sábado, 19 de dezembro de 2020

Uma história (com algumas coisas que vi e ouvi) de Natal - parte 2

 

Anjolie Ela Menon (pintora indiana)


A trança de Sabina

     (...)

Sabina partiu da sua cidade de Jaipur num dia do mês de outubro em que se festejava o Diwali - festa de todas as luzes e a que muitos Cristãos chamam o Natal indiano.

Rumo ao aeroporto, Sabina, em silêncio, olhava, com os seus olhos aveludados e negros, as ruas ladeadas de barraquinhas com vistosas iguarias, os cestos de malmequeres amarelos, o sari brilhante da mãe e o fato  claro e largo de linho do pai. Escutava o frenético apitar dos carros, o som ronceiro dos motociclos, o pedalar arrastado e contínuo dos magros condutores de riquexó, a vozearia alegre dos transeuntes que ziguezagueavam, com ousada confiança, através do caos colorido dos lugares.

Os familiares e amigos achavam estranho que Sabina abandonasse a cidade em plena celebração da festa de todas as luzes e de todos os cintilantes fogos de artifício. Sabina concluíra que a decisão não era errada porque todos os dias se iluminam de novas luzes e não apenas nas datas indicados no calendário. Para além disso, as aulas iriam começar na UCL Medical School  e Sabina queria a todas assistir desde o início.

Horas depois, chegava a Londres - cidade onde, aos seus olhos, iam chovendo todas as culturas e etnias. Sabina viera só, mas instalou-se, com outros estudantes, numa rua de nome Pandora. A cidade seria, pois, uma enorme caixa que, pouco a pouco, Sabina abriria para conhecer melhor o que ela continha.

Todas as manhãs, Sabina apanhava o metro para a Universidade, saindo na estação de Euston - onde sempre se ouve música clássica. Na travessia até à rua, concentrava-se naquele belo ritual de início de muitas manhãs e de regresso a casa, tantas vezes cansado.

 Sabina ia-se adaptando à nova cidade, embora se lembrasse muitas vezes da família, dos amigos, do sol, da luz, dos cheiros e sabores da casa dos pais, das cores intensas das ruas e mercados de Jaipur... Essas eram razões para não cortar a trança. Ligava-a à sua cidade natal e ao seu país que, devagar, revia em muitos momentos, embora o seu propósito de concluir o  curso nunca esmorecesse.

Se Camões a tivesse conhecido, também lhe teria dedicado, por certo, alguns dos seus versos

"Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha";

(...)

 

Continua

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