segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Carta fechada para o Pai Natal

 

A menina disse à mãe que tinha escrito uma carta ao Pai Natal. A mãe perguntou-lhe se podia ler a carta. A menina, olhando a mãe com ternura, disse que não. A mãe perguntou-lhe porquê. Para mais, todos os anos lhe dizia quais eram os presentes desejados. A menina respondeu, então:

- Este ano, quero que os presentes do Pai Natal sejam surpresa para vocês.

 

domingo, 28 de novembro de 2021

A beleza das pequenas coisas

 

São marcadores feitos pela Cristina Pinto - para juntar ao livro As fadas do bosque das cores e das estórias que tão bem ilustrou. Assim também se marcam os nossos dias. Felizmente.

 


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Praia no outono

 

Quando olho para o mar, em dias de outono, vem-me à lembrança este poema de David Mourão Ferreira e cantado por Simone de Oliveira, Celeste Rodrigues, Aldina Duarte e por outras vozes talvez. Foi o que me aconteceu hoje em Mindelo, Vila do Conde. No momento, apenas um casal na praia. Que não se limitou, tal como eu, a olhar o mar a partir do passeio.

 



 

'Praia de outono

Praia de outono desfigurada
Pela mordaça das marés vivas
Praia de outono transfigurada
Pela ameaça de alguém partir

Aquele amor sob o furor do mar
Já começou a declinar
Tenho medo!
Nem eu sei de quê
A noite vem tão cedo
Praia de outono ninguém nos vê

Em ti a bruma
Em mim ciúme
Vão-nos velando
A nós como as marés

Não se vislumbra
Esperança nenhuma
De alguém saber
Quem sou nem quem tu és'

David Mourão Ferreira  (Lisboa 1927/Lisboa 1996)

 

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

domingo, 21 de novembro de 2021

E se as fadinhas começassem a voar?

 

Atenção - isto tem um cheirinho a publicidade! Mas não é enganosa!!!

Bom domingo!|





sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Se fizerem obras, convém espreitar os canos!!!

 


Há uns vinte anos, fizemos obras na casa e construímos uma casa de banho que tem tido pouco uso. Há bastante tempo que a banheira estava entupida e lá fui tentando tudo e mais alguma coisa, mas a pobre continuava sem engolir. Como se aproxima o Natal e seremos mais em casa - se os confinamentos não nos vierem entupir a vida -, toca a pôr mãos à obra e ir ao fundo da questão, para ver o que se passava com a dita banheira. Veio o picheleiro (por cá, não dizemos canalizador), nada; veio um desentupidor munido de equipamentos mais poderosos, nada. 

Ora, a solução era furar, furar, furar até chegar ao cano para detetar o obstáculo. E, depois de muita ruideira e de muita poeira, achou-se um verdadeiro achado!

O que fazia com que a água da banheira não escorresse era - eu nem queria crer - um ponteiro de ferro que havia ficado no cano!!! Agora, cheio de ferrugem, jaz, para que conste, em cima da tijoleira rebentada.

É caso para dizer também: e esta, hein?

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Desculpem, não é assunto para começar uma semana.

 

Não gosto muito de me queixar, mas deixem-me dizer que ando cansada.

Cansada de políticos com palavras e sorrisos dúbios, cá dentro e lá fora.

Cansada do barulho que o meu vizinho faz constantemente com as obras na casa que são intermináveis.

Cansada de ver pessoas a sofrer em fronteiras que podem ser as últimas das suas vidas.

Cansada de só saber usar algumas valências básicas do computador e tantas vezes precisar de saber mais.

Cansada de ouvir o pobre do Manel a vociferar pela rua fora com pacote de vinho na mão e feridas na cara desvairada e alcoólica.

Cansada de ver sempre as mesmas pessoas a ganhar prémios, como se a mesa só fosse posta para alguns.

Cansada de ter uma  banheira entupida quase sem remédio por seguir conselhos que não devia seguir como pôr soda cáustica no raro.

Cansada de não ver a minha filha nem a minha neta por causa da covid e de ver o sr. Boris sempre despenteado e ar de quem atrapalha tudo, mas que nunca se atrapalha.

Cansada de ouvir outro vizinho a consertar o motor da mota sempre ao fim de semana, enevoando tudo de ruído.

Cansada de não ter tempo livre, de não terminar a leitura do livro que comecei, de deixar sempre coisas em cima da mesa, etc. etc. 

Cansada de não ser mais organizada, mais sensata, mais paciente, mais sábia, mais tolerante, mais criativa, mais magra, mais segura, de ter dores nos joelhos, de não andar mais a pé, de não ter a palavra certa no momento certo, de não agir com eficácia, de... de...

Cansada de achar que o que faço e o que digo ficam muito aquém do que gostava de fazer e de dizer.

Ando cansada, pronto, ando cansada. Desculpem. Isto não é assunto que se traga em início de semana.

'Erros meus, má fortuna...'

Mas a todos desejo uma Boa Semana.


sábado, 13 de novembro de 2021

Passeando por Londres - com os olhos e o coração!


 


Criticar ou não os outros, eis uma questão.

 

Muitas pessoas fazem críticas - umas mais camufladas, outras mais explícitas - quando falam de outrem. É aquela malícia ou maldizer que se abre muitas vezes para julgar de imediato as ações dos outros, ainda que sem má intenção.

Perante o que se sabe ou ouviu, vem um comentário, um juízo de valor, uma crítica, uma dúvida... E às vezes sem palavras, para além das interjeições, mas com olhares, trejeitos de boca... 

Isto vem a propósito de uma comparação entre duas famílias. Se uma julgava com alguma frequência o que outros diziam ou faziam, a outra limitava-se a conhecer modos diferentes de viver a vida - ainda que não concordasse com eles - sem nada perguntar, sem nada retorquir, sem nada julgar.

E, desta troca de impressões, emergiu uma conclusão: quem o faz é má pessoa.

Só não percebi a que família a afirmação se dirigia.

 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Entre cartões e recibos, também pode haver poesia!

 

Abri o porta moedas e, entre cartões e recibos, encontrei este pedacito de jornal. Já não sei donde o retirei, mas sei que gosto muito da poesia de Adélia Prado - muito ligada ao quotidiano (ainda que só dizer isto seja redutor) e a reflexões que ele nos traz. Quando puder, vou estudar um bocadinho para poder dizer coisas mais sustentadas sobre esta grande poeta, nascida em 1935, em Minas Gerais, Brasil. 


 

Depois, foi só procurar um poema na net que me pareceu vir a propósito (tenho um livro de Adélia Prado e hei de relê-lo).

 Momento

Enquanto eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

Adélia Prado

 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

terça-feira, 9 de novembro de 2021

De mãos dadas

 

Confesso que gosto de ver casais de mãos dadas, no seu outono da vida. E se se pressentir empatia, ainda acho mais bonito. E sorrisos sinceros também. E palavras carinhosas olhadas e escutadas e respondidas, então o momento é ainda mais belo.

É um tema que me ocorre com frequência. Talvez por isso, hoje, quando fui à  'minha cidade com mar ao fundo', deparei com dois ou três casais de mão dada. 

Estava um calorzinho ameno, o mar cintilava e esses casais, cada um no seu tempo e no seu espaço, passavam passeando tranquilos numa rua perpendicular ao mar.

Imaginei cada um desses casais à noite a dormitar no sofá - imagem não tão romântica assim. Mas talvez ainda procurassem as mãos um do outro antes de a noite ser noite.


sábado, 6 de novembro de 2021

A abóbora em poesia - ninguém diria!

 

 Num comentário - obrigada, Bea - foi referida a abóbora porqueira.  Talvez pelos sons semelhantes, logo me lembrei da 'abóbora carneira' que aparece no poema de Cesário Verde, 'Num bairro moderno'. Como é bastante longo, mas vale a pena lê-lo todo, partilho só um excerto.

No poema, surge uma vendedora de fruta numa rua da grande cidade. Sobressai a atenção aos pormenores e sensações do real, não faltando o olhar social e humano face à dureza de alguns trabalhos. E outras coisas, é claro, porque a cada leitor a sua leitura.

 

Vi há pouco o comentário do Vítor Oliveira com a partilha de um post da sua Carruagem 23. Obrigada, Vítor. Vejam, se puderem. Vale a pena. Está em: 

https://carruagem23.blogspot.com/2011/02/cesario-verde-tanta-poesia-para-tao.html

Nota: Janita, assim poderá ver e ouvir o poema na íntegra.

Um domingo com boas sensações para todos.

 

'Num bairro moderno'

'(...) 

O Sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Ouço um canário - que infantil chilrada!
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.'

Cesário Verde, in O Livro de Cesário Verde

 

Cesário Verde  nasceu em Lisboa em 25 de fevereiro de 1855. Morreu na mesma cidade em 19 de julho de 1886, apenas com 31 anos.

Foi um dos primeiros poetas portugueses do realismo. A sua obra - curta mas muito importante - está compilada em O livro de Cesário Verde.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Bons sabores de outono!

 

Deram-me esta abóbora. Bem bonita, por sinal. Obrigada, Rosa.

Resolvi fazer doce com uma boa parte. Alguns frasquinhos poderão ser presentes de Natal. Espero que fique com bom sabor. Para que os rótulos bonitos que irei pôr por fora fiquem a condizer com o conteúdo!

Deixo aqui algumas fotos que fui tirando enquanto preparava esta doçura que, neste momento, ainda está quentinha.

Espero que gostem. 

A mãe de toda esta compota

A abóbora com o açúcar e paus de canela

A abóbora já cozida

Amêndoa moída para juntar à panela 




A abóbora com a amêndoa

Da panela para os frascos

Arrefecendo e criando vacuum (para não criar bolor)

 

Pus o resto da abóbora em saquinhos e congelei. Para sopa, por exemplo.

Bons sabores de outono! 

 

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A cada um(a) os seus botões

 

Com os seus botões - figura sentada 1

Tanta gente aqui no hospital à espera de vez. Não conheço ninguém, mas deve haver muitos professores, a maior parte reformados. É bom haver convenções. Que bom eu ir à consulta e saber que o problema não é grave. Já tomei um café e soube-me bem. Passo a maior parte do meu tempo em casa. Só saio para a minha pequena caminhada. Tenho medo de cair. Hoje estou feliz porque saí e, se cair, tenho quem me ajude. Há muito tempo não vestia este fato. Os sapatos apertam-me um bocado, mas trazem-me boas recordações e a caixa pode arejar. Sempre gostei de me arranjar. Em casa, como estou só, uso demasiado o roupão, mas, pensando bem, não é a melhor indumentária para vestir o meu dia.

Agora reparo, aquela fulana está sempre a olhar para mim. Será pelas minhas rugas? Será que estou despenteada? Mas ontem fui à cabeleireira e quando saí não havia vento. Para além disso, a laca que a cabeleireira me põe é à prova de furacão. Já lhe disse que faz mal ao ambiente, mas ela é teimosa. Diz que me fica muito bem. Traz-me o espelho para me mirar de vários ângulos. Nem quando eu era secretária de direção, usava o cabelo assim. Também não precisava porque era jovem e bonita. E sempre gostei da minha liberdade. Até no cabelo. Agora deixo-me levar pelos mimos.

Os olhos dela fixos em mim parece que me estão a tirar uma radiografia. Fogo, como diz agora toda a gente. Se demorar a chegar ao meu número, levanto-me e vou perguntar-lhe se me conhece. Não tem cara de quem esteja a tramar seja o que for, mas é tramado o modo atento como olha. Se me levantar para falar com ela, é da maneira que alivio os meus pés e falo com alguém, sem ser só com a funcionária do guichet e com o médico.

 

Com os seus botões - figura sentada 2

Ui, ainda faltam trinta números para chegar à minha vez. O que vale é que neste hospital não faltam funcionários nem pontos de atendimento e os números rolam a bom ritmo no ecrã. Devem estar aqui muitos professores, porque a instituição tem convenção com a ADSE. Atrás de mim, uma jovem diz que já passa das onze e meia, que vai dar aulas à uma hora em Aveiro e ainda não fez o exame médico.

Todo o tempo do mundo terá aquela senhora tão bem posta, como dizia a minha mãe. Está sentada do lado oposto. Há tanto tempo que não via alguém vestido assim. Um fato chanel, como antigamente nas revistas chiques de moda. A blusa com um grande laço e até os sapatos são a condizer.

Qual teria sido a sua profissão? Se a teve, foi professora quase de certeza. Daquelas rígidas que nunca deixavam o programa por cumprir, sem tempo para outros diálogos. Para quem a liberdade era palavra desnecessária e pejorativa.  Devo estar a fixá-la bastante, creio. Mas a figura dela ficou no guarda-fatos de muitas das memórias de quem também viveu esse tempo, como eu. Quando chegar a minha vez, se passar por ela, vou sorrir-lhe. Falar-lhe talvez não, porque de certeza que não quer ser incomodada e em casa não lhe faltará com quem falar.


terça-feira, 2 de novembro de 2021

'O QUINTO IMPÉRIO'

 

A propósito do título do último livro de Manuel Maria, partilho aqui o poema 'O Quinto Império' da MENSAGEM, de Fernando Pessoa, e que foi também referido por Vítor Oliveira, na apresentação do romance.


'Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho, no erguer de asa,

Faça até mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar!

 

Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz —

Ter por vida a sepultura.

 

Eras sobre eras se somem

No tempo que em eras vem.

Ser descontente é ser homem.

Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!

 

E assim, passados os quatro

Tempos do ser que sonhou,

A terra será teatro

Do dia claro, que no atro

Da erma noite começou.

 

Grécia, Roma, Cristandade,

Europa — os quatro se vão

Para onde vai toda idade.

Quem vem viver a verdade

Que morreu D. Sebastião?

21-2-1933

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).

 

domingo, 31 de outubro de 2021

Uma boa tarde de sábado - como se previa

 


Ontem, sábado, dia 30 de outubro, foi lançado o romance Quinto Império - Profecia de Perdição, de Manuel Maria, publicado pela Editora Lugar da Palavra, conforme convite há muito divulgado.

A capa, muito elogiada, de Ana Bessa.

João Carlos Brito (Editor); Vítor Oliveira (Apresentador); Manuel Maria (Autor) e o representante da Junta de Freguesia de Paranhos, aqui nas suas palavras de boas-vindas.


Vítor Oliveira, professor, formador, blogger (tem o blogue Carruagem 23), na apresentação do livro e da sua leitura do romance. Atendendo ao interesse e profundidade da sua comunicação, foi sugerido que fosse publicada.

 

O autor - homem de palavras e de palavra, como referiu o Editor -, comunicando as várias dimensões do seu trabalho para a realização desta obra que teve o apoio do Ministério da Cultura e que agora chegava aos leitores.


A fila de pessoas para os autógrafos foi longa e demorada. Havia amigos que se reencontravam, abraçavam, recordavam tempos passados, falavam de projetos, da família a aumentar, etc. O autor tinha sempre palavras gentis para cada pessoa que se aproximava para ter o livro autografado.


 
 
Manuel Maria sempre com grande atenção aos outros, afeto, alegria, gosto pelas palavras ditas, lidas e escritas, gerando um ambiente amistoso em que os livros sobressaem como objetos artísticos realizados com rigor, seriedade, amor, atenção aos pormenores, para que os leitores possam desfrutar deles o melhor possível.

Digam lá se não houve bons motivos para uma boa tarde de sábado.  Quem conhece o autor já o previa.

Boa sorte, Manuel Maria.

Boas leituras.


O solitário da rua - os dias mais pequenos

 

Os dias pequenos talvez não sejam muito propícios aos solitários, como eu, o solitário da rua. As noites chegam cedo, fico mais tempo dentro de casa e com a luz acesa. Gosto de chegar da repartição e ir tratar das coisas do quintal ainda com a luz do dia. As ervas daninhas não me dão tréguas. Já apanhei as abóboras manteiga e protegi-as da chuva, embora me tenha habituado a ver abóboras ao sol e à chuva na casa dos meus avós.

Os dias pequenos talvez não sejam muito propícios aos solitários como eu, o solitário da rua, apesar de gostar do som da chuva a cair quando estou em casa. E em domingo caseiro ainda me sabe melhor, mas hoje a chuva é muita, a noite vai chegar mais cedo, desliguei a televisão para não ouvir falar mais uma vez de partidos políticos com muitas guerras dentro. Chove tanto nestes dias de finados que muitos mortos não serão visitados, ainda que as visitas devessem acontecer sobretudo em vida. Também eu, o solitário da rua, não fiz as visitas que poderia ter feito.

Os dias pequenos talvez não sejam muito propícios aos solitários como eu, o solitário da rua, porque fica-se mais ensimesmado, mais reflexivo e a vitamina da luz natural faz algum dano. Não sei por que razão às vezes penso que se fosse mais novo preferia viver num país do norte da Europa, daqueles em que, quando o sol aparece, as pessoas enchem as ruas como se fosse uma festa.

Os dias pequenos talvez não sejam muito propícios aos solitários como eu, o solitário da rua. E os dias grandes sê-lo-ão sempre, interrogo-me. Vou pensar nisso porque, como a noite vem mais cedo, tenho mais tempo. Mas, como amanhã se prevê sol, o melhor será não o desperdiçar.


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sábado, 30 de outubro de 2021

Três dias no 818

 

Ir passar três dias fora descansava-lhe a mente. E seria completamente diferente desta vez.  Provavelmente não sairia do hotel. Chegara até ali não para visitar a cidade, mas para ser babysitter do seu menino mais pequenino.

Quando chegaram, souberam o número do quarto: 818. 

Era grande, com vista, ao longe, para uma infinitude de automóveis em movimento em estradas e redondas encruzilhadas, para um mar de bairros e para um casario imenso de todos os tamanhos e alturas, porque Braga é uma cidade em grande expansão. Felizmente via-se muito, mas não se ouvia quase nada.

Depois de comer, o bebé adormeceu. Ela fechou um pouco mais a cortina e ficou a olhá-lo. Dormiria, com certeza, um  soninho tranquilo até a mamã voltar.

Ela ia-se apercebendo do evoluir da tarde pela cor do céu que se ia carregando.

Pegou no telemóvel e esboçou um post. Viria a apagá-lo no dia seguinte. Era lamechas para o seu gosto. Acontecia-lhe muito. Começava a escrever e as palavras escorriam com fartura. No dia seguinte, era mais o que modificava ou apagava do que o que aproveitava. E ainda bem, pensava. Salvo as devidas distâncias, se Marcelo não agisse enquanto pensa, às vezes seria bem melhor.

E assim passaram três dias. Diferentes e bons. À volta de fraldas, papinhas, brinquedos e sorrisos e mimos. 

Quando a filha chegava, feliz, podiam conversar e fazer o ponto de situação. Mãe, para ti é seca? Sei que gostas de ter o teu tempo. Claro que não, respondia ela, com sinceridade. Gostava de ser útil e podia estar todo o tempo com o seu menino.

E um dia, quando vieram almoçar, o átrio do hotel estava cheio de luz e ainda sem ninguém. Ela pensou que podia ser cenário para uma história, mas não sabia se iria concretizar. Talvez por incapacidade imaginativa, preferia as histórias vividas ou conhecidas.

O que sabia era que estava a gostar daqueles três dias num hotel, a maior parte do tempo passado no quarto. Daí três dias no 818.


 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Desculpem!

 

Ela vivia a pedir desculpa. Pedia desculpa por se atrasar um bocadinho, por estar a interromper ou a ser chata, pelo trabalho não ter ficado perfeito, pelas palavras usadas não serem as mais adequadas, por ter-se calado quando devia ter falado, por ter falado quando o melhor era o silêncio…
Até nas idas ao cemitério pedia sempre desculpa aos seus mortos pelas falhas tidas com eles ao longo da vida.
Aos filhos pedia desculpa insistindo na ideia de não ter sido a mãe que teria desejado ser. Os filhos já se cansavam da repetição.
As vozes mais amigas diziam-na bonita, no seu corpo alto e de rebelde cabelo escuro, mas que tinha de acreditar mais em si e não estar sempre a menosprezar-se e a pedir desculpa.
Um dia, demorou um bocadinho mais a ver-se ao espelho. Viu-se a envelhecer e ficou a olhar o passado vazio de elogios. Não os ouvira nem de si própria.
Apesar de todas as lacunas, como o tempo era voraz, tinha mesmo de deixar de pedir desculpa tantas vezes. Exagerava, tinha consciência disso. Fazia-o com sinceridade, mas mais parecia um vício de alguém que se desvaloriza constantemente causando até  constrangimentos.
Saiu. Já na rua, encontrou uma amiga. Foram tomar um café. Na conversa veio à baila a obsessão do pai da amiga pelos cânones da religião que professava. As ideias que defendia eram as aprendidas no catecismo há muitas décadas. Sem nada tirar e sem nada pôr. Qualquer questionamento ou desvio de práticas logo ele considerava heresia e por isso punha ponto final ao diálogo, mesmo com os filhos que, com o tempo, foram deixando de ser praticantes.  Diziam precisar de outras águas e não viver só de água benta.
À noite, à mesa, ela contou a conversa tida com a amiga. Um dos filhos disse, convicto: compreendo. Às vezes também sinto vontade de nem sequer pedir desculpa a ninguém.
A mãe ouviu e não pediu desculpa.