quarta-feira, 3 de abril de 2013

Wangari e as árvores da paz


A terra estava despida. 
Para mim, a missão 
era tentar voltar a cobri-la de verde.
Wangari Maathai


Wangari vive sob as árvores, à sombra do Monte Quénia, em África.
Ouve o cantar dos pássaros na floresta, sempre que vai com a mãe buscar lenha para cozinhar, e ajuda-a apanhar as batatas-doces, a cana-de-açúcar e o milho da terra fértil. Wangari é boa aluna e, quando cresce, alta como as árvores do bosque, ganha uma bolsa para estudar nos Estados Unidos. Seis anos depois, acabado o curso, regressa a casa, no Quénia, e vê que entretanto muita coisa mudara.
“O que aconteceu?”, interroga-se. “Onde estão as árvores?”
Wangari vê as mulheres curvadas sob o peso da lenha que tiveram de ir buscar a quilómetros e quilómetros de casa. Vê a terra despida, em que nada cresce.
“Onde estão os pássaros?”
Milhares de árvores foram cortadas para construir edifícios, mas ninguém plantara novas árvores em substituição. “O Quénia inteiro irá converter-se num deserto?”, pergunta-se. Wangari pensa na terra seca. “Posso começar por semear algumas árvores aqui no meu quintal, uma a uma”.
Começa com nove.
Ao ver os pequenos caules ganhar raízes, Wangari enche-se de ânimo para continuar a plantar e inicia um viveiro. Num descampado, Wangari planta pequenas árvores, fiada atrás de fiada. Em seguida, convence as mulheres das aldeias de que plantar árvores é algo de bom. Dá uma pequena árvore a cada uma.
— Verão que nossa vida será melhor quando voltarmos de novo a ter árvores. Estamos a lançar à terra sementes de esperança.
As mulheres espalham-se pelas suas aldeias e plantam longas fiadas de pequeninas árvores que se estendem como um cinto verde por todo o campo. Os funcionários do governo riem-se.
— As mulheres não são capazes de o fazer — dizem eles. — Só os serviços florestais é que sabem plantar árvores.
As mulheres ignoram a troça e continuam a plantar.
Wangari paga-lhes uma pequena quantia por cada planta que tenha pegado ao fim de três meses depois da plantação. É a primeira vez na vida que ganham dinheiro.
A palavra corre como o murmúrio do vento entre a ramagem: o verde voltou à aldeia de Wangari.
Depressa as mulheres de outras cidades, aldeias e povoados do Quénia começam também a plantar longas fiadas de pequenas árvores. Porém, o abate não para. Wangari opõe-se, firme como um carvalho, a fim de proteger as velhas árvores que ainda restam.
— Precisamos mais de um parque verde do que de um prédio de escritórios.
Mas os funcionários do governo não estão de acordo.
Wangari impede-lhes a passagem. É presa e metida na cadeia, sob a acusação de ser uma agitadora. Mantém-se firme. “O que é correto é correto, mesmo que se fique só”. Mas Wangari não está só.
O seu apelo a favor das árvores espalha-se por toda a África, como as ondas na água do lago Vitória. Muitas mulheres inteiram-se da notícia e plantam ainda mais árvores, em fiadas cada vez mais longas. Os caules ganham raízes e crescem bem alto, a ponto de haver mais de trinta milhões de árvores onde antes não havia nenhuma.
A floresta verde do Quénia renasce. As mulheres já caminham de cabeça erguida e costas direitas, agora que podem apanhar lenha perto de casa. A terra já não está seca. Batata-doce, cana-de-açúcar e milho crescem de novo na terra escura e fértil.
No mundo inteiro ouve-se falar das árvores de Wangari e do seu exército de mulheres plantadoras. E quem subir ao cume do Monte Quénia verá milhões de árvores a crescer lá em baixo, o verde que Wangari fez renascer em África.


♣♣♣♣


NOTA DA AUTORA
Wangari Maathai nasceu em 1940 no Ihithe, uma pequena aldeia na verde e fértil terra do Quénia. Wangari era uma estudante brilhante e ganhou a “bolsa de estudos Kennedy,” o que lhe permitiu tirar uma licenciatura e um mestrado em Ciências Biológicas nos Estados Unidos. Regressou ao Quénia para concluir os estudos na Universidade de Nairobi. Foi a primeira mulher na África Oriental a tirar um doutoramento. Professora universitária é, atualmente, membro do Partido do Quénia.
Wangari iniciou o Movimento Verde do Quénia em 1977, no Dia Mundial do Meio Ambiente, plantando nove pequenas árvores no quintal atrás da sua casa. Foi a primeira ação para contrabalançar a massiva desflorestação do país. Com a falta de árvores, a vida diária do campo mudara, especialmente para as mulheres: a lenha para casa era escassa, a terra estava em erosão e empobrecida e não havia água potável. O deserto avançava, arrasando campos onde outrora houvera árvores e colheitas abundantes.
Wangari recrutou mulheres da sua aldeia para a ajudarem a plantar mais árvores. Em 2004 já se tinham plantado trinta milhões de árvores, havia seis mil viveiros no Quénia, oitenta mil famílias viram os seus rendimentos aumentados e o movimento já se tinha estendido a trinta países africanos.
Wangari Maathai ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2004 pelo seu contributo para a paz no mundo através do Movimento Verde. Na tradição africana, a árvore é um símbolo de paz. Ao saber que tinha ganho o prémio, Wangari plantou no sopé do Monte Quénia uma Nandi flame, uma árvore autóctone africana. No seu discurso de aceitação do Prémio Nobel, disse:
Temos de curar as feridas da Terra...
Só assim curaremos as nossas próprias feridas.
Temos de abraçar a criação em toda a sua diversidade,
beleza e maravilha.


Jeanette Winter
Wangari y los árboles de la paz
Barcelona, Ediciones Ekaré, 2009
(Tradução e adap)

terça-feira, 2 de abril de 2013

Era uma vez... numa manhã de 3ª feira


 Imagem da net

Era uma vez...

Hoje de manhã, eu seguia no carro para o trabalho. Como quase sempre, conduzia com o rádio ligado. Ouvi, então, falar do Dia Internacional do Livro Infantil.

Uma bela voz contava uma bela história que começava por Era uma vez..., como quase todas as histórias do nosso imaginário.

O meu percurso diário, até ao local de trabalho, não é longo, mas há dias em que não me importava que durasse mais tempo, apesar da pressa frenética dos condutores ao início da manhã. Hoje seria um desses dias e, para mais, tinha saído de casa com antecedência.

A voz cristalina e suave da contadora da história fazia acreditar que é possível haver rios sem poluição, silêncios redentores, alegrias partilhadas, palavras atentas - ditas e ouvidas...

Já ganhara o dia. Entraria na sala de aula com a alma um pouco mais lavada. Vieram-me à cabeça pequenas estórias que também poderia escrever. 

E Era uma vez não convoca sempre príncipes e princesas. Nem bruxas más, nem varinhas de condão, nem lobos maus, nem brancas de neve, nem gatos com botas, nem raposas matreiras,  nem casinhas de chocolate, nem florestas encantadas, nem belas e monstros...

Poder-se-ia começar assim:

Era uma vez uma manhã 
Em que Era uma vez chegou
Veio muito de mansinho
E muito devagarinho
Belas histórias lembrou...



segunda-feira, 1 de abril de 2013

Quando chegará a primavera?



Quando chegará a primavera?!

Chegar já chegou. No calendário. Quando o sol brilha é quase acontecimento. O meu quintal está encharcado. E como o tempo é de mais recolhimento, cada um pensa(rá) um pouco mais no seu quintal. 

Com a mudança da hora, a luz do dia fica até mais tarde. Até dizemos que os dias são mais longos. No entanto, têm o mesmo número de horas. Também gosto mais de dias assim.

As previsões meteorológicas apontam para chuva, a norte, durante toda a semana. E isto acontece há muitas semanas. 

O tempo é assunto constante: está tanto frio! Ai esta chuva que não nos larga! O vento estragou-me o guarda-chuva!

Todos ansiamos por melhores dias e não apenas a primavera do calendário. 

Porém, não será de admirar que, quando tal acontecer, haja outras tantas queixas (minhas também, é claro!): que calor! Já tenho saudades do frio e da chuva!

Felizmente, faça sol ou faça chuva, algumas flores vão florindo.



sexta-feira, 29 de março de 2013

Feliz Páscoa!



 
 Sei um ninho

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
 
Miguel Torga 
 
 
 

Quando quero referir um poema de que gosto, ocorre-me, com frequência, "Sei um ninho" de Miguel Torga. Transmite (-me) esperança, inocência, crença no devir, fraternidade, amizade...

Escolhi-o para desejar Feliz Páscoa.

Este ano, a chuva tem sido frequente e abundante. 
 
Recordo Páscoas com muito sol e já muito distantes (ainda parecem tão próximas!) em que toda a família esperava o Compasso e íamos seguindo, com olhar atento,  o seu percurso através dos caminhos onde havia muitas flores. Ainda recordo as cores e o som da campainha.

À porta, espalhavam-se flores, anunciadoras da vontade de receber a Visita Pascal.
 
 
 
"Sei um ninho..."



quarta-feira, 27 de março de 2013

Dia(s) de Teatro



 Imagem da net

Hoje, dia 27 de março, comemora-se o Dia  Mundial do Teatro. Com certeza, em muitas salas haverá espetáculos. Oxalá tenham público, porque cada vez me convenço mais que educação e cultura  são fundamentais para o progresso de um povo.

Mas hoje ocorrem-me outros palcos. No momento em que escrevo este pequeno texto, José Sócrates está a ser entrevistado no canal 1. O que este político diz e os demais, dos diferentes quadrantes, é verdade ou é teatro? Quantos ensaios são feitos até ao aparecimento público de muitos políticos sobretudo na televisão? No caso presente, até este momento, uma das palavras recorrentes do ex-primeiro ministro tem sido "narrativa" -  vocábulo inerente também à ficção.

E os olhares, os sorrisos, o cruzar de mãos podem significar muito mas esconder outro tanto.

Embora não implique drama nem tragédia, também na nossa comunicação diária ocorre representação. Ou não, mas tal não se sabe ao certo com frequência.

Às vezes, apetecia ver os outros por dentro, sem máscaras. E os outros a nós próprios, com certeza. Porém, se tal acontecesse,  a queda do disfarce deixaria o cenário ainda mais vazio.

Em qual dos casos, o final da peça poderá/poderia ser mais feliz?


Esta mulher existe e outras assim existirão

Há um ano que cultiva uma horta. Assim, não precisa de comprar as hortaliças para casa. Também sente que lhe faz bem, porque nem pensa na doença que a impediu de continuar a trabalhar fora, o que tanta falta lhe fez.
Trabalhar a terra alivia-lhe a mente e sempre gostou de colher o que ela própria tinha semeado. Como a chuva foi abundante durante o inverno, não deu vazão às ervas daninhas que cresciam, cresciam... Sabe, contudo, que sempre vem um dia com boas abertas ou até com sol. Aprendeu a não desesperar.
As favas já estão crescidas, o cebolo lá se vai desenvolvendo, as alfaces têm mais folhas, as batatas fazem-se notar....
Ah! E também trata das flores que vende. Os narcisos pintam a terra de amarelo, as tulipas mostram com quantas cores se reinventa a primavera...
Já tem clientes certas. Algumas vizinhas e também algumas amigas. A venda dos trabalhos de artesanato, das compotas, das flores e das hortaliças ajudam a pagar as contas da casa e as viagens diárias do filho que anda na Universidade do Minho. O dinheiro não chega para que ele viva fora de casa.
O marido emigrou porque aqui não via jeito de arranjar trabalho e a vida nunca mais se compunha. E mostrou, sorrindo, a colcha à amiga. Não achas que as cores são bonitas?  Parece que dão vida e eu gosto das casas com vida. Aproveitei bocadinhos de pano, alguns já usados e gosto do efeito.
- Gostei muito da tua visita, disse ela na despedida. Toma estas bolachinhas. Duram um par de semanas.  Fui eu que as fiz. Sabem sempre bem quando os amigos vêm a nossa casa.


Conversa de proximidade

- Amanhã, tenho de fazer análises.
- Hoje, como sempre, pus a roupa toda pronta para o meu marido vestir. E ainda assim, pôs-se a gritar: onde está a minha camisola azul?
- Estava mesmo a ver que o médico me ia mandar fazer análises. Já não ia lá há tanto tempo!
- Em casa, ele não faz nada, nada, nada! Só há uma coisa em que ele é igual a mim.
- Não me apetecia nada ter de me levantar tão cedo. E pra mais não poder tomatr o pequeno almoço.
- Ele não gosta de estar em casa e eu também não. Estamos sempre a pensar onde vamos a seguir quando chegamos a casa.
- Só espero é que não me encontrem doenças. Às vezes, isso acontece em análises de rotina.
- Eu digo-te, se eu soubesse o que sei hoje não me casava com ele. Olha que ele não faz mesmo nada em casa!
- Se eu sabia, ontem não tinha ido ao médico e assim não fazia já as análises.
- Vamos pedir a conta? Está na hora.
- Sabes por quanto ficam as análises?