Também fazia caminhadas com a cadela Duna, lia,
ouvia música clássica, escrevia umas pequenas histórias que ia guardando...
Duna, uma labradora de gema, acompanhava-o, fiel e
serena, há alguns anos. Em noites de inverno, dormia a seus pés, restabelecendo
a ordem do mundo.
Filho único,
António vira os pais desaparecerem quando tinha vinte e quatro anos. Ainda
festejaram a conclusão do curso e a sua entrada no mundo do trabalho. Os tios
mais próximos, quando António ficou só, ofereceram-se para o receber. Agradeceu,
mas não aceitou o convite. Preferia ficar na casa onde sempre vivera. Os tios
concordaram porque, mais tarde ou mais cedo, casaria e haveria espaço para as
crianças.
O tempo foi passando e tornando grisalho o cabelo de
António. Nunca casou e a rotina diária era novelo que ia aumentando sem
embaraços.
A rua onde habitava tinha a planura suficiente para
os vizinhos se conhecerem. Apesar da discrição, ou por causa dela, António era
muito observado. Sabia-se que não se ausentava longamente, a avaliar pelas
janelas abertas logo de manhãzinha e luz acesa ao serão.
Porém, depois
do verão, as janelas mantiveram-se fechadas e as luzes não se acendiam. As
vizinhas, curiosas, sabiam da sua presença na Repartição e das vindas a casa,
mas de fugida.
- Onde passará ele as noites? (...)
Para os tios e primos, sempre amorosamente próximos,
alegrias vermelhas. Pensou, a seguir, nos colegas da Repartição. Para a
Fernanda, que tudo via cor-de-rosa, uma
planta da mesma cor; para a Linda, que apreciava a limpa arrumação dos papéis,
a flor branca; para a Sílvia, de bâton laranja em dias de sol, flores do mesmo
tom; para o Bruno, acastanhadas para poder oferecer a uma das muitas namoradas
para quem tinha sempre claras mentiras.
Para as vizinhas, a quem achava muita graça por tentarem, sorrateiramente,
entrar na sua privacidade, alegrias-do-lar amarelas. Sorria quando as três
diziam "nós", numa espécie de curiosíssima trindade.
Entretanto, um vaso vermelho-fogo estava separado na
estufa e era ainda mais carinhosamente tratado. Oferecê-lo-ia se o desejado
convite chegasse.
(...)
Excertos do meu conto, publicado na coletânea
Lugares e Palavras de Natal, 2017, da Editora Lugar da Palavra
Lugares e Palavras de Natal, 2017, da Editora Lugar da Palavra
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