Felicidade
Pássaros nos beirais
aquarelam o azul
em melodias cor-de-sol
redondas e cristalinas...
E na transparência
da sinfonia
vejo a infância perdida:
manhãs de agosto
sentada à porta da cozinha
aberta ao horizonte
a minha avó aconchega-me
no colo
perfumado de pão fresco
fecho os olhos
e deixo-me embalar
no canto morno
que nasce nos ninhos
que escorre dos beirais
aconchegados de pássaros...
Maria Clara Miguel
(Pseudónimo de Isaura Afonseca)
Este foi um dos textos que lemos na segunda sessão das nossas Leituras no Hospital para pessoas, quase todas idosas, em cuidados continuados.
E houve quem quisesse ler o poema em voz alta e expressiva. E quem falasse de uma avó a quem chamou sempre avozinha. E quem perguntasse se podia dar o poema à neta porque de certeza que ia gostar. E quem se recordasse do pão fresco da sua infância. E quem comunicasse que sempre gostou de ver pássaros nos beirais, apesar de sujarem o chão. E quem contasse que a praia no verão é como um colo quente de avó e que tinha visto o mar no domingo passado e tinha adorado...
E também quem dissesse que sentia cansaço, que aquele dia não era dos melhores dias, que ouvia muito mal, que só queria reler o poema mais tarde porque tinha ouvido algumas palavras e tinha-as achado bonitas...
Quando nos despedimos até setembro, dissemos todos palavras meigas, com vontade de um feliz reencontro.