sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Diário de Mariana - Abaixo o pombal?


Querido diário, 
Há tanto tempo que não te escrevo. Tenho tido testes, trabalhos... mas também só uma fã é que me disse há algum tempo: Mariana, não tens escrito o teu diário! Eu sorri, puxei o cabelo para trás e encolhi os ombros. Ontem, a minha irmã mais velha também me disse: ó Mariana, há que tempos não leio nada teu. Eu até lhe disse logo: ó mana, até ‘tou admirada contigo porque criticas algumas páginas. Uma vez até disseste que o diário nem fica muito bem neste blogue adulto. Como é que disseste? Eu acho que tu chamaste pediátrico ao meu diário. Lembras-te? Até achei piada.
A minha irmã mais velha também é muito querida, mas gosta de tudo muito a sério. Ainda bem que eu não sou assim, porque isso dá muito trabalho e nem dá para descansar um bocado no sofá. Livra!
Pus-me a falar da minha irmã mais velha e ainda não falei do assunto que pus no título. Eu então vou contar. Hoje foi o último dia de aulas nos contentores. Também se dizia que eram monoblocos, mas quase toda a gente chamava pombal. As escadas, de chapa aos furinhos, eram muito largas,  tremiam muito e faziam muito barulho. Até me dava pena ver algumas professoras a subir: num braço, a carteira, no outro a pasta e às vezes o computador ao ombro. Eu não gosto de criticar as pessoas mais velhas, mas às vezes imaginava-as a serem içadas até às salas de aulas. Se a minha Dê-Tê sabia disto, deitava-me logo um olhar fulminante e dizia: Mariana, por amor de Deus!
Hoje foi o último dia que estivemos nessas casinhas provisórias. A partir de agora, depois de muitas obras que, pelos vistos custaram bué de milhões (eu que tenho só uns euritos por semana até me custa compreender essas contas) vamos ter salas a sério outra vez. Mas até houve coisas fixes durante este tempo que estivemos no pombal: era mais fácil copiar porque as mesas estavam mais juntas; podíamos trocar bilhetes sem a setora ver; falávamos mais à vontade sem nos chamarem a atenção… Pra não falar do Gi que às vezes dizia que não percebia, eu punha-me a explicar-lhe baixinho  e ele dizia-me que só me queria dizer outra vez que eu era a inspiração dele. Ele é mesmo fofinho!
Para a semana, falo das minhas impressões das aulas “na parte nova”. Ainda não sei muito bem onde vai ser a sala da minha turma mas oxalá que não fique muito longe do bar. Os croissants  são altamente.
Eu como me habituo com facilidade às situações novas, até continuava no pombal, mas, pronto, tem de ser, tem de ser. O pombal vai abaixo. Que vá. Mas não digo “Abaixo o pombal”. Tenho recordações tão fixes!
Até um dia destes, querido diário. Muitos abracinhos.
Mariana

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Balada de outono


Graça Morais

Águas
E pedras do rio
Meu sono vazio
Não vão
Acordar
Águas
Das fontes
calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Águas

Do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas
Das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto
A cantar
Zeca Afonso

2 de agosto 1029/23 de fevereiro de 1987

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Marcha De Quarta-Feira De Cinzas

 Toulouse-Lautrec
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz

                                     Vinicius de Moraes

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Dia Internacional da Língua Materna


Hoje, dia 21 de fevereiro,  comemora-se o
 Dia Internacional da Língua Materna
(proclamado pela Unesco em 1999)


Picasso

«As palavras, como os pássaros,
voam por cima das fronteiras políticas».
Rodrigues Castelão

«Da minha língua
vê-se o mar».
Vergílio Ferreira

«Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela
as quantas dimensões da Vida». 
Mia Couto

«A minha pátria
é a língua portuguesa».
Fernando Pessoa

«Porque bonitas são as línguas depois de manejadas e
celebradas pelas pessoas».
Ondjaky

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Provérbios de Carnaval


 K. Somov
 
Não há Entrudo sem lua nova nem Páscoa sem lua cheia.

Quer no começo quer no fundo,  em fevereiro vem o Entrudo.

Namoro de Carnaval não chega ao Natal.

Carnaval na eira, Páscoa à lareira.

É Carnaval, ninguém leva a mal.

Esta vida são dois dias e o Carnaval são três.

No Carnaval nada parece mal.
 
Pelo Natal semeia o teu alhal, e se o quiseres cabeçudo, semeia-o pelo entrudo.
 
Quem quiser o alho cabeçudo, sache-o pelo entrudo.

Há máscaras que não devem cair!

Veneza

Teatro

Antiguidade 

Moçambique
Podence, Trás-os-Montes

"Ai Lurdes, Lurdes Que vou morrer"...

 
Cézanne

Todos Os Homens São Maricas Quando Estão Com Gripe

Pachos na testa
Terço na mão
Uma botija Chá de limão
Zaragatoas
Vinho com mel
Três aspirinas
Creme na pele
Dói-me a garganta
Chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer
Mede-me a febre
Olha-me a goela
Cala os miúdos
Fecha a janela
Não quero canja
Nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes
Não vales nada
Se tu sonhasses
Como me sinto
Já vejo a morte
Nunca te minto
Já vejo o inferno
Chamas diabos
Anjos estranhos
Cornos e rabos
Tigres sem listas
Bodes de tranças
Choros de corujas
Risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
Que foi aquilo
Não é a chuva
No meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes
Fica comigo
Não é o vento
A cirandar
Nem são as vozes
Que vêm do mar
Não é o pingo
De uma torneira
Põe-me a santinha
À cabeceira
Compõe-me a colcha
Fala ao prior
Pousa o Jesus
No cobertor
Chama o doutor
Passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes
Nem dás por nada
Faz-me tisanas
E pão de ló
Não te levantes
Que fico só
Aqui sozinho
A apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer

António Lobo Antunes
                           Cantado por Vitorino

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Tudo em aberto


Sempre com sentido!

Porto Sentido

Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende ate ao mar
Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joanina
dirigida sobre um monte
no meio da neblina.
Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.
E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria
[refrão]
Ver-te assim abandonada
nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento
E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa
               Rui Veloso

Em manhã de domingo, lembro o dia de sábado


O poeta Fernando Castro Branco
O dia começou cedo. Era sábado, mas quase meia centena de professores viriam à Escola Secundária de Gondomar para concluir umas Conferências do Concelho, ligadas à Língua Portuguesa.
Como há muito muito tempo acontece, estava sol.
Falou-se de gramática, de ortografia, de lendas, de Mia Couto, de António Lobo Antunes…
Ao longo do dia, andámos “À volta das palavras: nomear e recriar”.
 O poeta Fernando Castro Branco, o último comunicador do dia, falou da criação poética e leu alguns dos seus poemas. O sol já se tinha posto e a poesia (que ele diz ser heterodoxa) ainda cativava o silêncio.
Foi bom ver professores a partilhar muitos dos seus conhecimentos, a revelar o seu amor pela Linguística, pela Literatura, pela Educação, pela obra que vão construindo...
Para mim, foi um dia feliz pela boa e profunda comunicação que se estabeleceu.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

No exterior do Museu Romântico, no Porto,...

...em visita de estudo com duas turmas.
Felizmente mais um dia em que gostei muito de ser professora!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Em dia de (e)namorados...

 Szerelmespár
As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drumond de Andrade

Felizmente há música assim!


Há dias, ouvi dois grupos a cantar. Eram formados por professores de duas escolas: Secundária de Ovar e Secundária de S. Pedro da Cova, em Gondomar. Em comum, havia o maestro, também músico e cantor, assim como o amor pela música, pelas palavras cantadas, pela alegria de partilhar a história, histórias, conhecimentos…
O público interagia e também cantava. No final, o professor-maestro-ensaiador disse sentir que estas experiências são boas também para os alunos e que tornam todos pessoas melhores.
Pelo rosto dos presentes, pela boa comunicação que se estabeleceu, via-se que ninguém tinha ouvido palavras vãs e que a deslocação à UPP (Universidade Popular do Porto) tinha sido uma mais-valia.
Felizmente estas práticas inspiradoras estão, muitas vezes, bem perto de nós.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Passando de tarde numa rua antiga

Ela passou de tarde numa rua muito antiga do Porto. As casas eram antigas. E as árvores. E os jardins. E as ruínas. E os portões de terrenos onde ninguém parecia entrar há muito muito tempo. E as casas silenciosas com quase eternas camélias...
Uma das casas tinha, no jardim, uma pequena casinha. Talvez do jardineiro de antigamente que agora não há lugar para essas mordomias. Ao passar, ela espreitava discretamente pelos portões de ferro. Sentia vontade de chegar a casa e recriar histórias.

A luz da rádio


Quando vou a conduzir, gosto de ouvir rádio. Às vezes, música; muitas vezes, entrevistas, crónicas, comentários…
Numa curta viagem de hoje, com o rádio ligado, fiquei a saber que hoje era o Dia Mundial da Rádio. E lembrei-me de uma coisa muito distante no tempo  e muito ingénua. 
Quando eu era pequena, gostava muito de ouvir rádio. As vozes a sair daquele aparelho eram para mim um mistério. Um dia, sem ninguém ver, espreitei para dentro daquela caixa mágica a ver se  era possível ver alguém.
Consegui ver uma luz muito brilhante e logo concluí: não vejo as pessoas por causa da luz!!!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Bem perto do rio


Como nesta página não havia flores...


sábado, 11 de fevereiro de 2012

«O SEGREDO DE UM CUSCUS»


Sempre que posso, vejo filmes lusófonos e francófonos. Para além do meu gosto pessoal, também os procuro para os sugerir aos alunos. Gostaria de lhes provar que os filmes de língua portuguesa ou francesa não são chatos, como se diz.

Mas, às vezes, acho o filme com uma história bastante triste. Tudo parece acender o lado lunar da vida e apagar o mais solar. Por isso, acabo por esperar pelo próximo.

Não sei se é por isso, às vezes o filme está pouco tempo em exibição. Desaparece da sala de cinema enquanto o diabo esfrega um olho.

Pois bem, vi:
O Segredo de um Cuscus
De AQbdel kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia Herzi, Farida Benkhetache

E gostei muito deste filme francês que recebeu vários prémios, tanto em França como em Veneza.

 O filme revela temas importantes, como: Relações Familiares, (in)Fidelidades, Imigração, Delinquência Juvenil, Momentos de vida dos Sem-Abrigo, Solidariedade, Alegria/Vontade de Viver, Desemprego, Projetos de Vida …
Durante três horas, acompanhamos passos de muitas pessoas «reais» que habitam num bairro suburbano, numa zona do sul de França.
Gostei particularmente das solidariedades espontâneas e ruidosas da família magrebina, protagonista do filme. Todos falam alto e ao mesmo tempo, saúdam-se com beijos estridentes, abraçam-se, ajudam-se, zangam-se, riem… Arranjam sempre lugar para mais um saborear a comida de que tanto gostam; neste caso, couscous!
À mesa, e à volta de uma refeição de couscous, todos celebram a festa dos sentidos. Com os dedos e os lábios besuntados com derramado e visceral prazer!
Parece que sentimos o cheiro dos melhores petiscos feitos por quem tem a mão certa para os temperos, para o tempo de cozedura, para a combinação dos alimentos mais frescos e saborosos. O que acontece quase sempre com a comida das nossas mães. No caso da família magrebina, também era a mãe que reunia a sabedoria da junção e preparação dos melhores sabores. Para que o resultado fosse perfeito.
Como quando a comida vem para a mesa no tacho e, ao destapar-se, liberta um odor que (nos) aquece a alma, embora também o corpo encontre consolação.
Neste filme, encontrei sobretudo imagens solares, embora as haja também lunares, porque a vida não as dispensa nem justifica a sua falta.
A ação mostra que às vezes um projeto pode falhar, mesmo estando-se à beira da sua concretização. Mas também fica na história de cada um todo o processo para o conseguir. Naquele caso, foi toda uma família que se uniu para ajudar o pai – separado da mãe – que, de repente, ficou sem trabalho. Também ele procurava ajudar a família.

Se vier a propósito – e vem sempre quando se quer –, vou sugerir este filme aos meus alunos.
Para além de tudo, há uma música encantatória, sobretudo quase no final.
E há, ao longo do filme, uma jovem, muito solidária e lutadora, que encontra soluções para ajudar a avançar os projetos de pessoas que lhe são próximas.
Para que não digamos que os jovens são sempre egoístas. E sobretudo para que eles vejam que vale a pena não se ser indiferente.

Seja como for, boas imagens! Solares, de preferência.
Nem que sejam pequenas como um grão de cuscus.

Ainda a propósito de "Plágio"

Ouvi um reparo a propósito do nome que cito no texto:
- Mãe, não devias referir o nome de M.P.C. Ela fez tanta coisa boa e ser-lhe apontada  só uma coisa que é suposto ela ter feito de mal. Não, não acho bem.

- Filha, se calhar, tens razão. E compreendo-te porque, como escritora, ela também foi um dos teus ídolos de adolescência (lembro-me até de, uma vez, teres dito que te identificaste tanto com algo que leste num livro que até choraste).


Sim, realmente temos a tendência a insistir no que está errado e a ignorar muita coisa que é bem feita.

Em Trás-os-Montes, sem fotografia


Há alguns invernos que não vou a Trás-os-Montes. Pude fazê-lo, felizmente, com regularidade, durante vários anos. Um dos destinos era a Feira do Fumeiro, em Montalegre. Saíamos cedo de casa e o carro, divertido, lá subia os montes – esforços agora esbatidos pelas autoestradas.
A feira era mais um pretexto para o grupo de amigos visitar aldeias, comer bons e genuínos petiscos, apreciar as paisagens, falar com outras pessoas…
Começo a falar disto e logo me lembro do frio seco que eu adorava sentir nas mãos e no rosto. E dos restaurantes com a lareira acesa. E do presunto acabado de cortar. E das casas baixas com pedras em ruínas e imaginadas histórias. E das batatas muito brancas e do feijão vermelho a fumegar. E dos velhos a caminhar devagar junto à casa que era o centro do universo.
Um dia, numa aldeia de Montalegre (em Paredes do Rio, julgo eu), visitámos um casal já idoso que tínhamos conhecido no ano anterior. Levaram-nos até à cozinha para comermos pão com chouriço. A cozinha tinha as paredes muito negras. Perto da lareira, pendiam, de umas traves pardas, os enchidos. Sentámo-nos a uma mesa pequena e também escura. De repente, ouvimos um suspiro que vinha do lado menos visível do banco junto à lareira. Era uma outra velha que lá estava sentada e em silêncio. Vestia toda de preto, da cor da parede e do banco de costas altas. Disse, timidamente, que vinha sempre ali passar as tardes de domingo, sobretudo quando estava mais frio.
Não me lembro nitidamente do rosto, mas acho que daria uma bela fotografia. Nada fria, apesar das trevas do recanto.

Tenho tanto que fazer!

Esta frase será uma das mais ditas e repetidas no nosso mundo atual. Não sei se sempre assim foi. Antigamente, muitas mulheres não trabalhavam tanto, embora trabalhassem muito. Agora, a grande maioria trabalha dentro e fora de casa. Legitimamente também gosta de mostrar muito do que vale, o que dá trabalho e ocupa mais tempo. 

Quando oiço "tenho tanto que fazer", parece que me estou a ouvir a mim própria. Então, digo para os meus botões em calmo estilo zen: não vou repetir esta expressão, aproveitarei o tempo da melhor maneira possível, farei o que eu puder e estiver ao meu alcance...

Porém, olho para as folhas acumuladas em cima da mesa e, mesmo sem querer, lá vem a tal frase, seguida do mesmo propósito.

Hoje, sábado, um dia de fevereiro cheio de sol, poderia sair para andar a pé, reparar nas magnólias brancas que já começaram a florir, olhar as cores das camélias que há muito estão em flor, sentir o frio cheiro azul do mar...

Não vou. Acabo por ficar. É que tenho tanto que fazer!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Os Pássaros de Londres

Mário Cesariny
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz rasante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, in Poemas de Londres

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As casas


Menez

As casas habitadas são belas 
se parecem ainda uma casa vazia 
sem a pretensão de ocupá-las 
tornam-se ténues disposições 
os sinais da nossa presença: 
um livro 
a roupa que chegou da lavandaria 
por arrumar em cima da cama 
o modo como toda a tarde a luz foi 
entregue ao seu silêncio 

Em certos dias, nem sabemos porquê 
sentimo-nos estranhamente perto 
daquelas coisas que buscamos muito 
e continuam, no entanto, perdidas 
dentro da nossa casa 

José Tolentino Mendonça

Plágio



Quando corrigimos textos de alunos, redigidos em casa, é difícil, muitas vezes, saber se são originais ou não. Muitas vezes são retirados da net, sem qualquer correção até, por mais que lhes digamos que é reprovável essa prática e que em nada os ajuda nem dignifica. Já tenho ficado muito zangada com isso e tenho visto colegas com a mesma desilusão. Há até professores que deixaram de pedir trabalhos sobre temas ou sobre livros, porque outros os fazem ou são meras cópias.
A propósito disso, lembrei-me de um pequeno texto que há uns tempos escrevi sobre um filme (O segredo de couscous) e que Matias Alves publicou no Terrear. Qual é o meu espanto ao saber que tinha sido quase todo retomado, uns dias mais tarde, num blogue com muitos visitantes. As palavras de uma cidadã desconhecida passavam para autor apreciado. Perante um comentário no Terrear, o post foi retirado do blogue plagiador. 
E muitos mais casos há de cópia de textos. E até de pessoas muito conhecidas. Recordo o caso de Clara Pinto Correia, uma  escritora e cientista de enorme talento, e que também não cedeu a essa tentação. Custou-lhe caro e ainda hoje estará a pagar a fatura.
Também em licenciaturas, mestrados e até doutoramentos se verifica plágio. Se assim continuar, dificilmente os mais jovens deixarão de o fazer.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Situação de pânico


O desafio foi: escrever sobre uma situação de pânico. Mário Cláudio disse mais uma vez: escrever é expor-se.
Era uma noite de maio. Quente, abafada, de céu carregado. Os rostos estavam rubros e transpirados. Adivinhava-se uma forte trovoada. Eu encontrava-me a uns trinta km de casa. As filhas eram pequenas e esperavam-me. A estrada era por entre penhascos. Eu olhava o céu e via-o de fogo. Meti-me no carro, fechei as janelas porque não suportava aquele ar quente e parado. Fiz-me à estrada. De repente, vejo o primeiro relâmpago e logo a seguir muitos mais seguidos de fortes trovões quase em simultâneo. Se parasse, ficaria entre as árvores gigantescas, se continuasse, caminharia para o abismo. O céu em brasa abria-se ruidosamente, a estrada parecia afunilar e tornava-se interminável. Deixei de pensar e conduzia como uma máquina que apenas faz o que foi programado.
 Millet
Sentia o horror de me sentir um ser demasiado pequeno perante uma natureza que se impunha como gigante enfurecido. Uns grossos pingos de chuva começaram a cair, um vento sem controle fazia rodopiar as folhas secas que batiam contra o vidro. Nenhum carro passava e o tempo também não.
Só perto de casa a tempestade amainou.
Quando circulo nessa estrada, mesmo que os céus e as árvores estejam sossegados, ainda sinto o quase pânico desse regresso a casa em noite turbulenta de trovoada.

(Nota: Brontofobia é o medo de trovoadas)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Lua sobre o rio


ESTA ESCOLA NÃO É... PARA VELHOS


Há dias em que, percorrendo os corredores da escola, me interrogo sobre as condições de trabalho de professores e funcionários, no que respeita ao ruído: muito estridente nos intervalos e nos espaços de convívio. Parafraseando Fernando Pessoa, diria que, para muitos, manter um pouco mais de silêncio é estar doente da voz.
Muitos jovens habituaram-se a comunicar aos gritos e aos empurrões.
Há dias em que me interrogo sobre o meu papel na sala de aula. Não nas minhas aulas, felizmente, mas, sobretudo, nas aulas de substituição em que docente e alunos são desconhecidos e partilham um espaço de comum desagrado. Para além de ser lícita a pretensão de acompanhamento, em pleno, dos alunos, corrobora-se, mais uma vez, a ideia de que os direitos são assumidos como mais abundantes do que os deveres.
Se o sorriso do professor fosse observado à saída de uma aula de substituição, muitas vezes não passaria de amarelo. Leva-se um filme sobre problemas atuais, não interessa; pergunta-se se há dúvidas, não existem; sugere-se um jogo de língua portuguesa, é seca; propõe-se a redação de um pequeno texto, é chato; dialoga-se sobre um tema, dá sono…
 A este propósito, vem-me à memória uma situação em que uma professora foi chamada para uma aula de substituição, no 8º ano. Entrando na sala, deparou com os miúdos em grande algazarra. Calma e amigavelmente, mandou-os sentar e retirar as mochilas de cima da mesa para que todos se pudessem ver melhor. Deu algumas sugestões de atividades, mas viu enfado na maioria. Pediu, então, sugestões, mas ouviu-se uma só: jogos de computador, o que não foi aceite.
Como era o primeiro dia de outono, a professora, olhando pela janela, começou a dialogar sobre esta estação. Uma parte da turma aderiu, mas a outra: Podemos sair mais cedo? Posso ouvir música? Podemos ir agora para os computadores?... Por que é que temos de estar aqui se o professor ainda não foi colocado? Quando é que vem esse professor?...
 Após alguns minutos de adesão de alguns e resistência de muitos mais, a professora propôs a redação de um pequeno texto sobre o outono (sempre era uma maneira de os acalmar), aplicando muito do que havia sido dito e muito mais que poderiam saber ou imaginar.
Escreveu no quadro as instruções para que a realização do trabalho fosse mais clara. Poderiam fazer ilustrações, porque a imagem, muitas vezes, enriquece as palavras. Acrescentou que corrigiria os textos e dá-los-ia a conhecer à professora de Português – de quem eles tinham dito gostar muito. Durante a realização do trabalho, a professora ia ajudando, respondendo a questões, dando sugestões…
Finda esta aula de substituição, a professora começou a ler os textos produzidos. Uns com ilustrações a cores – bem bonitos, dizia ela com os seus botões – outros feitos um bocadito à pressa – o que se compreende, pensava ela magnânima… Depois, deparou com um grupinho de textos, de estrutura semelhante, gizados, provavelmente em grupo. Pôde, então, ler: O outono é feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio… O verão é lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo…. Era uma vez um caçador feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio… Depois, apareceu outro caçador lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo…
Gostando de ser positiva, a professora pôs um comentário em cada trabalho. Nestes casos, ficou escrito: «Usa as palavras de modo a não tornar o mundo mais triste». A professora de Português da turma, ao ler os trabalhos e as anotações, disse à colega, com humor: poderias ter acrescentado: …triste, triste, triste, triste, triste, triste….
Tal como eu, muitos professores dizem: gosto de dar as minhas aulas, mas o pior é o resto. Sim, o pior é o resto.
De facto, há dias em que penso: Esta Escola … não é para velhos! E será para os novos?


Há tempos escrevi este texto. Foi publicado no Terrear. 
Hoje lembrei-me dele quando vi uma notícia sobre um professor que foi agredido. 
O que relato não é violento, apenas um pouco feio, feio, feio, feio, feio...

"É o costumezinho?"


Recebi há pouco um telefonema de uma instituição. Do outro lado, ouvi: é o costumezinho?
E lembrei-me do gosto que temos pelos diminutivos: filhinho, queridinha, arrozinho, dinheirinho, casinha… 
Há outros de que me lembrei também: anda comiguinho, moro à beirinha…
Mas “o costumezinho” ainda será o menos costumeiro.

Como é quando o homem quiser…


Fragonard

Estamos em fevereiro. O Natal já lá vai há muito e vejo-me a reler e a corrigir (pontuação, acentuação…) bastantes contos de alunos para serem publicados em livro.
Quando souberam da publicação, os alunos ficaram contentes e entusiasmados: que fixe o nosso conto vai ser lido por outras pessoas!
E os adolescentes que parecem tão arredios da leitura, da escrita, de alguns valores humanos abordaram sentimentos de um jovem e de um sem-abrigo, porque eram estas as personagens que tinham obrigatoriamente de incluir na sua história.
Estou com curiosidade de ver o livro pronto. A capa será de Florentina Gonçalves, uma professora de Educação Visual e também pintora. O livro estará pronto nos primeiros dias de março. Quero mostrá-lo aqui no olamariana, porque acho maravilhoso partilhar muitas das nossas palavras.
A data da publicação de contos de Natal poderá não ser a mais indicada, mas a escrita, a leitura, os valores humanos, os sentimentos, a observação do mundo são de todas as ocasiões. Será bom abrir as páginas de contos escritos por alunos, professores e funcionários.
Razão teve o poeta quando disse: Natal é quando o homem quiser.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Atenção, este tema pode ser mórbido


Há muitos anos, conheci uma senhora que muito fazia para merecer as boas graças dos outros. Sobretudo das pessoas da terra. Dizia que quando morresse, queria ver muita gente no seu funeral. Por isso, estava sempre presente no enterro dos familiares, das pessoas amigas, conhecidas, e chegava à conclusão se a pessoa falecida merecia ou não ter ali muitos seres para lhe acenarem uma última vez. Se estivesse muita gente, era uma pessoa querida, se houvesse pouca, seria sinal de que só uma minoria lhe queria bem.
Passou-se o tempo e também a vida. E esta consigo sempre traz a morte. Nem que demore muito tempo a viagem. A dita senhora faleceu e teve, de facto, muita gente a assistir ao funeral. Lá, no lugar onde estivesse, devia sentir o júbilo de quase ninguém ter ficado em casa.
Mas uma coisa é certa, em surdina, muitos diziam que estavam ali porque ela tinha estado no funeral do pai, da mãe, do primo, do tio, do vizinho… e funeral com funeral se paga.
Isto aconteceu há muitos anos, como eu disse no início. Há menos anos, morreu uma outra senhora. No funeral, havia poucas pessoas. Não se ouviam cochichos. Na cerimónia fúnebre, foi lida uma pequena carta, onde se elogiavam as qualidades que ninguém pôs em causa nem duvidou da verdade dos factos e das palavras. Poder-se-iam até acrescentar outros méritos. Terminadas as cerimónias, as pessoas regressaram a casa quase em pensativo silêncio. No dia seguinte, falava-se mais da vida do que da morte. Não que se pensasse que falar da morte fosse mórbido, mas eram evidentes as vantagens em relembrar a Vida que aquela mulher tinha semeado na Terra.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Em memória


Pouco devia passar dos cinquenta anos. Era professora de Biologia e assessora da direção da escola. 
Dominava muito bem as regras do ensino à noite. E também conhecia muito bem os alunos. E os seus diferentes casos: as disciplinas que cada um devia frequentar, os exames que cada um tinha de fazer, as matrículas que cada um tinha de renovar…
Ela demonstrava gostar muito da escola à noite. Que conhecia tão bem como as suas mãos. A doença começou a ameaçar tirar-lhe a vida. Ela foi resistindo e lutando. O sorriso mantinha-se aberto e franco.
Toda a dedicação dela agora é memória, porque partiu em dia cinzento e frio.
E penso nos meus colegas, nos meus amigos e concluo que a morte, para além de toda a tristeza que convoca, ensina  também a celebrar melhor a Vida.

Leonard Cohen em domingo de manhã


Saí. No regresso, comprei pão fresco. No carro, sentia-se o cheiro do pão. O rádio estava desligado. Apetecia-me o silêncio.
O mês de janeiro e o início de fevereiro trouxeram pouca chuva mas algumas coisas desagradáveis. Recordo um propósito do início do ano: ser mais positiva.
Ligo o rádio: Canta (não sei se canta ou fala, ou diz, ou olha, ou prende) Leonard Cohen com a sua voz quente, sensual, intensa... Passo a conduzir mais devagar. Olho o céu cinzento, a paisagem fria. Continuo, deliciada, a ouvir a voz, a música e fico mais pacificada, perante azares que, confrontados com outros, se calhar, até são pequenos.
E acredito, mais uma vez, que em todos os dias podem acontecer coisas boas. Felizmente.