No palco, Rui Veloso, sempre à vontade, ia comunicando com o público:
O teu irmão num beio, cara(go)?
Que espetáculo! Que noite! Olha quem está ali!
Gosto mesmo de os ber aí, quera!
Parece que estão na minha sala! E esta é comprida, quera!
Olha aquele gajo do tempo do liceu! Ficou cum bergonha!
'Tou a ficar bailhote, já num bejo bem, queré!
...
E música. Muita música. Com memória(s). Com sentimento(s). Com pessoas de todas as idades. Uns de braços erguidos ao ritmo dos sons. Outros mais quietos, mas com a alma embalada pelas emoções.
Foi ontem à noite, na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia. Um espetáculo de duas horas. Umas vezes com chuviscos (pareciam as orvalhadas de S. João, mas os Santos Populares já lá vão), outras com céu quase a descoberto.
Às vezes, passava uma gaivota e, entre as luzes, parecia uma pomba branca.
O público foi ao rubro quando Rui Veloso cantou o sublime Porto Sentido:
Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar
Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joanina
dirigida sobre um monte
no meio da neblina.
Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.
(...)
As últimas três canções foram das que o público mais estava à espera.
"O anel de rubi":
Tu eras aquela que eu mais queria,
para me dar algum conforto e companhia,
e era só contigo que eu sonhava andar,
para todo o lado e até quem sabe talvez casar.
Ai o que eu passei só por te amar,
a saliva que eu gastei para te mudar.
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu,
e nem com a força da musica ele se moveu.
Mesmo sabendo que não gostavas,
empenhei o meu Anel de Rubi,
Pra te levar ao concerto que havia no Rivoli
(...)
"Muito mais é o que une do que aquilo que nos separa":
Recebi o teu bilhete
para ir ter ao jardim
a tua caixa de segredos
queres abri-la para mim
e tu não vais fraquejar
ninguém vai saber de nada
juro não me vou gabar
a minha boca é sagrada
Estar mesmo atrás de ti
ver-te da minha carteira
sei de cor o teu cabelo
sei o shampoo a que cheira
já não como, já não durmo
e eu caia se te minto
haverá gente informada
se é amor isto que sinto
Quero o meu primeiro beijo
não quero ficar impune
e dizer-te cara a cara
muito mais é o que nos une
que aquilo que nos separa
(...)
Não há estrelas no Céu
Não há estrelas no céu a dourar o meu caminho,
Por mais amigos que tenha sinto-me sempre sozinho.
De que vale ter a chave de casa para entrar,
Ter uma nota no bolso pr'a cigarros e bilhar?
[Refrão]
A primavera da vida é bonita de viver,
Tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover.
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar,
Parece que o mundo inteiro se uniu pr'a me tramar!
(...)
Nas nossas costas, estava uma das mais belas paisagens do mundo. Atrevo-me a dizê-lo, apesar de não gostar nada destas afirmações radicais.
É o Porto! É o porto!