...em visita de estudo com duas turmas.
Felizmente mais um dia em que gostei muito de ser professora!
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Em dia de (e)namorados...
Szerelmespár
As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drumond de Andrade
Felizmente há música assim!
Há dias, ouvi
dois grupos a cantar. Eram formados por professores de duas escolas: Secundária
de Ovar e Secundária de S. Pedro da Cova, em Gondomar. Em comum, havia o
maestro, também músico e cantor, assim como o amor pela música, pelas palavras
cantadas, pela alegria de partilhar a história, histórias, conhecimentos…
O público
interagia e também cantava. No final, o professor-maestro-ensaiador disse
sentir que estas experiências são boas também para os alunos e que tornam todos
pessoas melhores.
Pelo rosto dos
presentes, pela boa comunicação que se estabeleceu, via-se que ninguém tinha
ouvido palavras vãs e que a deslocação à UPP (Universidade Popular do Porto)
tinha sido uma mais-valia.
Felizmente
estas práticas inspiradoras estão, muitas vezes, bem perto de nós.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Passando de tarde numa rua antiga
Ela passou de tarde numa rua muito antiga do Porto. As casas eram antigas. E as árvores. E os jardins. E as ruínas. E os portões de terrenos onde ninguém parecia entrar há muito muito tempo. E as casas silenciosas com quase eternas camélias...
Uma das casas tinha, no jardim, uma pequena casinha. Talvez do jardineiro de antigamente que agora não há lugar para essas mordomias. Ao passar, ela espreitava discretamente pelos portões de ferro. Sentia vontade de chegar a casa e recriar histórias.
A luz da rádio
Quando vou a
conduzir, gosto de ouvir rádio. Às vezes, música; muitas vezes, entrevistas,
crónicas, comentários…
Numa curta
viagem de hoje, com o rádio ligado, fiquei a saber que hoje era o Dia Mundial da Rádio. E
lembrei-me de uma coisa muito distante no tempo e muito ingénua.
Quando eu era pequena,
gostava muito de ouvir rádio. As vozes a sair daquele aparelho eram para mim um
mistério. Um dia, sem ninguém ver, espreitei para dentro daquela caixa mágica a ver se era possível ver alguém.
Consegui ver
uma luz muito brilhante e logo concluí: não vejo as pessoas por causa da luz!!!
domingo, 12 de fevereiro de 2012
sábado, 11 de fevereiro de 2012
«O SEGREDO DE UM CUSCUS»
Sempre que
posso, vejo filmes lusófonos e francófonos. Para além do meu gosto pessoal,
também os procuro para os sugerir aos alunos. Gostaria de lhes provar que os
filmes de língua portuguesa ou francesa não são chatos, como se diz.
Mas, às vezes,
acho o filme com uma história bastante triste. Tudo parece acender o lado lunar
da vida e apagar o mais solar. Por isso, acabo por esperar pelo próximo.
Não sei se é por
isso, às vezes o filme está pouco tempo em exibição. Desaparece
da sala de cinema enquanto o diabo esfrega um olho.
Pois bem, vi:
O Segredo de um Cuscus
De AQbdel kechiche
Com: Habib Boufares, Hafsia
Herzi, Farida Benkhetache
E gostei muito deste filme francês
que recebeu vários prémios, tanto em França como em Veneza.
O filme revela temas importantes, como: Relações
Familiares, (in)Fidelidades, Imigração, Delinquência Juvenil, Momentos de vida
dos Sem-Abrigo, Solidariedade, Alegria/Vontade de Viver, Desemprego, Projetos
de Vida …
Durante três horas,
acompanhamos passos de muitas pessoas «reais» que habitam num bairro suburbano,
numa zona do sul de França.
Gostei
particularmente das solidariedades espontâneas e ruidosas da família magrebina,
protagonista do filme. Todos falam alto e ao mesmo tempo, saúdam-se com beijos
estridentes, abraçam-se, ajudam-se, zangam-se, riem… Arranjam sempre lugar para
mais um saborear a comida de que tanto gostam; neste caso, couscous!
À mesa, e à
volta de uma refeição de couscous, todos celebram a festa dos sentidos. Com os
dedos e os lábios besuntados com derramado e visceral prazer!
Parece que
sentimos o cheiro dos melhores petiscos feitos por quem tem a mão certa para os
temperos, para o tempo de cozedura, para a combinação dos alimentos mais
frescos e saborosos. O que acontece quase sempre com a comida das nossas mães.
No caso da família magrebina, também era a mãe que reunia a sabedoria da junção
e preparação dos melhores sabores. Para que o resultado fosse perfeito.
Como quando a
comida vem para a mesa no tacho e, ao destapar-se, liberta um odor que (nos) aquece
a alma, embora também o corpo encontre consolação.
Neste filme, encontrei
sobretudo imagens solares, embora as haja também lunares, porque a vida não as
dispensa nem justifica a sua falta.
A ação mostra
que às vezes um projeto pode falhar, mesmo estando-se à beira da sua
concretização. Mas também fica na história de cada um todo o processo para o
conseguir. Naquele caso, foi toda uma família que se uniu para ajudar o pai –
separado da mãe – que, de repente, ficou sem trabalho. Também ele procurava
ajudar a família.
Se vier a
propósito – e vem sempre quando se quer –, vou sugerir este filme aos meus
alunos.
Para além de
tudo, há uma música encantatória, sobretudo quase no final.
E há, ao longo
do filme, uma jovem, muito solidária e lutadora, que encontra soluções para
ajudar a avançar os projetos de pessoas que lhe são próximas.
Para que não
digamos que os jovens são sempre egoístas. E sobretudo para que eles vejam que
vale a pena não se ser indiferente.
Seja como for, boas imagens!
Solares, de preferência.
Nem que sejam pequenas como um
grão de cuscus.
Ainda a propósito de "Plágio"
Ouvi um reparo a propósito do nome que cito no texto:
- Mãe, não devias referir o nome de M.P.C. Ela fez tanta coisa boa e ser-lhe apontada só uma coisa que é suposto ela ter feito de mal. Não, não acho bem.
- Filha, se calhar, tens razão. E compreendo-te porque, como escritora, ela também foi um dos teus ídolos de adolescência (lembro-me até de, uma vez, teres dito que te identificaste tanto com algo que leste num livro que até choraste).
Sim, realmente temos a tendência a insistir no que está errado e a ignorar muita coisa que é bem feita.
Em Trás-os-Montes, sem fotografia
Há alguns invernos que não vou a
Trás-os-Montes. Pude fazê-lo, felizmente, com regularidade, durante vários anos.
Um dos destinos era a Feira do Fumeiro, em Montalegre. Saíamos cedo de casa e o
carro, divertido, lá subia os montes – esforços agora esbatidos pelas
autoestradas.
A feira era mais um pretexto para
o grupo de amigos visitar aldeias, comer bons e genuínos petiscos, apreciar as
paisagens, falar com outras pessoas…
Começo a falar disto e logo me
lembro do frio seco que eu adorava sentir nas mãos e no rosto. E dos
restaurantes com a lareira acesa. E do presunto acabado de cortar. E das casas
baixas com pedras em ruínas e imaginadas histórias. E das batatas muito brancas
e do feijão vermelho a fumegar. E dos velhos a caminhar devagar junto à casa
que era o centro do universo.
Um dia, numa aldeia de Montalegre
(em Paredes do Rio, julgo eu), visitámos um casal já idoso que tínhamos
conhecido no ano anterior. Levaram-nos até à cozinha para comermos pão
com chouriço. A cozinha tinha as paredes muito negras. Perto da lareira,
pendiam, de umas traves pardas, os enchidos. Sentámo-nos a uma mesa pequena e
também escura. De repente, ouvimos um suspiro que vinha do lado menos visível
do banco junto à lareira. Era uma outra velha que lá estava sentada e em
silêncio. Vestia toda de preto, da cor da parede e do banco de costas altas. Disse,
timidamente, que vinha sempre ali passar as tardes de domingo, sobretudo quando
estava mais frio.
Não me lembro nitidamente do
rosto, mas acho que daria uma bela fotografia. Nada fria, apesar das trevas do
recanto.
Tenho tanto que fazer!
Esta frase será uma das mais ditas e repetidas no nosso mundo atual. Não sei se sempre assim foi. Antigamente, muitas mulheres não trabalhavam tanto, embora trabalhassem muito. Agora, a grande maioria trabalha dentro e fora de casa. Legitimamente também gosta de mostrar muito do que vale, o que dá trabalho e ocupa mais tempo.
Quando oiço "tenho tanto que fazer", parece que me estou a ouvir a mim própria. Então, digo para os meus botões em calmo estilo zen: não vou repetir esta expressão, aproveitarei o tempo da melhor maneira possível, farei o que eu puder e estiver ao meu alcance...
Porém, olho para as folhas acumuladas em cima da mesa e, mesmo sem querer, lá vem a tal frase, seguida do mesmo propósito.
Hoje, sábado, um dia de fevereiro cheio de sol, poderia sair para andar a pé, reparar nas magnólias brancas que já começaram a florir, olhar as cores das camélias que há muito estão em flor, sentir o frio cheiro azul do mar...
Não vou. Acabo por ficar. É que tenho tanto que fazer!
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Os Pássaros de Londres
Mário Cesariny
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz rasante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny, in Poemas de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz rasante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny, in Poemas de Londres
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
As casas
Menez
|
As casas habitadas são belas
se parecem ainda uma casa vazia
sem a pretensão de ocupá-las
tornam-se ténues disposições
os sinais da nossa presença:
um livro
a roupa que chegou da lavandaria
por arrumar em cima da cama
o modo como toda a tarde a luz foi
entregue ao seu silêncio
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa
José Tolentino Mendonça
|
Plágio
Quando
corrigimos textos de alunos, redigidos em casa, é difícil, muitas vezes, saber
se são originais ou não. Muitas vezes são retirados da net, sem qualquer
correção até, por mais que lhes digamos que é reprovável essa prática e que em
nada os ajuda nem dignifica. Já tenho ficado muito zangada com isso e tenho
visto colegas com a mesma desilusão. Há até professores que deixaram de pedir
trabalhos sobre temas ou sobre livros, porque outros os fazem ou são meras
cópias.
A propósito
disso, lembrei-me de um pequeno texto que há uns tempos escrevi sobre um filme (O
segredo de couscous) e que Matias Alves publicou no Terrear. Qual é o meu
espanto ao saber que tinha sido quase todo retomado, uns dias mais tarde, num
blogue com muitos visitantes. As palavras de uma cidadã desconhecida passavam
para autor apreciado. Perante um comentário no Terrear, o post foi retirado do
blogue plagiador.
E muitos mais casos há de cópia de textos. E até de pessoas muito conhecidas. Recordo o caso de Clara Pinto Correia, uma escritora e cientista de enorme talento, e que também não cedeu a essa tentação. Custou-lhe caro e ainda hoje estará a pagar a fatura.
E muitos mais casos há de cópia de textos. E até de pessoas muito conhecidas. Recordo o caso de Clara Pinto Correia, uma escritora e cientista de enorme talento, e que também não cedeu a essa tentação. Custou-lhe caro e ainda hoje estará a pagar a fatura.
Também em
licenciaturas, mestrados e até doutoramentos se verifica plágio. Se assim
continuar, dificilmente os mais jovens deixarão de o fazer.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Situação de pânico
O desafio foi: escrever sobre uma situação de pânico. Mário Cláudio
disse mais uma vez: escrever é expor-se.
Era uma noite de maio. Quente,
abafada, de céu carregado. Os rostos estavam rubros e transpirados.
Adivinhava-se uma forte trovoada. Eu encontrava-me a uns trinta km de casa. As
filhas eram pequenas e esperavam-me. A estrada era por entre penhascos. Eu
olhava o céu e via-o de fogo. Meti-me no carro, fechei as janelas porque não
suportava aquele ar quente e parado. Fiz-me à estrada. De repente, vejo o primeiro
relâmpago e logo a seguir muitos mais seguidos de fortes trovões quase em simultâneo.
Se parasse, ficaria entre as árvores gigantescas, se continuasse, caminharia
para o abismo. O céu em brasa abria-se ruidosamente, a estrada parecia afunilar
e tornava-se interminável. Deixei de pensar e conduzia como uma máquina que
apenas faz o que foi programado.
Millet
Sentia o horror de me sentir um
ser demasiado pequeno perante uma natureza que se impunha como gigante
enfurecido. Uns grossos pingos de chuva começaram a cair, um vento sem controle
fazia rodopiar as folhas secas que batiam contra o vidro. Nenhum carro passava
e o tempo também não.
Só perto de casa a tempestade
amainou.
Quando circulo nessa estrada,
mesmo que os céus e as árvores estejam sossegados, ainda sinto o quase pânico
desse regresso a casa em noite turbulenta de trovoada.
(Nota: Brontofobia é o medo de trovoadas)
(Nota: Brontofobia é o medo de trovoadas)
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
ESTA ESCOLA NÃO É... PARA VELHOS
Há dias em que,
percorrendo os corredores da escola, me interrogo sobre as condições de trabalho
de professores e funcionários, no que respeita ao ruído: muito estridente nos
intervalos e nos espaços de convívio. Parafraseando Fernando Pessoa, diria que,
para muitos, manter um pouco mais de silêncio é estar doente da voz.
Muitos jovens
habituaram-se a comunicar aos gritos e aos empurrões.
Há dias em que
me interrogo sobre o meu papel na sala de aula. Não nas minhas aulas, felizmente, mas, sobretudo, nas aulas de substituição
em que docente e alunos são desconhecidos e partilham um espaço de comum desagrado.
Para além de ser lícita a pretensão de acompanhamento, em pleno, dos alunos, corrobora-se,
mais uma vez, a ideia de que os direitos são assumidos como mais abundantes do
que os deveres.
Se o sorriso do
professor fosse observado à saída de uma aula de substituição, muitas vezes não
passaria de amarelo. Leva-se um filme sobre problemas atuais, não interessa;
pergunta-se se há dúvidas, não existem; sugere-se um jogo de língua portuguesa,
é seca; propõe-se a redação de um pequeno texto, é chato; dialoga-se sobre um
tema, dá sono…
A este propósito, vem-me à memória uma
situação em que uma professora foi chamada para uma aula de substituição, no 8º
ano. Entrando na sala, deparou com os miúdos em grande algazarra. Calma e
amigavelmente, mandou-os sentar e retirar as mochilas de cima da mesa para que todos
se pudessem ver melhor. Deu algumas sugestões de atividades, mas viu enfado na
maioria. Pediu, então, sugestões, mas ouviu-se uma só: jogos de computador, o
que não foi aceite.
Como era o
primeiro dia de outono, a professora, olhando pela janela, começou a dialogar
sobre esta estação. Uma parte da turma aderiu, mas a outra: Podemos sair mais
cedo? Posso ouvir música? Podemos ir agora para os computadores?... Por que é
que temos de estar aqui se o professor ainda não foi colocado? Quando é que vem
esse professor?...
Após alguns minutos de adesão de alguns e
resistência de muitos mais, a professora propôs a redação de um pequeno texto
sobre o outono (sempre era uma maneira de os acalmar), aplicando muito do que
havia sido dito e muito mais que poderiam saber ou imaginar.
Escreveu no quadro
as instruções para que a realização do trabalho fosse mais clara. Poderiam
fazer ilustrações, porque a imagem, muitas vezes, enriquece as palavras. Acrescentou
que corrigiria os textos e dá-los-ia a conhecer à professora de Português – de
quem eles tinham dito gostar muito. Durante a realização do trabalho, a professora
ia ajudando, respondendo a questões, dando sugestões…
Finda esta aula
de substituição, a professora começou a ler os textos produzidos. Uns com
ilustrações a cores – bem bonitos, dizia ela com os seus botões – outros feitos
um bocadito à pressa – o que se compreende, pensava ela magnânima… Depois,
deparou com um grupinho de textos, de estrutura semelhante, gizados,
provavelmente em grupo. Pôde, então, ler: O outono é feio, feio, feio, feio,
feio, feio, feio, feio… O verão é lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo,
lindo, lindo…. Era uma vez um caçador feio, feio, feio, feio, feio, feio, feio,
feio… Depois, apareceu outro caçador lindo, lindo, lindo, lindo, lindo, lindo…
Gostando de ser
positiva, a professora pôs um comentário em cada trabalho. Nestes casos, ficou
escrito: «Usa as palavras de modo a não tornar o mundo mais triste». A
professora de Português da turma, ao ler os trabalhos e as anotações, disse à
colega, com humor: poderias ter acrescentado: …triste, triste, triste, triste,
triste, triste….
Tal como eu,
muitos professores dizem: gosto de dar as minhas aulas, mas o pior é o resto.
Sim, o pior é o resto.
De facto, há
dias em que penso: Esta Escola … não é para velhos! E será para os novos?
Há tempos escrevi este texto. Foi publicado no Terrear.
Hoje lembrei-me dele quando vi uma notícia sobre um professor que foi agredido.
O que relato não é violento, apenas um pouco feio, feio, feio, feio, feio...
"É o costumezinho?"
Recebi há pouco um telefonema de
uma instituição. Do outro lado, ouvi: é o costumezinho?
E lembrei-me do gosto que temos
pelos diminutivos: filhinho, queridinha, arrozinho,
dinheirinho, casinha…
Há outros de que me lembrei também: anda comiguinho, moro
à beirinha…
Mas “o costumezinho” ainda será
o menos costumeiro.
Como é quando o homem quiser…
Fragonard
Estamos em fevereiro. O Natal já
lá vai há muito e vejo-me a reler e a corrigir (pontuação, acentuação…)
bastantes contos de alunos para serem publicados em livro.
Quando souberam da publicação, os
alunos ficaram contentes e entusiasmados: que fixe o nosso conto vai ser lido
por outras pessoas!
E os adolescentes que parecem tão
arredios da leitura, da escrita, de alguns valores humanos abordaram
sentimentos de um jovem e de um sem-abrigo, porque eram estas as personagens
que tinham obrigatoriamente de incluir na sua história.
Estou com curiosidade de ver o
livro pronto. A capa será de Florentina Gonçalves, uma professora de Educação
Visual e também pintora. O livro estará pronto nos primeiros dias de março.
Quero mostrá-lo aqui no olamariana, porque acho maravilhoso partilhar muitas das nossas palavras.
A data da publicação de contos de
Natal poderá não ser a mais indicada, mas a escrita, a leitura, os valores
humanos, os sentimentos, a observação do mundo são de todas as ocasiões. Será
bom abrir as páginas de contos escritos por alunos, professores e funcionários.
Razão teve o poeta quando disse:
Natal é quando o homem quiser.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Atenção, este tema pode ser mórbido
Há muitos anos, conheci uma
senhora que muito fazia para merecer as boas graças dos outros. Sobretudo das
pessoas da terra. Dizia que quando morresse, queria ver muita gente no seu funeral.
Por isso, estava sempre presente no enterro dos familiares, das pessoas amigas,
conhecidas, e chegava à conclusão se a pessoa falecida merecia ou não ter ali
muitos seres para lhe acenarem uma última vez. Se estivesse muita gente, era
uma pessoa querida, se houvesse pouca, seria sinal de que só uma minoria lhe
queria bem.
Passou-se o tempo e também a
vida. E esta consigo sempre traz a morte. Nem que demore muito tempo a viagem.
A dita senhora faleceu e teve, de facto, muita gente a assistir ao funeral. Lá,
no lugar onde estivesse, devia sentir o júbilo de quase ninguém ter ficado em
casa.
Mas uma coisa é certa, em surdina,
muitos diziam que estavam ali porque ela tinha estado no funeral do pai, da
mãe, do primo, do tio, do vizinho… e funeral com funeral se paga.
Isto aconteceu há muitos anos,
como eu disse no início. Há menos anos, morreu uma outra senhora. No funeral,
havia poucas pessoas. Não se ouviam cochichos. Na cerimónia fúnebre, foi lida
uma pequena carta, onde se elogiavam as qualidades que ninguém pôs em causa nem duvidou da verdade dos factos e das palavras. Poder-se-iam até acrescentar
outros méritos. Terminadas as cerimónias, as pessoas regressaram a casa quase
em pensativo silêncio. No dia seguinte, falava-se mais da vida do que da morte.
Não que se pensasse que falar da morte fosse mórbido, mas eram evidentes as
vantagens em relembrar a Vida que aquela mulher tinha semeado na Terra.
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Em memória
Pouco devia passar dos cinquenta
anos. Era professora de Biologia e assessora da direção da escola.
Dominava muito bem as regras do ensino à noite. E também conhecia muito bem os alunos. E os seus diferentes casos: as disciplinas que cada um devia frequentar, os exames que cada um tinha de fazer, as matrículas que cada um tinha de renovar…
Dominava muito bem as regras do ensino à noite. E também conhecia muito bem os alunos. E os seus diferentes casos: as disciplinas que cada um devia frequentar, os exames que cada um tinha de fazer, as matrículas que cada um tinha de renovar…
Ela demonstrava gostar muito da escola à noite. Que conhecia
tão bem como as suas mãos. A doença começou a ameaçar tirar-lhe a vida. Ela foi
resistindo e lutando. O sorriso mantinha-se aberto e franco.
Toda a dedicação dela agora é memória, porque partiu em dia
cinzento e frio.
E penso nos meus colegas, nos meus amigos e concluo que a
morte, para além de toda a tristeza que convoca, ensina também a celebrar melhor a
Vida.
Leonard Cohen em domingo de manhã
Saí. No regresso, comprei pão
fresco. No carro, sentia-se o cheiro do pão. O rádio estava desligado.
Apetecia-me o silêncio.
O mês de janeiro e o início de fevereiro
trouxeram pouca chuva mas algumas coisas desagradáveis. Recordo um propósito
do início do ano: ser mais positiva.
Ligo o rádio: Canta (não sei se
canta ou fala, ou diz, ou olha, ou prende) Leonard Cohen com a sua voz quente,
sensual, intensa... Passo a conduzir mais devagar. Olho o céu cinzento, a
paisagem fria. Continuo, deliciada, a ouvir a voz, a música e fico mais
pacificada, perante azares que, confrontados com outros, se calhar, até são
pequenos.
E acredito, mais uma vez, que em
todos os dias podem acontecer coisas boas. Felizmente.
A menina da caixa
Já estava na caixa registadora desde
o Natal. Logo nos primeiros dias de trabalho, teve de usar um barrete de pai-natal.
Embora tivesse há uns anos deixado de acreditar naquela figurinha gorda e de
barbas brancas. E sentia pena das renas que tinham de correr muito e pouco
ganhavam com isso. E muitas vezes ninguém olhava para elas, porque quem tinha
as prendas era o pai-natal.
Nunca mais esqueceria o calor que
sentia na cabeça enquanto registava as contas do bacalhau, do açúcar, da
aletria, dos chocolates, dos brinquedos… Enquanto ouvia: ó mãe, quero um ovo,
eu quero, mas eu quero… Pronto, pega lá o ovo e está calado!
Só esperava era não ter de usar
umas orelhas de burro no Carnaval, porque até era boa aluna. Tinha era de
contribuir para as despesas dos estudos e da casa e por isso tinha um
part-time. E tinha sorte porque muitos amigos queriam e não arranjavam.
Em cada dia de trabalho, repetia
a saudação inicial mais de quarenta vezes. Assim como perguntava se o cliente
tinha cartão para os descontos. Metia as compras nos sacos, seguindo as
instruções que tinha. Algumas clientes queriam menos coisas em cada saco. Ó
menina, não ponha aí os tomates, não vê que pisa. Outras deviam ser mais
ecológicas e queriam mais coisas juntas para poupar os sacos. Outras pediam: ó
menina, posso levar alguns saquinhos?
Era chato era a dificuldade em
reconhecer alguns frescos. Sempre tinha confundido a couve-flor com os brócolos.
E as variedades de maçãs também demoraram a aprender.
Enquanto a máquina faz os
cálculos, as mãos sempre sem parar: abrindo os sacos para poupar tempo depois.
Quase sem olhar à sua volta. O pescoço já dói um pouco. E os braços também. O
vinho em promoção é pousado às caixas no tapetinho rolante e tem de pegar nelas para registar e passar ao cliente.
Tudo tem de ser feito com
simpatia e atenção às contas. No final do turno, tudo tem de bater certo.
Quando chega a casa, às vezes nem
diz boa-noite. A mãe não fica nada contente mas nem sempre pergunta porquê.
sábado, 4 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Sabores e silêncio
Gauguin
Há muitos anos,
estive num campo de férias para crianças e jovens. Não me recordo muito bem,
mas julgo que foi em Miramar. A casa onde estávamos era antiga e solarenga. Se
fosse hoje, talvez reparasse melhor nos pormenores.
Naquela altura,
o tempo era ocupado na praia em reflexões que fazíamos em conjunto, sobretudo
ao fim da tarde (recordo-me da areia fresca e dos tons avermelhados do pôr do
sol).
Tomávamos as
refeições em conjunto e recordo nitidamente duas coisas. Uma foi um grande
raspanete das responsáveis a todo o grupo, que era de dezenas de jovens, porque
havia quem desperdiçasse muito pão. Lembro-me disso quando vejo pão estragado
ou deitado fora.
A outra coisa que me ficou foi o
comportamento de uma das miúdas. Enquanto comia, nunca falava. Mastigava
devagar, olhava as companheiras de mesa, sorria mas mantinha-se em silêncio.
Como achávamos um procedimento estranho, um dia alguém lhe perguntou por que
não falava enquanto comia. Respondeu que era um hábito que tinha adquirido. Era uma forma de descansar um pouco, de retemperar
as forças e de saborear os alimentos.
Confesso que o
caso dela me vem à memória quando vejo, num qualquer restaurante, alguém a
falar muito alto. Apetece dizer: nem saboreia nem deixa saborear.
Meninos, sintam também o silêncio…
Hoje, numa aula
do 10º ano, pedi aos alunos que lessem em silêncio. Fácil? Não, difícil! E isto
porque querem perguntar o significado de uma palavra, porque a alguns custa ler
com a boca fechada, porque lhes ocorre um comentário que não pode esperar, porque
sentem frio e querem fechar a janela, porque acham a sala escura e abrem o
estore, porque de repente se lembram de alguma coisa e cochicham para o colega…
Então, eles
(são mais de vinte rapazes e apenas três meninas) lá fizeram silêncio.
Eu disse-lhes
uma coisa banal: é bom fazermos silêncio de vez em quando. Não sei se fui
eficaz a passar esta mensagem, mas gostei de os ver a ler o texto em silêncio
na sala onde o sol entrava com clara abundância.
E também gostei
de os ver e ouvir, depois, a apresentar as suas conclusões. O silêncio, tal
como a luz, ajuda a compreender melhor as palavras do texto.
Para a turma (10º
1) vai um poema sobre o silêncio. Espero que gostem também de o ler em voz
alta.
Silêncio
É silêncio que pedes,
E é silêncio que peço.
Mas o poema é o som dos leves passos
De uma aventura.
Se nada ouves,
Se nada ouço,
É que não há Poesia.
E, então,
Ai de nós
E da nossa harmonia!
Miguel
Torga
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
"Cantiguinha"
Monet
Foi
numa das últimas aulas. A escola a meio gás por já terem acabado as
aulas do 9º e 12º ano. Na turma, iriam ser apresentados os últimos
trabalhos sobre poesia do séc. XX. Dois alunos ainda não o tinham feito e
haviam faltado nas duas últimas aulas. O que me desagradava. A mesa
deles estava vazia: lugar copioso para o repouso das mãos. Como se o ano
escolar já tivesse acabado e o tempo só fosse de passagem e despedida. E
como nada havia sobre a mesa, o que estava mais à mão era o lado do
cochicho. O que me desagradava também.
O tempo já era pouco. Estava calor. Muito calor. Perguntei, então, pelos trabalhos. E o Zé disse: eu não fiz nem faço.
Não gostei do modo como falou. Disse-lho. Ele respondeu que ia mudar de
curso e não valia a pena. E que, na opinião dele, tinha falado
normalmente.
Estava
cada vez mais calor. As janelas tinham de estar abertas. Lá fora
soprava um vento morno. Que fazia tilintar as beiras dos estores em
baloiço irritante de encontro à janela. No corredor, passava um grupo de
alunos ruidosos.
A minha expressão fechava-se, encerrando quase todos os sorrisos. E perguntei à Otília, aluna da mesma mesa vazia: e tu, fizeste o trabalho? A resposta foi não.
De novo o não diálogo. Ela emudeceu. Perguntei-lhe por que não
respondia. Fechou mais o rosto, fez preguinhas com os lábios que cerrou
encolhendo os ombros. O Zé, colega e amigo inseparável, que tinha dito
que não fazia o trabalho, respondeu: ela não diz nada porque se sente constrangida. Estava difícil. Estava calor. E estava na hora de retomarmos os outros trabalhos. Foi o que fizemos.
A
Núria levantou-se, segurando as folhas do trabalho na mão. Dirigiu-se à
secretária, no estrado, onde costumavam apresentar os trabalhos. Os
alunos sentiam que subiam a um patamar mais alto e eu gostava de os ver
subir na visível demonstração dos conhecimentos.
E Núria tinha escolhido Cantiguinha de Cecília Meireles.
Meus olhos eram mesmo água,
- te juro -
Mexendo um brilho vidrado,
Verde-claro, verde-escuro.
Fiz barquinhos de brinquedo,
- te juro -
Fui botando todos eles
Naquele rio tão puro.
Veio vindo a ventania
- te juro -
As águas mudam seu brilho,
Quando o tempo anda inseguro.
Quando as águas escurecem,
- te juro -
Todos os barcos se perdem,
Entre o passado e o futuro.
São dois rios os meus olhos,
- te juro -
Noite e dia correm, correm,
Mas não acho o que procuro.
Cecília Meireles, 1938
Leu
o poema. Referiu temas abordados. Acrescentou algumas figuras de
estilo. Juntou um comentário final. Anexou alguns dados biográficos
sobre a autora.
Disse-lhe para ler o poema de novo. Em voz alta. Devagar. Como a poetisa era brasileira, sugeri: Núria, e se o lesses com sotaque brasileiro? – Eu não sei – respondeu ela com aqueles olhos grandes de quem está sempre à espera de apoio e concordância. Mas ela sabe… e ele… ele também lê bem…
E
a cantiguinha foi adoçando outras leituras em sotaque brasileiro. Leu,
então, a Fábia. Com a sua voz fininha, doce e sorridente. Ó setora, o Zé também sabe… E o Zé leu. De forma suave. Pausada. Soletrada. Prolongando maciamente o refrão «te juuuro…»
Felicitei-o
pela leitura. Ele sorriu. No final da aula, saiu normalmente. A Otília
ficou para trás. Veio falar comigo sobre as últimas faltas. E de não ter
feito o trabalho. Não sabia bem o que se passava com ela. Sentia-se
desligada. Eu disse-lhe que se temos talentos, devemos multiplicá-los e
não desperdiçá-los. Sorriu. Sem constrangimento.
Senti que a esperança pode ser «verde-claro, verde-escuro». Como na «Cantiguinha». Vos juro! Ou melhor, vos juuuuuro!
Escrevi este texto há uns três anos. Foi publicado no blogue Terrear. Apesar de simples, podia ter sido escrito recentemente, por isso o partilho mais uma vez.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Poema de Aniversário
Salvador Dali
Procurei no dicionário,
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:
"Aniversário: Espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado."
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:
"Aniversário: Espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado."
Carlos Eduardo Drummond
Subscrever:
Mensagens (Atom)