domingo, 26 de novembro de 2023

A pose

 

Num dia dos que há pouco passei em Londres, encontrei-me com uma amiga que tem também um filho a viver em Inglaterra. Combinámos encontrar-nos em Covent Garden. Seria uma boa oportunidade para conversarmos e tomarmos um café. 

Pois bem, cheguei um pouco mais cedo do que a hora marcada. Olha daqui, olha dali, entrei no  mercado, parei diante de uma igreja que anunciava boas ações que a época natalícia vai inspirando, reparei nas esplanadas onde as pessoas pareciam tranquilas e felizes sob o sol daquele dia e, depois, como não sabia de que lado a minha amiga viria, fui ficando em frente ao mercado, onde havia grandes e vistosos enfeites de Natal.

E fui reparando nas poses das pessoas para selfies ou para fotos tiradas por outrem, a puxar sorrisos, abraços, mãos dadas, olhares mais ternos; a arranjar o cabelo, o cachecol porque o dia estava frio, a endireitar as costas, etc.

Nisto, vejo uma mulher ainda jovem acompanhada de dois pequenos cães e a colocá-los no lugar onde mais adereços natalícios havia para os fotografar. Ela trazia um saquinho de biscoitos que lhes ia dando para que não se mexessem e fizessem pose como ela pretendia. Ajeitava daqui, ajeitava dali, punha as patinhas bem alinhadinhas, etc.

Tenho pena de não ter sido ainda mais rápida a registar a imagem, mas, mesmo assim, ainda fixei os fotografados (ou fotografadas, não sei), com faixas vermelhas natalícias, num intervalo curto entre a pose e o prémio de um biscoito. 

Depois, a jovem mulher afastou-se, porque havia mais gente a disputar o cenário. Ela diria, com certeza, que os seus acompanhantes também eram gente. Ou seria uma forma de ela também se sentir assim ou de encontrar um prémio, seja ele qual for, que nenhum humano dispensa.

 







domingo, 19 de novembro de 2023

O brinde e pela rua fora

 

Em julho último, quando estive em Londres, como já contei, fui operada de urgência ao apêndice. A minha intenção era ajudar cá em casa e acabei por ter de ser ajudada. A vida é assim.

Desta vez, tenho podido, felizmente, colaborar no que é preciso. Até já brindámos pela estadia estar a correr bem melhor do que a do verão. 

Pois bem, durante esta semana, já senti muita emoção a assistir  a um concerto de piano, em que a minha neta interveio com saber e muito foco (como agora se diz); fui a Kew Gardens, um belíssimo parque de múltiplas cores, atividades, cuidados e ensinamentos práticos sobre a natureza; entrei quase diariamente no supermercado e na escola primária, onde espero, tal como muitos pais (mais mães) e avós que o portão se abra à hora certa e nós possamos ir buscar as nossas crianças, já li As primas de Aurora Venturini quase todo e tenho andado muito a pé porque não há carro.

E já conheço bastante bem o perímetro, não muito alargado, onde vou circulando no meu dia a dia, bem diferente das minhas ruas natais.

Tenho passado, caminhando, pelas ruas sossegadas cheias de folhas húmidas e amareladas das árvores. E pelo carteiro que diz bom dia e empurra um carrinho com vários sacos vermelhos. E pelo distribuidor da Amazon com a carrinha cheia de  pacotes. E por vendedores risonhos de promessas de vida para eles mais justa na terra e mais feliz no céu. E por velhos a passear os cães dando-lhes tempo e calma para que nem nas necessidades não precisem de pressas. E por jovens de passo rápido e de fones nos ouvidos. E por mães a empurrarem carrinhos de bebé segurando o telemóvel falador. E por pessoas a passarem rápidas como o tempo. E por   Idosas simpáticas  a varrerem as folhas dos canteiros antes de irem andar de bicicleta. E por muitas crianças a dar a mão a familiares, a falar e a sorrir.

E por ruas mais frenéticas de trânsito e comércio sem árvores nem canteiros, onde há pessoas que vivem na rua, que falam alto na rua, que se inclinam para a rua pela magreza e desnorte como o cigarro que quase lhes cai das mãos magras, que falam sozinhas em desatino, uma mulher de olheiras e boca escura em busca de  alguém que a oiça e fale inglês, homens velhos de garrafa de vinho ou cerveja na mão e que caminham como se só soubessem caminhar na contra-mão…

Por lojas aonde só entra gente chique e por lojas onde se pode comprar tudo que faz falta em casas que nunca serão chiques e nas que sempre foram chiques.

Sinto uma grande simpatia por esta cidade tão multicultural também nos sabores, mas não gosto de ver pessoas que de sobra só têm pobreza e solidão. O meu conhecimento da cidade é superficial, porque aqui só venho de vez em quando, e para conhecer é preciso viver e permanecer. Porém, ver, por exemplo, uma escola primária pública com muito bons resultados e cheia de crianças vindas dos diversos continentes é um sinal animador e uma boa lição que é dada sem ser de propósito ou lida em qualquer púlpito mediático.

Está quase a terminar, desta vez, a minha estada nesta cidade tão cosmopolita. Se assim não fosse, talvez a minha filha não a tivesse escolhido para estudar e trabalhar, há já longos anos. Como tantos e tantos e tantos. 


sábado, 18 de novembro de 2023

O homem cheio de pele


Ele entrou no comboio e sentou-se no banco do lado oposto ao meu. Impossível não olhar. Era um homenzarrão. Vestia um casaco de pele, calças de pele, botas de pele e uma carteira de pele. 

Tanta pele, meu Deus, disse eu para os meus botões.

Sei que olhei para aquela pele toda, mas, curioso, não me lembro de lhe ter olhado o rosto.

Se calhar, porque tudo aquilo lhe tinha custado os olhos da cara. Para não falar dos olhos de tanto animal.



terça-feira, 7 de novembro de 2023

Marcas do outono ...

 ... em Kew Gardens, em Londres.

 





segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Silêncios

 O corpo modifica, a voz segue outras planícies; a beleza mantém-se infinita.

  
A música caminha e seduz em qualquer lugar. Tal como o silêncio.


"Quero a Fome de Calar-me

Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança"

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

Daniel Faria - 1971-1999

 

 

domingo, 5 de novembro de 2023

Serge Reggiani - Le Déserteur (O desertor)

 
Estas palavras de Boris Vian e cantadas, aqui, por Serge Reggiani vêm-me muitas vezes à memória. Foram escritas em 1954 e, infelizmente, continuam atuais. Muitos soldados são convocados para a luta, ainda que não concordem com os atos que lhes são pedidos, deixando tudo para trás e também a sua vida. 
A canção chegou a ser proibida e visava a guerra da independência da Argélia (1954/1962).
 
 

 
Boris Paul Vian nasceu em 1920, em França, e morreu em 1959.
Foi engenheiro, escritor, poeta, tradutor e cantautor.
 
 
Serge Reggiani nasceu em Itália, em 1922, e morreu em França, em 2004.
Foi ator e cantor. 
 
 

sábado, 4 de novembro de 2023

Que vós é este, senhor presidente?

 

Já é conhecidíssimo o curto diálogo/confronto de ontem, perante as câmaras e microfones, do presidente Marcelo e o embaixador da Palestina em Portugal. O nosso presidente, no seu jeito soberano e descontraído, que o leva a dizer e a desdizer, a afirmar e a explicar, a comentar e a justificar, a acender e a apagar, disse ao embaixador da Palestina: 'Vocês é que começaram a guerra'.

Como o professor tem pensamento bem mais rápido que as selfies, beijinhos e abraços, corrigiu o 'vós' para 'alguns de vocês'. Ainda bem, mas já era demasiado tarde. O 'vós' já tinha sido dito e gravado, ofendendo os palestinianos que não se querem ver confundidos com o Hamas.


Não vou fazer de conta que comento o sucedido, porque não o sei fazer e também comentadores já os há em abundância.

Porém, essa afirmação/acusação fez-me lembrar duas coisas (pareço o Luís Marques Mendes que divide quase sempre em três pontos o seu ponto de vista).

Primeira: quando eu era pequena, jogávamos à macaca no largo, saltávamos à corda, etc. e havia muitas vezes quem fizesse batota e por isso guerreávamos. Ora, às vezes, uma das miúdas, com ares de superioridade, metendo todas no mesmo saco, virava-se para um determinado grupo e dizia como se lhes desse uma lição: 'vocês é que começaram'. Resultado: quem tinha errado ficava-se a rir; quem sentia que a acusação era injusta zangava-se ou ficava com mais um dia estragado.

Segunda: Havia um pai com vários filhos que, de uma maneira ou de outra, erravam, como toda a gente. Porém, havia uns muito violentos que matavam e fomentavam guerras. Ora, o pai, que tinha pouco tempo e pouca paciência, quando aparecia em público, aproveitava para os repreender e culpar. Assim, seria ainda mais amado e uma mais-valia para todos. Porém, os filhos mais violentos e culpados estavam sempre ausentes; presentes estavam os mais pacíficos e eram eles que ouviam o pai a criticar e a generalizar: 'Vocês é que começaram a guerra' e virava as costas, não querendo ver o muro que, entre todos, crescia ainda mais.

 

Bom fim de semana. E que as notícias tragam PAZ.

 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Chegar, partir, lembrar, esquecer...


 Bom dia!

Acabei de ler o comentário da Bea, no post anterior. E ocorre-me dizer: Vivemos dias de caos, mas, nesse caos que nos atormenta, há também momentos de beleza que nos animam.

Partilho uma canção de Jacques Brel, também referida no comentário, e que fala  de crisântemos, flores  que chegam e partem nestes primeiros dias de novembro.

E, felizmente, a música não é a única maneira de oferecer flores a quem tantas vezes é esquecido.

 

Obrigada pelas partilhas. 

 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Porque hoje é dia 1 de novembro

 

Desde pequena que oiço: 'estas flores são boas para enfeitar'.

Aqui, o verbo 'enfeitar'  dispensa acompanhamentos quando se sabe que se trata de pôr flores no cemitério. Conheço pessoas que o fazem todas as semanas e ainda passam por lá de vez em quando para acrescentar água se o tempo é de calor. Atualmente, já se recorre muito aos catos e suculentas que duram muito mais do que as flores frescas. Também se veem as frias e hirtas flores de plástico ou as que vão tombando de velhice e secura, porque nem sempre há disponibilidade de tempo nem de dinheiro para comprar flores acabadas de colher. 

A primeira vez que vi um cemitério fora de Portugal -  estava eu com a minha irmã - foi  o cemitério do Père Lachaise, em Paris. Poucas campas lá vi com flores frescas (a não ser nas sepulturas de ídolos com muitos fãs que os visitavam e não os esqueciam); muitas tinham vasos com plantas e em muitas outras jaziam artísticas pedras esculpidas e antigas. Para mim, com os olhos rurais de ver sempre tratar de flores para o cemitério, a ausência delas parecia uma prova de abandono a quem a vida também abandonou.

Agora, é claro que já não penso assim, embora continue a seguir alguns hábitos da minha mãe e das minhas tias. Uma delas dizia que havia mais de cinquenta anos enfeitava todas as semanas o jazigo da família. 

E, quase sempre, com as flores que ela própria cultivava.

Hoje, logo cedo, fui ao cemitério, porque cá este feriado é de celebração dos defuntos. Não havia ainda quase ninguém, crisântemos de muitas tonalidades  reluziam com abundância e o silêncio permanecia. Algumas pessoas chegavam com arranjos de flores ou soltas para serem colocadas nas jarras.  

Por moda, por hábito, por saudade, por homenagem, etc., o cemitério estava mais  bonito. Quem lá está merece-o, com certeza. Muitos dos que o visitam far-se-ão ouvir de muitos modos, onde também cabem as vozes e os sorrisos. É bom quando assim também se festeja a vida. Mesmo tendo na lembrança que o que aconteceu a quem lá fica também um dia acontecerá a 'todos, todos, todos.'


terça-feira, 31 de outubro de 2023

E, camélia puxa camélia...

 

A minha filha mais nova veio visitar a família. Apenas por um par de dias, mas deu para um lanche de abraços mais alargados em tarde de sábado e de forte invernia.

Felizmente,  o domingo acordou uma hora mais tarde e de céu mais sossegado. E assim continuou sereno para um passeio no belo parque de Serralves, onde já havia camélias abertas, tal como algumas já reluzem no jardim da nossa casa.

- Mãe, já há camélias? Em Londres, ainda não vi nenhuma.

E, camélia puxa camélia, falou-se de alterações do clima e da memória que nem sempre  se mantém intacta.

- Filha, já não me lembro se no ano passado as camélias abriram mais tarde ou nesta altura.

E, ao almoço, o apetecido e apetitoso peixe grelhado. Com salada de pimentos. 

- Que saudades eu tinha desta maravilha, disse ela, com o sorriso meigo de quando não está com pressa ou cheia de coisas urgentes para fazer.

Ao fim da tarde, veio de novo a chuva intensa. Sobretudo na hora da despedida. No dia seguinte, a umas duas horas de distância de avião e quase outras tantas de comboio, havia trabalho e escola. No meio de pessoas a partir e a chegar, as lágrimas da minha neta soltavam-se dos bonitos olhinhos claros já saudosos.

No meu regresso do aeroporto, uma densa neblina fechava o horizonte e caía uma chuva persistente. A tarde escurecia cinzenta e a lembrança da cor viva das camélias ia-se-me apagando. As lágrimas da minha neta é que não.

 

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Postais e delicadeza

 

Gosto muito de postais que acho bonitos e com um toque de arte. Sempre que posso comprar alguns cá dentro ou lá fora, faço-o com imenso prazer. Não para os colecionar, mas para os oferecer em momentos como aniversários ou outros.

Talvez por isso, oiço muitas vezes: - Mãe, precisava de um postal. E lá vou eu à caixa onde eles vão morando, para sugerir algum ou dar a escolher. 

Neste momento, o stock está fraquinho. Oxalá, em breve, a caixa dos postais possa ter mais companhia, sobretudo se eu viajar.

Ora, este fim de semana, embora bastante caseiro, chegou-me este postal que tinha sido comprado em Kioto, no Japão. E mais um bloco e mais uns envelopes - desta vez na vertical. Fiquei encantada com todas as ilustrações, com a combinação de cores - de grande suavidade e ligação à natureza. E pela sugestão de belos silêncios do desenho do templo e da figura concentrada da japonesa. 

Até o papel de embrulho era bonito.

E 'delicadeza' logo me surgiu, porque é uma palavra de que também gosto muito, sobretudo de a ver aplicada em tantas coisas do nosso dia a dia - em atitudes em casa ou no trabalho, em pequenos arranjos de espaços, em simples objetos que se produzem, etc.

Mas, atenção, também neste âmbito não sou exemplar. Mesmo assim, penso como seríamos bem mais felizes se houvesse mais delicadeza nas relações humanas e na atenção ao pormenor de muita beleza que nos cerca e que são formas de arte. 

Mas também me interrogo se no mundo atual, em que há tanta guerra, tanta destruição, tanta ganância, tanta fome de bens essenciais, esta preocupação tem razão de ser. E ouso dizer que sim. Pode não resolver muita coisa, mas pode evitar que muitas guerras aumentem, porque 'para pior, já basta assim'.


domingo, 22 de outubro de 2023

Ir ver os aviões

 


Há muito muito tempo, quando havia dias certos para o namoro, o aeroporto do Porto - então Pedras Rubras - era um espaço que escolhíamos para umas horas da tarde de domingo. Havia uma sala grande e com muita gente donde víamos os aviões enquanto lanchávamos.  No tempo atual, isso seria impensável.

Íamos então ver os aviões - agora tão criticados por ativistas climáticos, os que atiram tinta e os que a utilizam para fins mais comuns.

O aeroporto do Porto -  muito mais moderno e de nome Francisco Sá Carneiro - é, para mim, um local de muita alegria, quando, por exemplo, a minha filha e família chegam; um lugar de ansiedade, quando o avião que eu espero se atrasa muito; um sítio de algumas dores de barriga antes de partir; um espaço de regresso após consolos revisitados, etc

Um aeroporto pode representar, de facto, inúmeros estados de alma; para mim, sempre mais tranquilos às chegadas do que nas partidas.

Desde o tempo em que se ia ver os aviões até agora, foi toda uma vida. Os aviões eram bem menos e também o número de pessoas que viajavam. Confesso que ainda sinto algum fascínio quando vejo levantar ou aterrar um avião, embora saiba que não será um meio de transporte sustentável.  Porém, e pondo os pés na terra, muitas vezes, as alternativas são difíceis, porque o tempo perdeu a lentidão de uma tarde de namoro ao domingo, em que se ia ver os aviões.

 


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Deitar à cara

 

Não gosto desta expressão. Então, estarão a perguntar: por que razão ficou no título? 

E têm razão. De facto, acho esta expressão fria, justiceira e cega por parte de quem a usa e põe em prática.

Tantas vezes tantos de nós se calam porque sabem que, mais tarde, palavras ditas sobre o assunto serão atiradas de mansinho ou em desdenhosa acusação. E, muitas vezes, quem as vai buscar e as atira como pedras esquece que se abriga em telhados de vidro muito fino.

Outra coisa que me custa ouvir é: 'sou frontal, digo o que penso'. E o pior é que quem o diz muitas vezes se ofende com as palavras dos outros, sejam elas cor de rosa ou cinzentas ou de outra cor qualquer.

Sem falsidade, ingenuidade ou hipocrisia, podíamos e devíamos ser mais justos e compreensivos uns com os outros. E aqui também me incluo, é claro. Há tanta coisa (que tenho) a aprender.

Se fôssemos olhando uns para os outros como gostamos de ser olhados, dava um certo jeito e, pelo menos, o nosso mund(inh)o passava a ser melhor e mais feliz. E o mundo maior podia melhorar também. 

E, se assim fosse, ao ver caras também se viam corações. 

 

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Carminho - Lágrimas do Céu - ao vivo

 
Nesta manhã de chuva, visitei o blogue Bem-vindo ao Paraíso e vi este fado cantado por Carminho.
Também o partilho agora. Obrigada, Isaura.
 
 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

O copianço

 

Talvez por medo de ser apanhada em flagrante, não me lembro de ter copiado,  quando era estudante. Sempre achei que isso é incorreto, apesar de todas as influências a que ninguém é alheio.

No entanto - porque sou mais pecadora do que santa - lembro-me de num exame de francês ter levado  alguns verbos escritos a lápis muito fininho no dicionário que podíamos consultar. Seria uma pequena ajuda em caso de necessidade, porque sempre gostei da língua francesa e os resultados eram bons.

Antes do exame, os dicionários eram todos abertos e revistados pela professora vigilante. O meu coração ficou em suspenso no momento em que a professora o tomou nas mãos. Que alívio quando mo devolveu. O coração voltaria  a bater mais forte às lentas passagens  da professora por entre as mesas dos examinandos. 

Não me lembro de ter precisado de consultar ou copiar os tais verbos, e, naquele contexto, acho até que nem seria capaz de o fazer com medo de ser descoberta e chamada à atenção.

Outras táticas de copianço havia - e algumas bem engraçadas. Muitas já devem ter mudado, e outras introduzidas. Recordo-me de um aluno que levava gravata sempre que tinha testes ou exames, com copianço da parte de trás; de outro aluno, de braço engessado, com muitas assinaturas dos amigos e cábulas bem disfarçadas lá pelo meio, etc.

Para não falar dos irritantes textos - já como professora - que eram meras cópias tiradas da internet e entregues como se fossem um trabalho original.

Vem isto a propósito do caso recente, pelos vistos muito divulgado  nas redes sociais, de um diretor de escola/agrupamento que copiou e divulgou um documento de outro diretor também de escola/agrupamento, como se fosse ele o autor.

Quantos outros casos haverá nas mais diferentes instituições? Se alguém repara e acusa, quem copia ou plagia é apontado e desacreditado; se ninguém se apercebe, a prática mentirosa continua. Muita cópia se faz e muito plágio se pratica em textos que são assinados por alguém e, afinal, foram escritos por um alguém bem diferente.

Esta prática enganadora existe em muitos países e em Universidades bem conhecidas.

E o pior é que muitos dos adultos, quando são confrontados com isto, nem ficam atrapalhados como alguns adolescentes com receio de serem descobertos pelas cábulas, umas mais inocentes, outras mais descaradas. 

Mas, com estes exemplos de adultos com muitas responsabilidades, digo como dizia a minha avó paterna perante uma situação que lhe parecia de difícil resolução: É o caso!

 

domingo, 15 de outubro de 2023

Como vai ser o Natal este ano?

 

Hoje estive a terminar um conto de Natal para a habitual coletânea da Editora Lugar da Palavra. Também ando a fazer uns saquinhos em croché para uns presentinhos de Natal. 

Embora faltem uns dois meses, às vezes penso: Como vai ser o Natal este ano? 

E estou a falar em sentido restrito, próximo e familiar.

A minha família é grande e já foi necessária uma grande mesa para a consoada.

A mesa continua grande, mas os lugares à mesa foram diminuindo, pela lei da vida, pelo desconcerto da lei da vida; pelas novas famílias que também têm o direito de ver os seus à sua mesa, etc.

Fazer projetos de futuro, para muitos de nós que vivem em paz, ainda é natural,  embora das fragilidades humanas e inseguranças atuais ninguém escape.

Que sentido fará para muitos povos da Palestina, da Ucrânia, de Israel e de tantos outros países  falar-se de um evento daqui a dois meses? Seria até ultrajante, em muitos casos, quando no momento presente nem água há para beber.

Muita gente inocente nem saberá o que acontece uns segundos depois, quanto mais daqui a dois meses. 

A televisão, que tenho sem som, vai mostrando pessoas de todas as idades em fuga, muitos feridos, muitas explosões, etc

Os comentadores vão falando. Não oiço o que dizem. Fico pelas imagens e nem todas quero ver, sobretudo de crianças tristes a chorar ou em sofrimento.

Será que, daqui a dois meses, ainda vamos poder desejar um bom Natal?

 

sábado, 14 de outubro de 2023

PAZ! Tão desejada e tão necessária PAZ!

 

Vídeo enviado por uma amiga.

Obrigada, Ci.

 

E Lisboa não tão perto

 

Para avós que moram junto ao Porto, muitas vezes Lisboa fica longe. Muito longe.  Trezentos km para lá, outros tantos para cá, demora tempo e de correrias está o passado cheio.

Pois bem, três avós amigas foram a Lisboa dois dias. Uma boa escapadinha da rotina diária onde também cabe a cozinha.

De Campanhã ao Oriente, logo de manhã muito cedinho, no calmo comboio intercidades,  houve tempo para pôr em dia muito do nosso dia a dia. 

À chegada, que bom tomar um café num bonito Café do Vasco da Gama. E o pousar das malas no hotel e o entrar no programa já pensado: Palácio da Ajuda, MAAT e um concerto. Nem tudo cumprido, o que não é mau, quando o tempo passa com luz boa e boa disposição.

E houve também conversas imprevistas no táxi, conduzido por jovens brasileiros; no pequeno restaurante de Belém, cujo empregado lisboeta tinha a tatuagem de um dragão; o saborear do pastel - a que pouca gente resiste - num dos bancos à beira Tejo; as selfies sorridentes - não estivéssemos nós perto do Palácio Cor de Rosa!

Quanto ao Palácio da Ajuda, merece uma visita e não só as belas Joias da Coroa. É pena não haver táxis nem autocarros ali por perto. No largo (que poderia estar mais bem tratado) em frente ao belíssimo palácio, havia roupa a secar numa corda levantada por um simples pau, num toque curioso de aldeia.

Um pormenor da sala do trono no Palácio da Ajuda

E o descer até Belém, com o largo rio ao fundo, ajuda a ver  muito do trabalho que muita gente faz para que também muita gente se sinta mais feliz.

 

O anel de noivado de Joana Vasconcelos, no exterior do MAAT


 

Partilho um bocadinho do espetáculo de Hauser. Cantou-se, dançou-se, saiu-se de lá a sorrir, o que em tempo de tantas guerras também é importante.

Lince de Bordalo 2

E, depois de uma caminhada matinal, entrada na linha 5 na estação do Oriente (os painéis das linhas e horários estavam avariados e foi difícil obter informação!) para regresso ao Porto. É bem certo o lugar comum: cansadas mas felizes.

E foi também muito bom ler em mensagem de partilha de fotos: Mãe, tens de fazer isto mais vezes. 

Sim, o bom conselho vai ser seguido.

 

Daí a umas três horas, víamos o rio Douro e a belíssima imagem do casario que já avistámos milhares de vezes e que achámos sempre bela.

E o Porto (de novo) aqui tão perto.


 

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Não, não voltaria lá!

 

Há mais de uma ou duas dezenas de anos, fiz algumas viagens longas e, felizmente, conheci alguns países em diferentes continentes. Nesse tempo, visitei Moscovo, na Rússia. Dessa cidade, ficaram-me na memória estações de comboio com tetos e candeeiros como se de belas e estimadas salas de palácio se tratasse. 

Também tenho bem presente a pressa das pessoas de rosto triste e fechado a subir as escadas rolantes dessas estações. Toda a gente se encostava à direita para que a esquerda ficasse livre e ninguém impedisse ninguém de as subir como queria ou precisava. As vozes e sorrisos que se ouviam eram sobretudo dos turistas em contraponto com o silêncio fechado dos locais.

Numa dessas estações, travámos conhecimento com um homem de meia idade, que se aproximou educadamente de nós. De barbas e estatura à José Milhazes, falava inglês e deu-nos informações úteis sobre o local, tal como procurávamos. Nesse tempo, ainda não dispúnhamos do telemóvel com o sr Google sempre com a resposta na ponta da página. O diálogo durou apenas alguns minutos e, no final, com o mesmo ar sério, triste e sem rodeios, pediu-nos dinheiro. Agradecemos a ajuda e demos-lhe uma gratificação. Concluímos que era a sua forma de ganhar a vida, porque os ordenados eram baixíssimos.

Hoje não iria a esse país de modo algum, tal como muita gente, julgo eu, pela instabilidade e tirania de quem o governa.

De facto, o mundo mudou tanto nos últimos anos que há destinos que eram um bom sonho e que agora são um mau pesadelo. Tal como acontece com Israel - aonde nunca fui - que se tornou cenário de terror. Indicar as razões cabe aos analistas, mas, a mim, mera espectadora de algumas notícias, choca-me ver tanta gente inocente morta ou em sofrimento, ou sentir o tormento de quem vive com insegurança e muito medo, como acontece em Israel e ainda mais na Palestina.

Tantas reuniões se fazem ao 'mais alto nível', tantas resoluções se tomam, tantos documentos se aprovam, e as guerras vão destruindo e matando sem dó nem piedade.

Neste cenário atual, não poder escolher alguns destinos para viajar não é nada  - mesmo nada - face à imensidão do terror de quem vive nos países em guerra e/ou onde não se respeitam os direitos humanos.


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Um senhor arrogante tinha um restaurante...

 

Terminei assim o último post:

'Porém, nem tudo o que lá se passa (rua da Alegria) dá alegria, mas deixo isso para outra viagem'.

Então aqui vai o que hoje me surgiu. A viagem foi só pelas palavras para falar de uma peripécia que, por acaso, aconteceu e agora surgiu em verso.

 

Um senhor arrogante Tinha um restaurante E como se sentia mais e mais Ser arrogante Não lhe bastava

Por isso também era vaidoso Já que tinha muito e muito lhe sobrava Ele tinha uma preferência Pelas pessoas de referência Ou por quem aparecia Nos jornais ou televisão Ainda que dos primeiros Só costumasse ler os títulos E frente à outra adormecia No sofá bonacheirão A sua preferência recaía

Sobre executivos como clientes Famílias só as suas conhecidas E mesas só de mulheres Faziam-no ranger os dentes Acha que pouco sabem E nem um vinho caro escolhem Do que gosta e lhe dá lucro É mesma a mesa de homem E como se habituou À conversa masculina Mesmo a mais corriqueira Vendo um dia uma mesa no feminino Comentou com altivez Que é classe cabeleireira Pensando não ser ouvido

Sempre altivo e convencido Eis que uma das comensais Ouve o fraco comentário Do tal arrogante sujeito Que pensa ser o mais forte Até mesmo do que a morte 

Fugindo com o rabo à seringa Ele cala-se que nem petinga E fixa quem lá dentro o ajuda Com uma fúria confusa De quem não respeita os demais

  Mostrando que é um pequeno sinal menos

Mesmo que ele pense que é um grande sinal mais!

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O táxi e o chocolate

 

Éramos três amigas a caminho de um almoço num restaurante um pouco afastado da estação de Campanhã, no Porto, onde nos encontrávamos.

Estava calor e resolvemos apanhar um táxi.

Duas de nós sentaram-se atrás e a mais divertida sentou-se à frente, ao lado do motorista que - disse-nos depois - mora nas Fontaínhas (onde se festeja o S. João - lembrou-nos, embora o soubéssemos bem).

Então, a amiga mais divertida logo travou conversa com o senhor que nos conduzia e que já conduzia na cidade há mais de quarenta anos. E foi quando, entre sorrisos,  veio à baila o anúncio e a frase chic da senhora chic: 'Ambrósio, apetecia-me tomar algo'.

O senhor do táxi, simpático, educado e comunicativo, abriu a tampa ao seu lado e tirou de lá um chocolate. Que lhe sabe bem um bocadinho de vez em quando. E que se mantém fresco, como gosta, pelo ar condicionado.

Com boa disposição pela partilha destes pequenos prazeres e boas palavras, chegámos ao destino, desejando-lhe também um bom almoço. 

Seria em casa, como sempre, onde a mulher o esperava. E ainda houve tempo para o ouvirmos dizer que em jovem havia sido estafeta na cidade e que nesse tempo passava as notas a ferro para guardar o dinheiro direitinho. 

O momento havia sido doce e alegre. E, por coincidência, estávamos na rua da Alegria. 

(Porém, nem tudo o que lá se passa dá alegria, mas deixo isso para outra viagem).

 

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Campainha

 

Quando eu era miúda, a minha mãe dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, muitas vezes: não é para tocar à campainha. A advertência vinha a propósito de alguma coisa nova que se comprava, alguma notícia que era sobretudo nossa, etc. qualquer coisa que ela entendia não ser para contar a ninguém.

Não sei se foi por isso, mas tenho alguns pruridos em falar de mim num círculo mais alargado, ainda que a minha vida seja comum e anónima.

No entanto, aprecio muitas vezes a coragem de quem fala sobre si com inteireza, verdade e confiança, não para se vangloriar nem prejudicar seja quem for, mas porque o quer dizer, consciente de que o que diz não é motivo para se arrepender mais tarde nem é desabafo inocente que não interessa a ninguém e que apenas introduz ruído.

Com certas coisas que oiço dos outros também procuro ser cuidadosa, não reproduzindo muito do que ouvi, se o assunto é delicado, mesmo que não me tenham pedido segredo. Tenho medo de ouvir: foste dizer... contaste... não era para se saber ...

Fico atrapalhadíssima só de o pensar porque já me aconteceu uma vez ou outra e o que senti foi horrível. Devem ser resquícios do conselho que tantas vezes ouvi na minha infância, sentindo que não estive à altura de o cumprir: não é para tocar à campainha!

Por falar nisso, desculpem, estão a tocar à campainha.

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

'Nunca te cales, filha'!

 
 
Hoje, quando acordei, liguei a televisão e fui parar à Sic Mulher. Não sei que programa era, mas a conversa que ouvi fez-me logo abraçar o dia. Muito bom quando é assim. 
A entrevistadora era discreta, fazia perguntas curtas, certeiras e a entrevistada - Celina da Piedade - enchia o ecrã. E não era pelo seu corpo volumoso, mas pela simpatia, pelo gosto de viver, pelas coisas, aparentemente simples mas belas, que dizia e contava.
Retive algumas: reconhecimento pelo apoio dos pais. E recordou - com o bonito sorriso no rosto também bonito - o conselho que o pai lhe dava repetidamente: Nunca te cales, filha!
E falou da música e da vontade mais antiga de fazer carreira internacional mas que deu lugar ao querer viver e trabalhar num mundo mais limitado onde se sente muito bem e sabe que é precisa: para cantar, para tocar, para ajudar os outros que lhe estão próximos, etc.
E lamentou uma coisa que acontece com muita frequência: encontrar um amigo e dizer ou ouvir dizer que temos de combinar um café, não passando de promessa, porque muitas pessoas estão cada vez mais separadas.
E como gostei de a ouvir dizer que trabalha muito mas que também é preguiçosa, que gosta muito de ler e de fazer tricot ou crochet. 
Obrigada, Celina, por teres aberto uma bonita e útil janela logo pela manhã. 
Não sei se lá fora voam andorinhas, mas basta ouvir-te para as encontrar.
 

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Feliz

 

 

O apelido era Feliz, mas, se bem me lembro, raramente a vi feliz. Tinha muitos filhos - pelas minhas contas, eram sete - e as infelicidades caíam-lhes em cima com frequência. Pelas mãos ossudas e magras da mãe. 

O que valia era a rua onde passavam muito tempo e podiam correr o arco, jogar ao pião, lançar papagaios de papel, saltar à corda, etc. Aí, sim, eram felizes e ninguém lhes batia. Também que ninguém se atrevesse, a menos que quisesse ser retribuído da mesma ou pior forma.

Quando chegavam a casa é que era pior. Vinham sujos e esfomeados da brincadeira e a mãe enfurecia-se porque tinha esfregado o chão, de joelhos e com mais esmero do que sabão amarelo, e eles vinham estragar tudo. E o apelido lá se ia pela água abaixo.

Não é que não gostasse dos filhos e que não zelasse pela saúde deles, mas que sujassem a casa e tirassem as coisas do lugar enervava-a e trazia-lhe à cabeça o caos que vinha da sua infância. E tenho eu a alcunha de Feliz, raisparta - dizia para si própria!

A casa está agora em ruínas. Amontoadas, tal qual foram caindo, pedras, bocados de cimento ou cacos variados contam bocados das histórias por lá vividas. Restos da casa em que cada um gostaria de ter sido mais feliz e não apenas de nome. 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Mimo também é quando a pessoa quiser!

 

MIMOS DE JUNHO foi o último livro da coleção MIMOS DE..., da Mimos e Livros. É uma coletânea que vai contemplando todos os meses e em que sempre tenho participado.

Desta vez, o tema era junho e dediquei o texto à minha irmã. Possa ela sorrir.

 



A minha irmã

 

Nasceu quando junho se abria.

Costumávamos trocar presentes nos aniversários, frequentemente livros. Oferecia-me quase sempre um de que tinha gostado, receando, porém, que eu não apreciasse -  parda e persistente presença do fantasma do desamor.

Lia muito. Alimentava por si boa cultura literária, com alicerces nas estantes romanescas do nosso pai.

Como então era comum, o destino da maioria das raparigas seria tratar do marido, da casa e dos filhos. Contudo, livros, filmes, media que, ao longo da vida, selecionava criteriosamente, revelavam outras dimensões da vida.

O que mais a desassossegava era o medo de perder ou ver sofrer as pessoas que mais amava.

A leitura e a arte eram refúgio para muitas inquietações. E as poucas viagens possíveis. Paris representava, ainda que breves, a felicidade e a perfeição.

Também bordava sobre o linho, com cores e linhas sempre organizadas, como toda a casa.

Recordo-lhe a voz frágil e o cabelo encaracolado - grisalho, quando já muito doente, retendo brilho e beleza.

A minha irmã faz-me falta. Pela proximidade de idades e de visão do mundo.

Como lamento não termos trocado mais felizes e confiantes abraços - a que não fomos habituadas. O tempo não semeava afetos. Nem a coragem de os cultivar.

Junho floresce e quero sorrir, naturalmente, de irmã para irmã. Estou certa de que vai ver e sorrir também.

Como se nos oferecêssemos um livro bom e houvesse futuro.

 

Ainda vem longe o Natal, mas...



Enquanto vejo ou oiço programas de que gosto, vou tecendo pequenos presentes.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Sozinha em casa

 

Há uns tempos a esta parte, tento despojar-me de algumas coisas que não utilizo nunca e que podem ter utilidade para outras pessoas. Vejo o meu guarda-fatos e chego à conclusão que tenho bastante que vestir podendo variar. Portanto, para quê comprar e acumular, se não há necessidade?

Embora espere e deseje continuar a viver, vou pensando em situações de pessoas que morrem e deixam imensas e variadas coisas que não usavam e que vão dar muito trabalho a quem as tem de arrumar ou distribuir.

Pois bem, mas isto não condiz com o título que escolhi, embora tenha um bocadinho, sobretudo quando tenho o dia por minha conta. E como gosto de ter o dia por minha conta! Sem programa. Sem obrigações. Sem cumprimento de horários. Será egoísmo ou culpabilidade que se entranha e deixa marcas para sempre?

Quando estou sozinha em casa, arrumo umas coisas, outras ficam para depois (embora me pareça sempre ouvir a minha mãe dizer que sabemos como se sai, mas nunca como se entra!). E tenho tempo para olhar com mais atenção para as coisas, encontrando algumas sem qualquer história nem utilidade. Nesse caso, arranjo-lhes um destino mais útil. Também reutilizo outras, dando-lhes mais vida e visibilidade.

E que bom que é o silêncio da casa por umas poucas ou longas horas, ainda que muita coisa que também faça, tal como muita gente, sobretudo mulheres, seja a pensar nos que amamos e que vão chegar, que nos esperam, que nos chamaram, que precisam de nós, etc.

Por falar nisso, vou arranjar dióspiros, uns para congelar, outros para a sobremesa, mas, por enquanto, estou sozinha em casa, escrevo (-vos), oiço um carro de vez em quando a passar na rua, olho o canário que era da minha mãe no pequeno baloiço, vejo a mesa do pequeno almoço ainda por arrumar, o bilhete com as coisas que vou comprar no supermercado, bebo um pouco de café... Tudo tão simples e tão bom. 

Estou a ser egoísta, mas sabe bem sê-lo quando se está sozinha ou sozinho em casa por vontade ou gosto próprios. E não por tanta e frequente solidão imposta. 

 

domingo, 17 de setembro de 2023

A menina que quer ser professora

 

Há muito tempo, havia bastantes jovens - sobretudo raparigas - que diziam querer ser professores. E diziam-no com um brilhozinho nos olhos. Algumas vezes tive a alegria de o ouvir e ainda mais quando tiravam o curso e começavam a dar aulas (fui colega de alguns ex-alunos!).

Essa vontade de ser professor foi diminuindo ao longo do tempo - julgo eu. Será que ainda se vai a tempo de a recuperar? Oxalá que sim.

Há pouco, soube que uma estudante do último ano do secundário quer ingressar na Escola Superior de Educação e ser professora no futuro. Quando a avó fala do assunto, vê-se que a alegria e o orgulho são grandes. A jovem é uma rapariga aberta a este tempo globalizado, boa aluna, gosta de ler, vai a eventos culturais, desfruta com respeito dos bens da natureza, etc. 

Que bom, diz quem ouve, a Escola precisa tanto de jovens, porque o envelhecimento da classe docente é notório. 

Sei de alunos que dizem que os professores da turma são todos velhos, embora em muitos casos se tenha de relativizar porque, quando se é muito novo, toda a gente que tem mais uns vinte ou trinta anos já é considerado velho.

Mas todos vemos, ouvimos e sabemos que muitos professores estão à beira da reforma e que não há outros docentes em número suficiente para os substituir. Oxalá que exemplos, como o da menina que quer ser professora, possam motivar mais jovens para a carreira docente.

No entanto, não defendo que só os jovens têm a força, o saber e o entusiasmo necessários ao trabalho educativo. Muitos professores mostram-no no dia a dia, apesar da idade mais avançada, de todos os cansaços e problemas atuais - tantas vezes já antigos.

O ideal - ainda se pode falar em ideal? - será que mais jovens e menos jovens trabalhem em comum e juntem, com verdade e confiante serenidade, saberes necessários às crianças e jovens em idade escolar.

Parabéns e felicidades, M., menina que quer ser professora. 

 

sábado, 16 de setembro de 2023

Pessimista versus otimista

 

Não me lembro de ouvir falar tanto de Educação como agora, mas, quase sempre, por más, embora pertinentes razões: falta de professores, anos de trabalho que o Estado não pagou, etc. Os Sindicatos, como é atribuição sua, fazem-se ouvir, barafustam, criticam, apresentam propostas, etc. E, atualmente, perante o que dizem ser teimosia do governo, decretam greves - demasiado frequentes, na minha opinião.

Os rostos que mais aparecem nos media - pelo menos os que vejo mais, embora existam outros como o da Fne - são os de Mário Nogueira, da Fenprof, e de André Pestana, do Stop. Quanto ao primeiro, acho que está há demasiados anos - desde 2007 - à frente desse Sindicato; quanto ao segundo, acho-o demasiado efervescente para a função.

Existem outros problemas nas escolas - e um deles é a burocracia - mas  são pouco referidos. Por outro lado, há boas práticas que nunca são relevadas, porque o que é evidenciado são sobretudo os problemas, nomeadamente o não pagamento de serviço prestado. E este é o principal motivo para a convocação das frequentes greves. Também sou de opinião que quem trabalha deve ser remunerado, mas o ruído às vezes é tanto que já cansa muitas pessoas - incluindo bastantes professores - e os motivos das greves às vezes nem são ouvidos por quem não é professor. E muitos docentes não as fazem porque o ordenado não é grande e assim ainda é menor.

Quanto a esses dois dirigentes bastante mediáticos, André Pestana parece ter surgido a correr e de forma súbita com a sua mochila de papéis tantas vezes desarrumados e nervosos; Mário Nogueira, por sua vez, está no cargo desde 2007 e teria trabalhado como docente uma dezena de anos. Muito tempo à frente de um Sindicato. Demasiado tempo. O desgaste pelo tempo não perdoa.

A experiência acumulada pode ter vantagens, mas traz uma habituação que não é vantajosa para o grupo a defender. Podem até ser justos muitos dos seus argumentos, mas vão deixando de ser ouvidos, para além do cansaço que a imagem provoca.

Discordo cada vez mais do prolongamento em demasia em quaisquer cargos públicos de chefia, como se detivessem para si esse ónus a que se habituaram, muitas vezes para manutenção do poder e de regalias, embora não ponha em causa muito do trabalho realizado.

Será que os professores vão ser ressarcidos do tempo de serviço não pago e as greves vão abrandar? Neste contexto, não creio.

Será que outros problemas das escolas vão sendo resolvidos? Neste caso, sou um pouco mais otimista. Pode ser que a Educação ganhe mais relevância, como será necessário.

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

'Hoje é o primeiro dia...'

 


Hoje, não há televisão, rádio ou jornal que não fale do regresso às aulas. Da alegria de muitas crianças e jovens, da preocupação dos pais, do aumento de preço do material escolar, das novas greves prometidas pelos sindicatos de professores, dos apelos do ministro da Educação, etc.

Desde que deixei a escola - pública -, contacto com frequência com colegas e amigos com quem trabalhei, prolongando-se, felizmente, boas e grandes amizades. Assim, vou sentindo o pulsar da escola, onde cabem muitas alegrias, algumas esperanças mas também desilusões e frequentes cansaços.

É impossível não me recordar de tantos recomeços do ano letivo, em que a sala de aula se enchia de adolescentes; uns, felizes e curiosos pelas novas matérias que iam aprender e quase todos pelo reencontro com os colegas. 

Os comportamentos também eram diferentes. Alguns - sobretudo raparigas - sentavam-se nas filas da frente, outros quase corriam para as filas de trás. E, de repente, a sala enchia-se. E vinham as boas-vindas e algum receio, mais ou menos disfarçado, de não conseguir corresponder aos sonhos daqueles jovens: uns mais seguros do que outros, porque as suas histórias de vida também eram todas diferentes. As reuniões com os pais confirmavam-no.

Quando se sentavam, logo as mesas se enchiam de mochilas - um bom truque para esconder o telemóvel. E, com palavras mais ou menos doces, as mochilas lá desocupavam as mesas.

Muitas vezes dou comigo a pensar em momentos felizes na escola em que entre mim e os alunos se criava a empatia necessária para que o crescimento humano e de saberes acontecesse. Porém, casos houve em que poderia ter agido com mais segurança e descontração. 

Às vezes, perguntam-me se tenho saudades da escola e nem sei bem o que responder e começo por dizer que não sinto falta nenhuma  das crescentes burocracias, mas, sim, às vezes sinto falta dos alunos na sala de aula, da aberta alegria das visitas de estudo, do entusiasmo de alguns projetos, da ajuda competente nas novas tecnologias, do olá dentro e fora da escola, etc

Se fosse agora, tentava fazer melhor em muitas coisas. Se conseguisse, muito bem; se não pudesse, viesse, pelo menos, a confiante serenidade de dizer: 'Hoje é o primeiro dia...'