sexta-feira, 18 de junho de 2021

Dois quadros

Quadro 2

Todos os dias ia à primeira missa da manhã. Levava sempre um ramo de flores frescas. Umas comprava, outras colhia em casa, outras pedia às vizinhas, outras apanhava na beira dos caminhos. 
Nunca explicava o destino das flores. Também ninguém lhe perguntava. Não daria, por certo, bem encarada resposta.
Chegava à igreja e punha as flores ao seu lado, ocupando um lugar. Quando havia muita gente, pediam-lhe que tirasse o ramo para assim mais alguém se poder sentar. Ela zangava-se, falava alto e teimava em não tirar as flores do lugar onde as tinha colocado. 
Um dia, soube-se que havia morrido e logo o padre sugeriu que os fiéis da missa da manhã lhe oferecessem flores, a ela que parecia amá-las tanto. Tal como ela fazia, umas pessoas compraram flores, outras colheram-nas em casa, outras pediram-nas às vizinhas, outras apanharam-nas na beira dos caminhos. 
Contudo, ninguém perguntou para onde tinham ido os ramos de todos os dias nem a devota das flores disse a ninguém. Só dizia que o lugar a seu lado, na igreja, lhes estava reservado. O resto ficava entre ela e Deus.
Sem mistério, as flores continuaram a sua vida, florindo  também a beira dos caminhos. 
 


7 comentários:

  1. Bom dia
    Quadros que nunca vão ser expostos , mas com um valor inestimável .

    JR

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  2. Bom dia, Joaquim.
    Se calhar, são um bocadinho tristes, mas baseados na realidade. A vida é assim, embora, no seu todo, seja maravilhosa.
    Um dia feliz para si.

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  3. E como é que as pessoas que a viam diariamente na igreja com as flores, não reparavam se as levava para casa ou lhes dava outro destino? Quem tem comportamento tão bizarro, é decerto objecto de grande curiosidade. Ou podia ser apenas louca, ter a rosca moída e ter paixão por flores.
    Não é uma história triste, nada sugere que a mulher seja infeliz e a morte espera-nos a todos. Mas é esquisita lendo-se o u.
    Boa noite, Maria.

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  4. A história é verdadeira, Bea, mas não toda, é claro. Acrescentei-lhe um ponto como quando se escreve um conto.
    O que é verdade: ela (uma mulher muito pequenina e muito magra, habitualmente de saia acima do joelho) ir muitas vezes à missa de manhã, levando um ramo de flores.
    Pôr o ramo a seu lado e não gostar de o deslocar.
    Ter morrido e o padre ter pedido para lhe oferecerem flores o que aconteceu, pelo que ouvi contar.
    O que me escapa: para onde iam as flores, mas se calhar muita gente sabia. Neste caso, deu-me jeito eu não saber para fazer entrar a ficção.
    Sim, ela devia ter a sua boa dose de loucura. Hei de tentar saber para onde iam as flores que levava sempre na mão.
    Um dia bom e alegre, Bea.

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  5. Quadro imerso em mistério, por isso muito interessante. E muito bem escrito

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  6. Obrigada, Justine. Sempre estimulante.
    Um domingo com momentos muito bons.

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