domingo, 20 de dezembro de 2020

Uma história de Natal - parte 3

 

Anjolie Ela Menon, nascida em Burnpur, Asansol, Índia, em 1940.

A trança de Sabina

(...)

De Londres, enorme e húmida caixa de Pandora, foi tirando algumas boas amizades, o amor, a licenciatura... E ia, amorosamente, enviando para a Índia muitas  imagens do seu quotidiano através do Skype. Sobretudo para os pais.

Um dia, Sabina pôde anunciar-lhes que ia entrar na especialidade que escolhera: Ginecologia-obstetrícia.

Assim, muitos hojes passaram, muitas estações de metro calcorreou, muitas bibliotecas e cafés frequentou, muitas experiências viu realizadas, muitas teorias ouviu dentro e fora das salas de aula...

Contudo, a trança continuava, longa e escura, mimando as costas morenas de Sabina. Sempre.

Os Diwalis foram-se comemorando - com todas as luzes a celebrar a vitória do bem sobre o mal, durante sucessivos dias festivos. Os Natais  foram igualmente vividos. Até que chegou o dia em que Sabina assistiu, sozinha como especialista, ao  primeiro parto  no UCL Hospital of London.

Era final de uma madrugada. Um bebé demorava a nascer. Por mais que a parteira, pacientemente, insistisse (keep going, keep going...) para que os movimentos da jovem mãe o embalassem, chamando-o à luz do dia, mesmo assim, o nascimento tardava.

Para resolver o problema, entrou na sala de partos uma médica: a doutora Sabina. Aproximou-se serenamente da parturiente, sorriu, analisou, com calma, a situação e,  recorrendo aos cuidados certos, foi dizendo:

- Em breve, o bebé verá a luz do dia. Palavras ditas, ouviu-se o desejado chorinho vigoroso.  Para todos, uma nova luz que Sabina ajudara a nascer.

 

"Presença serena

Que a tormenta amansa";

(...)

 

E, logo a seguir, Sabina colocou a menina recém-nascida no seio da mãe, lembrando-se dos seus pais e de todas as luzes que lhe tinham transmitido até então.

Quando os suspiros sofridos da mãe deram lugar aos sorrisos das sublimadas ou já quase esquecidas dores, saiu do quarto, entrou, silenciosamente, no gabinete e telefonou aos pais. Estavam a celebrar a festa do Diwali. E mais Luz ainda sentiram quando Sabina partilhou a alegria de ter acompanhado, pela primeira vez e como médica de serviço, o nascimento daquele ser tão pequenino e tão completo, que abraçava saudavelmente a luz do dia, procurando alimento e aconchego.

A manhã abria-se, então, à luz de um dia claro desse mês de outubro, coincidindo com a festa das luzes no país natal de Sabina. E com a sua vinda  para Londres havia já alguns anos.

Uma nova vida começava. Sabina tornar-se-ia ainda mais sábia, por isso, ainda mais serena.

Com o tempo, uns fios brancos começaram a clarear a trança que continuava densa e longa. Eram luzes dos seus Diwalis - ou Natais - que celebrava através de cada bebé que ajudava a nascer e, por isso, a encontrar a luz.

 Como se olhasse uma trança de estrelas que, reconhecia, a tinha guiado desde a infância.

 

Maria Dolores Garrido

 Publicado em Lugares e palavras de Natal, Editora Lugar da Palavra, 2015


 

 

Nota: 

Há uns anos, visitei Jaipur, na Índia. 

Há cinco anos, assisti ao nascimento da minha neta, em Londres, no UCL Hospital of London. A médica de serviço era indiana, muito meiga, e tinha uma longa trança. 

Não soube sequer o nome dela, mas em breve entraria nesta história, chamando-se Sabina e vindo de Jaipur!

6 comentários:

  1. Boa tarde minha querida amiga Maria. Obrigado por essa maravilhosa história de Natal. Bom início de semana.

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  2. Obrigada, Luís. Abraço e um Natal com muita saúde e muitos momentos felizes.
    M.

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  3. Muito obrigada pela maravilhosa publicação!!.))
    .
    Coisas de uma Vida
    .
    Beijo, e uma excelente noite.

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  4. Um abraço, Cidália.
    Eu é que agradeço

    Um Natal muito feliz!

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  5. Gostei imenso da história!

    Chegaram hoje os seus livros (pedidos no wook) juntamente com um do Alberto Manguel, que também tinha pedido. É uma alegria para mim sempre que compro ou recebo uma encomenda de livros. Espero lê-los agora nestes dias de pausa.

    Bom Natal🎄🎄

    Beijinhos:))

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  6. Que bom, Isabel. Oxalá tenha vontade de chegar ao fim da leitura! Em relação aos meus livros, é claro.
    Quanto ao Alberto Manguel, não há comparação possível. Tenho um livro dele sobre a história da leitura, mas continua à espera.
    Um abraço e boas leituras.

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