a distribuição do meu próprio tempo.
Por isso, fui ficando na cafetaria do museu e julgo que me esqueci das horas, porque me entreguei à leitura daquelas histórias e só tirava os olhos do livro quando me lembrava que, perto de mim, havia um jardim encantatório e que merecia ser olhado demoradamente naquela tarde cinzenta e um pouco fria de outono. Eu, que tanto gosto de observar as pessoas que estão próximas de mim, quase as esqueci durante algum tempo, imersa que estava nas páginas do livro.
Mas, como senti sede, fechei o livro, pedi água e olhei à minha volta.
(Amanhã, voltarei. Terei visto Mr Félix?)