terça-feira, 28 de dezembro de 2021

4 de dezembro - um dia com histórias

 

Tal como eu já havia dito, foi apresentado, no passado dia 4 de dezembro, o livro As Fadas do Bosque das Cores e das Estórias, com ilustrações da Cristina Pinto, no Lugar do Desenho, em Gramido, Gondomar. Foi uma tarde boa, apesar das novas exigências anti-covid. As pessoas marcaram simpaticamente presença, o espaço tinha muitas das cores das estórias contadas e desenhadas no livro e estávamos felizes - autora e ilustradora - pelo trabalho produzido e pela boa recetividade de todos.

 

O livro e os marcadores

As fadinhas que 'voavam' para todos


A instalação com folhas de papel - ideia do bosque



Alguns dos trabalhos expostos


A árvore de diferentes cores

A mesa: Rep da Fund., Edit, Aut, Apres. Ilustrad.

As palavras que dirigi aos presentes:

 

Olá a todos. Bem-vindos.

Muito obrigada pela vossa presença, apesar de todos os afazeres e de todas as condicionantes e variantes da covid 19 neste tempo que atravessamos.

E a presença das crianças também é muito agradável, porque foi sobretudo a pensar nelas que escrevi a história deste bosque e destas sete fadas e também a Cristina Pinto nas suas ilustrações.

Na próxima semana, iremos a uma escola do 1º ciclo de Valbom dialogar com crianças sobre o livro e sobre tudo que vier a propósito, convite que nos agradou muito e esperamos que haja outros.

É muito bom escutar as crianças, as da nossa família, as dos nossos amigos, aquelas que não conhecemos e passamos a conhecer e ver como, na sua verdade, encaram o mundo. Se gostarem do livro e encontrarem alguma palavra ou algum desenho que as façam felizes e com vontade de contar, escrevendo ou desenhando, novas histórias, já valeu a pena este trabalho.

E em boa hora mostrei a história e alguns desenhos à Editora Novembro, que logo a quis publicar, acompanhando com atenção e profissionalismo todo o processo. Muito obrigada, Dra Avelina, D. Narcisa e Elsa, a designer, que soube enquadrar muito bem a história que escrevi e as ilustrações que a Cristina Pinto produziu. Foi igualmente a designer que compôs a capa que está muito bonita.

Muito obrigada também ao Lugar do Desenho/Fundação Júlio Resende que aceitou de imediato a proposta de fazermos aqui a apresentação do livro. E fiquei feliz pelo privilégio de podermos estar hoje neste  Lugar de que tanto gosto e onde há tanta arte,  tanta beleza e tanta simpatia, valores que são cada vez mais importantes para vivermos em harmonia, nas diferentes fases da vida. E todos sabemos bem que os tempos não vão fáceis para ninguém.

E, para apresentar o livro, logo me surgiu o nome da minha amiga Idalina Ferreira, a quem já tinha dado a ler a história há bastante tempo. Muito obrigada, Idalina, por teres aceitado logo o meu convite com tanto carinho e amizade.

Quando inicialmente a Idalina leu a história, teceu elogios e, como é muito exigente, fiquei mais descansada. Se gostava, valia a pena publicá-la. Sei que, para além do seu imenso saber e de ser uma pessoa com quem já aprendi e aprendo muito, é prática e não gosta de ser alvo de atenções.

Por isso, as minhas atenções vão agora para a minha família. Um obrigaaaada a todos pela boa interação que existe entre nós e por valorizarem este meu gosto pela escrita. Talvez por isso, aos 71 anos, sinto uma grande alegria com os textos que vou produzindo e partilhando. E um abracinho especial para as minhas filhas Ana e Lúcia.

Os meus amigos são também fundamentais na minha vida. Para além de partilharmos muitos momentos das nossas vidas, também lemos e trocamos impressões sobre textos que escrevemos, incluindo os  blogues. Obrigada a todos por tão boa partilha e comunicação, sob diferentes formas incluindo o Whatsapp, e permitam-me referir o papel atento e minucioso da Isaura Afonseca, que não pôde cá estar, pelas apreciações atentas e sugestões que sempre faz aos textos.

Desculpem-me se as minhas palavras lembram aqueles papelinhos amarrotados das pessoas que sobem ao palco quando recebem um prémio. Mas, de facto, aqui e agora sinto a alegria de ser premiada por tudo que já referi e pelo livro produzido que dediquei aos meus netos tão queridos, Sofia Clara e Joaquim Pedro.

Quanto à história, nasceu com um Era uma vez, contado há uns anitos numa noite em Londres à minha neta antes de ela dormir. Espero é que no Natal ela possa voar até cá.

Naquele momento, surgiram-me sete fadas de cores diferentes que viviam num bosque e que pensavam que só a sua cor existia.  Viriam, porém, a mudar de ideias com uma atitude que uma delas tomou e que viria a alterar a vida de todas.

História escrita para crianças exige ilustração. E teria de ser a Cristina Pinto a fazê-la. Já havia ilustrado as Histórias da Clarinha, livro publicado em 2019, na Editora Lugar da Palavra. E, dando tempo ao tempo, a Cristina, que, felizmente, aceitou o meu convite, foi fazendo os desenhos maravilhosos que voaram para o livro e que hoje aqui estão expostos. E realço a bela árvore feita também pela Cristina. Embora muito pequeninas, lá estão as fadinhas e uma casinha no centro, com a união de várias cores que cada um poderá interpretar e reinventar.

E espero que tenham gostado das fadinhas e dos marcadores que a Cristina  desenhou. E desta instalação que ela também criou. A Cristina é uma ilustradora muito criativa, muito trabalhadora, muito cuidadosa com o pormenor e com quem aprendo muito e gosto muito de trabalhar. E que me põe a trabalhar! Muito obrigada, Cristina, e também pela tua amizade e olha que já me cheira a novas histórias.

Muito, muito obrigada a todos. Boas leituras. Muita saúde. E que a vida de todos tenha bons e felizes momentos, como acontece no nosso livro As fadas do bosque das cores e das estórias que, com tanto prazer, hoje apresentamos.

Muito obrigada, mais uma vez e, desde já, um Feliz Natal.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Desculpem a demora. Confesso que já tinha saudades!

 

Há bastantes dias que não abro esta janela, embora goste muito de cá vir para respirar este ar amigo, bom e renovado.

Não, felizmente não estive doente, nem ninguém dos meus mais próximos. Só que estou a viver a alegria de ter a casa cheia (com os devidos cuidados e testes à mistura), ainda que esta alegria dê trabalho, porque sou filha, mãe, avó... Contando com toda a azáfama de Natal. Acho sempre em demasia, mas todos os anos acabo por repetir certos rituais.

Outra tarefa que também me ocupou bastante foi a apresentação do meu livro para crianças As fadas do bosque das cores e das histórias. Tenho fotos que quero partilhar, porque o encontro no Lugar do Desenho/Fundação Júlio Resende, em Gondomar, foi um momento que considerei muito bonito e feliz.

Mas, mesmo assim, amigos, desculpem a ausência. Todos os dias sentia falta de cá vir, mas as horas passavam velozes e depois vinha algum cansaço e também, talvez, um pouco de preguiça.

Agora, continuo com a casa cheia, mas sem o frenesim do consumo do Natal. Prefiro assim, sem dúvida.

Não vos desejei Bom Natal, mas desejo a todos agora Bom Tempo de Natal e Feliz Ano Novo, apesar de daqui para a frente não querer demorar tanto tempo a abrir a janela que também me ajuda a respirar.


Um conto de Natal

 

Partilho este conto que escrevi para a coletânea, cuja capa reproduzo em baixo, com desejos de um

 Feliz Tempo de Natal! 

Também com luzes de semáforos que vão piscando e chamando a atenção para o que à volta delas acontece.



Maria Dolores Garrido 

À Isaura

O velho do semáforo

Aquele semáforo fazia parte do meu trajeto quase diário. Passava lá, no mínimo, três ou quatro vezes por semana, entre as nove e as dez da manhã. A essa hora, o velho lá estava, no separador entre as duas vias, junto da fila de carros que parava ao sinal vermelho, quase a chegar ao Porto. Nesse lapso de tempo, o homem tentava aproximar-se do maior número possível de condutores, mas não conseguia abordar mais do que dois ou três, porque logo aparecia o sinal verde e todos arrancavam o mais depressa que podiam para evitar perdas de tempo, sempre escasso na ida para o trabalho.

Vezes sem conta o velho também se aproximou de mim, inclinando-se para a janela do meu carro, saudando com a mão e sempre mostrando um sorriso. O homem é simpático e terá, como qualquer ser humano, uma história de vida - pensava eu e interrogava-me por que razão nunca tinha aberto a janela para falar com ele, mesmo que fosse só para lhe dar os bons dias. E, lá com os meus botões, ia pensando que fechamos tantas vezes as janelas aos outros e gostamos tanto que para nós sejam abertas!

Nunca o vi de mau humor ou contra alguém que, como eu, nem abria a janela, embora lhe sorrisse. Às vezes até aproveitava a pequena pausa entre o vermelho e o verde do semáforo para me ver ao espelho ou espreitar o telemóvel. Ainda assim, tentava corresponder à simpatia do velho, acenando, mas não de forma explícita, confesso, porque o seu aspeto andrajoso e sujo retirava-me a vontade de comunicar sem o vidro da janela de permeio. As suas barbas abundavam crespas e incertas e o cabelo mal se via porque usava um gorro escuro e espesso. O outono já tudo arrefecia.

Numa manhã de novembro, fria mas luminosa, disse para mim que já era tempo de dirigir algumas palavras ao velho. Tantas vezes ali passava, tantas vezes era saudada, tantas vezes me dirigia palavras que tinha também de retribuir. Podia ser só para dizer bom dia ou até amanhã, mas tornava-se urgente fazê-lo, abrindo a janela. Na viagem seguinte, quando  cheguei ao semáforo, logo apareceu o sinal verde e tive de circular o mais rápido possível, para evitar buzinadelas nervosas e vozes destemperadas. Ficaria para o dia seguinte. Teria uma moeda à mão.

 Nessa manhã, fiquei logo à frente da fila, diante do implacável sinal  vermelho. O homem aproximou-se do meu carro, mas ainda não foi dessa que abri a janela. Tinha-me esquecido da máscara e não queria enfrentar aquele respirar direto, durante a saudação habitual, sempre com muitos acrescentos: bom dia para si e também para a família e muita saúde que é o melhor da vida e muita alegria que faz muito bem à alma, etc etc etc. Sorri e arranquei logo que pude. Seguiu-se uma semana de vento e chuva. Durante esses dias de tempestade, do velho nem sinal.

Os dias foram passando sem eu chegar à fala com o homem. Porém, sempre no mesmo lugar, o velho mantinha-se afável e transmitia uma ternura imensa que lhe escorria do rosto aberto em sorrisos e das mãos em acenos. Podia sentar-se à porta de uma igreja, de mão estendida em jeito de miserável sofredor, mas não, aguentava-se ali ao tempo, exceto quando chovia, mantendo-se de pé, distribuindo mais do que recebendo mimos, aceitando a má disposição de quem, àquela hora, ainda não tinha aberto a caixa dos sorrisos ou então a mantinha fechada à chave há muito perdida.

Eu não podia continuar a adiar uma pequena mas carinhosa troca de palavras com o velho. Como o Natal chegava, esse seria o momento. Sem hesitações, decidi dar-lhe um presente para compensar a pouca atenção. Comprei-lhe bombons macios e saborosos. Postos em caixinha bonita. Sem laço para ser mais fácil abrir e evitar também o desperdício. Como reagiria ele quando a recebesse? Sorrisos haveria com certeza, palavras carinhosas sem dúvida, brilho dos olhos não faltaria... E talvez surpresa. Não devia estar habituado a receber prendas, para além das moedas.

Nessa manhã, pus a caixinha dos bombons no banco da frente, junto à carteira. Quando chegasse ao semáforo, se fosse das primeiras pessoas da fila, poderia dar-lhe o presente um pouco mais devagar;  se o sinal vermelho já estivesse no final, teria a possibilidade de lhe entregar rapidamente os bombons com votos de bom Natal. Se sobrassem uns segundos, ainda lhe desejaria muita saúde e muita alegria, tal como ele dizia sempre a toda a gente, mesmo que não lhe abrissem a janela.

Quando cheguei ao semáforo, fiquei em segundo lugar na fila e peguei logo na caixinha que já tinha à mão. Oh! Não, não podia crer, quem eu queria que lá estivesse não estava. Não havia chuva a impedi-lo de vir que o céu estava bem azul e transparente. Estaria o velho doente? Alarguei o olhar nos poucos segundos que me restavam antes de avançar e deixar seguir os outros, confirmando que ele não estava mesmo lá.

No dia seguinte, saí de casa convicta de reencontrar o velho no semáforo para, finalmente, abrir a janela e entregar-lhe o presente. Mas não, mais uma vez, ele não estava no seu posto habitual. Nos últimos segundos de sinal vermelho, vi passar uma mulher jovem com olhar sorridente, um telemóvel pequenino numa das mãos  e um saco de pão na outra. Devia morar perto. Ainda tive tempo de lhe perguntar pelo velho do semáforo. Morreu há dias, respondeu. Estava em casa e a casa incendiou-se, concluiu com ar pesaroso mas sem falso drama.

Ela devia ter sentido prático, porque, ao ver o sinal vermelho, nada mais acrescentou, afastando-se no seu passo pequeno mas ligeiro.

Eu é que não retomei logo a marcha ao sinal verde, o que me valeu uma grande buzinadela de um dos condutores atrás de mim. Assustei-me de tal modo que deixei cair a caixinha e os bombons espalharam-se todos pelo chão.

In Lugares e palavras de Natal, Editora Lugar da Palavra, 2021, p. 42/44

 


quarta-feira, 1 de dezembro de 2021